Um dos “papas” da ciência exata publicou, no final do século 17, obra na qual compilava três “leis da física”. Na Lei de nº III, descrevia a notória premissa sob a qual “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: ou as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em direções opostas”. Se muitos dos axiomas do passado foram atropelados pelos estudos contemporâneos, análises relativistas, quânticas, e pós-modernas, de outro lado, no âmbito político a máxima da física permanece atual e relevante.
No último dia 29 foi realizado memorável seminário: “As Patentes e o Futuro da Indústria Nacional de Fármacos” pelo Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados, em Brasília. Sob a batuta apurada do (semi-xará do físico inglês) Deputado Newton Lima, e a assessoria cuidadosa do professor Pedro Paranaguá, expertos de todas as áreas foram ouvidos (Poder Judiciário, Diplomacia, Acadêmicos, Advogados) acerca dos problemas sensíveis na atual Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96).
Na égide do décimo sexto ano de sua vigência, constatou-se, por unanimidade, que as premissas basilares erguidas pela norma não foram cumpridas pela execução legislativa. No todo, averiguou-se que o sistema de patentes e segredos industriais – basicamente – contempla interesses estrangeiros; implicando, na prática, muitos empregos alhures, e bela remessa de royalties para outras terras.
Promulgada em 1988, a Constituição Brasileira averbou – de modo não ortodoxo – resguardo à propriedade intelectual na cláusula dos direitos fundamentais, cuidando de suscitar que a “lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
No mesmo sentido, o artigo 2º, da LPI, dispõe que a “proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Contudo, de ambos os dispositivos, a única concretude extraída da aplicação normativa se subsume, respectivamente, aos termos: “assegurará”, “privilégio”, “proteção” e “propriedade”.
Ao restante semântico das fontes legais restou a sensação de adorno, enfeite, idiossincrasia, programa ou promessa de “politicagem” não cumprida, mas também sem exigibilidade. Quando forjada para a pseudo-promoção do bem público canarinho, “jamais” se imaginaria que todos os outros interesses seriam albergados, com exceção daquilo realmente interessava aos brasileiros: ascensão tecnológica, social e econômica local.
Pelo contrário, desde a edição da norma que maximizou tutelas – em especial na área farmacêutica e agroquímica – o Brasil se alavancou como importador de produtos, serviços técnicos, e o déficit comercial foi consideravelmente majorado. Se, de um lado, é verdade que tratados internacionais (como o Acordo TRIPS e a Convenção União de Paris) manietam parte da autonomia, e soberania, para diversas matérias, de outro, desnecessariamente abdicamos da liberdade, livre iniciativa e livre concorrência em vários setores tecnológicos.
Como exemplos mais sensíveis daquilo que “entregamos” nos moldes da discagem telefônica 0800, figuram, entre outros, as malditas patentes de segundo uso médico (também conhecidas como privilégios “réchaud”), patentes de polimorfos, e a tutela proprietária aos dados de testes sigilosos apresentados à regulação estatal (para agroquímicos).
Mas a bem aventurada – e imperativa – modificação no sistema de patentes encontrará gigantesca oposição dos titulares de tecnologia, em especial perante o consagrado, e eficiente, lobby de suas associações classistas. Tais players funcionam como a bancada ruralista perante a expressão “reforma agrária”; bastou a pronúncia ou inclusão de projetos que contemplem melhor funcionamento social de qualquer sistema não oligárquico, que a medida demorará décadas para ser votada.
Independentemente do lapso temporal havido entre um (bom) projeto modificativo da Lei 9.279/96, e sua eventual aprovação, o simples fato de a “Casa do Povo” discutir as questões mais relevantes já é, por si, salutar. Chegou a hora de democraticamente adequar-se a fonte normativa aos princípios republicanos, ressalvando o imprescindível acesso à saúde.
Será a (já tardia) morte anunciada de mini-tecnologias (no âmbito qualitativo) inventadas, de conteúdo ínfimo com moldes proprietários de 20 anos, e do “evergreening”. Aos inimigos do domínio público um alerta: após uma década e meia de reinado absoluto, não haverá – mais – passividade social ou política pelo predomínio proprietário que atente contra os direitos fundamentais. Patentes só para o progresso; estagnação e regresso jamais.
Pedro Marcos Barbosa é mestre em Direito Civil, epecialista em Propriedade Intelectual, professor da Graduação e Pós-Graduação em Direito da PUC-RIO, sócio de Denis Borges Barbosa Advogados, eleito Diretor Cultural do IAB para o biênio 2012-2014.
Fonte: JGN