Nas últimas quatro décadas, a pesquisa agropecuária brasileira contribuiu, de forma definitiva, para a modernização dos sistemas de produção do País, fazendo com que o Brasil garantisse o abastecimento interno e produzisse excedentes exportados para todo o mundo. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, foi decisiva neste processo e enfrenta agora o desafio de continuar avançando em agregação de valor, produtividade, segurança e qualidade, com velocidade e eficiência superiores àquelas alcançadas no passado.
O engenheiro agronômo Maurício Lopes, que desde o dia 15 de outubro de 2012 é o presidente da empresa, assumiu a missão de comandar essas transformações esperadas para os próximos anos. Mineiro de Bom Despacho, Lopes iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Anos depois, obteve o título de pós-doutor pelo Departamento de Agricultura da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU).
Pesquisador da Embrapa desde 1989, Maurício Lopes concedeu entrevista e falou sobre os investimentos em setores estratégicos (a exemplo do sucroenergético e o de biotecnologia), a importância da proteção à propriedade intelectual e as perspectivas para o futuro.
Qual vai ser a principal característica da Embrapa na sua gestão?
As revoluções no mundo da ciência indicam que as instituições de pesquisa e as empresas do agronegócio vão precisar investir em antecipação de riscos, de oportunidades e de desafios, além de processos coordenados de decisão e ação. A Embrapa, sensível a esta visão, instituiu, em dezembro de 2012, a Rede Agropensa, dedicada a interagir com agentes internos e externos para produzir e difundir conhecimentos estratégicos para o desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira. A consolidação da rede é um dos principais objetivos da minha gestão.
Como a Embrapa pretende investir em setores estratégicos como o sucroenergético?
A intensificação do esforço da Embrapa na agricultura de biomassa e energia se deve ao fato de que o setor vai precisar crescer a taxas altas para responder às demandas crescentes. O consumo de etanol deve aumentar no mercado internacional e doméstico, não somente para combustível, mas também porque a indústria química tende a buscar substitutos renováveis para insumos até então supridos por derivados do petróleo. Assim, algumas das áreas que vão demandar avanços no conhecimento agronômico são: expansão do cultivo da cana em áreas novas, a busca por fontes alternativas de bioenergia, o desenvolvimento de variedades adaptadas e sistemas de cultivo adaptados a múltiplas realidades.
Há interseção entre o setor sucroenergético e o de biotecnologia?
Muitas funções biológicas importantes conhecidas por meio da biotecnologia moderna poderão ser gradualmente incorporadas à agricultura de biomassa e energia. Entre as principais oportunidades que a biotecnologia deve oferecer estão o domínio dos processos metabólicos dos organismos (plantas, animais e microrganismos) e sua aplicação na produção de materiais de alto valor agregado, direcionados para usos não-alimentares (bioquímicos, medicinais, energéticos, etc). A partir disso, pode-se estabelecer uma base científica e tecnológica radicalmente nova, que vai muito além da atual transgenia aplicada às commodities. O Brasil, como nenhum outro país no mundo, tem condições de alavancar os potenciais econômicos e de sustentabilidade da nova bioindústria, tanto para intensificar a produção de alimentos, fibras e energia limpa, como para desenvolver uma nova indústria de químicos renováveis.
Os biocombustíveis são uma alternativa para a produção de energia. Como o melhoramento genético (convencional e biotecnológico) pode contribuir para que o setor seja mais sustentável?
As políticas de redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa apontam para a busca de fontes renováveis de energia. A biomassa é uma alternativa para esta oferta energética e requer o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para aumentar a eficiência dos sistemas de produção, sem ampliar demasiadamente a ocupação territorial com esses cultivos. O melhoramento genético convencional e biotecnológico é fundamental para se alcançar melhoria da produtividade. Além disso, utilização de insumos modernos como fertilizantes e controles sanitários mais eficientes são outras importantes ferramentas para atingir esse objetivo. Também devem ser priorizados o melhor aproveitamento de biomassa residual e a utilização de conhecimentos genômicos de vegetais e de microrganismos para elevação da conversão biológica e industrial. Os planos para o setor deverão estabelecer as metas, meios e responsabilidades quanto às alternativas, tecnologias, infraestrutura e logística necessários para que o País avance e se consolide como potência energética de base limpa.
Quais critérios são levados em conta para eventuais pesquisas com modificações genéticas?
A competitividade do agronegócio, particularmente o tropical, passa pela aplicação dos conceitos e ferramentas da biotecnologia moderna para superação de limitações e para adição de novas funcionalidades à produção agropecuária. A Embrapa defende publicamente esta visão, mostrando para a sociedade brasileira que a aplicação segura da biotecnologia é capaz de dotar o agronegócio brasileiro de vantagens competitivas e consolidar o País na liderança científica e tecnológica da agropecuária tropical. Entre os critérios usados para decidir pelo uso da modificação genética para desenvolvimento de um novo produto estão: a) demandas da agricultura brasileira; b) impossibilidade de obtenção do mesmo resultado por melhoramento convencional; c) oportunidade do desenvolvimento de novas cultivares com alto valor nutricional e funcional; d) oportunidade do desenvolvimento de cultivares mais adaptáveis às mudanças do clima; e e) maior produtividade com menor necessidade de insumos.
É importante ressaltar que a biotecnologia não se restringe apenas à produção de plantas transgênicas. As ações da Embrapa nesse campo também contemplam a aplicação de marcadores moleculares no melhoramento convencional, os estudos de genomas e prospecção biológica para identificação de novos caracteres, genes e processos que possam ser utilizados em programas de transgenia, melhoramento de plantas, manejo integrado de pragas e doenças. Outras vertentes relevantes são a transferência de embriões, fecundação in vitro e clonagem animal.
Como está o processo de comercialização do feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado?
O feijão foi aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em setembro de 2011. As novas cultivares estão em fase final de avaliação de Valor de Cultivo e Uso (VCU), necessária ao registro das mesmas, e testes de Distinguibilidade, Homogeneidade e Estabilidade (DHE), necessárias ao processo de proteção de cultivares. Tais ensaios estão ocorrendo entre os anos de 2012 a 2014. Prevemos o lançamento comercial das novas cultivares aos produtores na Safra da Seca de 2015.
E a alface transgênica com mais ácido fólico, em que fase se encontra a pesquisa?
A Embrapa desenvolve uma alface transgênica com quantidade de ácido fólico 15 vezes maior do que na planta tradicional que está em fase de estudos de biossegurança. Esta hortaliça poderá ser usada na prevenção de doenças e também para ajudar a evitar a má formação de bebês em fase de gestação. Vai demorar um pouco para que o produto chegue à mesa do consumidor: a estimativa é de cinco anos.
Como a empresa enxerga a questão da propriedade intelectual?
A Embrapa avalia que a propriedade intelectual é uma forma de reconhecimento de autoria das tecnologias geradas pela instituição e uma ferramenta para a criação de modelos de negócios que permitam a ampliação do acesso às nossas tecnologias. Esses modelos permitem que parte dos recursos sejam reinvestidos em novas pesquisas, em benefício da sociedade. É preciso o processo de produção seja sustentável, em todos os seus aspectos, inclusive no econômico. Para tanto, a proteção intelectual da nova cultivar pode ser utilizada como ferramenta de criação de um mercado no qual a Embrapa, produtores de sementes e agricultores se beneficiam pela simbiose criada entre os elos da cadeia. Embora não seja vista pela instituição como um fim, entendemos que a proteção intelectual é um instrumento que permite a atração e participação dos demais atores necessários ao processo de inovação.
No caso do Feijão Transgênico, a Embrapa vem realizando de estudos para identificar a forma mais eficaz de fazer com que a tecnologia beneficie o maior número de usuários possível. O principal objetivo é viabilizar a produção e geração de renda pelo usuário da tecnologia, promovendo a organização da cadeia produtiva do grão transgênico e fomentando o uso de sementes certificadas. No entanto, isso não significa que a proteção intelectual e os modelos de negócio dela advinda estejam descartados.
Existe interesse em aprovar o feijão em outros países do mundo?
Existe a possibilidade teórica de que a a modificação genética que conferiu resistência ao vírus do mosaico dourado funcione em outros países. Havendo interesse, a Embrapa pode ser contatada para discussão de possibilidades de colaboração.
Como se daria a cobrança de royalties na hipótese de a Embrapa ter produtos aprovados em outros países?
No exterior, além da criação do modelo de negócio, devemos agregar outro argumento à análise de uso da propriedade intelectual e da cobrança de royalties, que é o fato da geração da tecnologia ter sido custeada por recursos públicos do Brasil. No caso da exploração de tecnologias em outros países, a avaliação é feita sob a ótica de retorno à sociedade brasileira dos recursos investidos.
No caso de haver interesse da Embrapa em aprovar suas tecnologias transgênicas em outros países, como lidar com a questão da assincronia de aprovações?
A Embrapa inclui esse fator na previsão do tempo necessário para trazer a nova tecnologia ao mercado. No caso dascommodities, a exemplo de nova soja GM, é necessario esperar a aprovação pelos principais mercados importadores, pois a possibilidade de mistura durante a colheita, estocagem, transporte e embarque dos grãos produzidos no País é grande. Assim, o comércio internacional pode ser bastante prejudicado caso seja detectada a presença de grãos não aprovadas em determinados países ou blocos de países importadores.
Quais são as perspectivas para a pesquisa agropecuária, especialmente no que diz respeito à biotecnologia?
A agricultura será desafiada por transformações substanciais ao longo dos próximos anos. Para garantir a sustentabilidade da atividade em um cenário de mudanças climáticas, é essencial avançar em diversos campos do conhecimento. O aumento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia exigirá sofisticação tecnológica que racionalize o uso dos recursos naturais necessários à produção agropecuária. O Brasil precisará também investir de forma mais agressiva em inovações para agregação de valor às “commodities”, criando mais oportunidades para a agroindústria brasileira, em especial em mercados mais competitivos, sofisticados e rentáveis.
Os desafios são enormes, mas conta a nosso favor o fato de que o avanço tecnológico, em diversas frentes, é impressionante. São evidentes os avanços da biotecnologia moderna, com a transgenia e, mais recentemente, com a genômica, que abre imensas oportunidades para acesso e utilização de variabiliade genética de forma cada vez mais sofisticada e segura. Para fazer bom uso deste arsenal de ferramentas e continuar competitivo, o Brasil precisará investir cada vez mais em processos que fortaleçam as nossas instituições de pesquisa.
Texto originalmente publicado na edição de fevereiro da revista AgroAnalysis.
*Maurício Lopes é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Ph.D. em Biologia Molecular de Plantas pela Universidade do Arizona, presidente e pesquisador da Embrapa.
Fonte: CIB – Conselho de Informações sobre Biotecnologia