Estudo inédito do Ipea e especialistas da USP analisam possíveis monopólios em PDPs, judicialização excessiva e flexibilidades no uso de patentes

O XVI Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID) mostrou em primeira mão, no dia 17 de setembro, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a proteção da propriedade industrial (PI) e as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Os objetivos são entender se existe extensão de monopólio de patentes nas PDPs, como se dá o licenciamento da tecnologia usada nas parcerias e se há disputas administrativas ou judiciais sobre as patentes dos princípios ativos. O tema fez parte do painel “Litigância e concorrência na propriedade intelectual – Disputas legais e seu impacto na inovação”, realizado no Rio de Janeiro.
Graziela Zucoloto, pesquisadora do órgão, apresentou os dados preliminares da pesquisa, que ainda está em andamento. Para investigar as questões, foi realizado um levantamento em bases de dados públicas e privadas, com a ressalva de que ambas apresentaram limitações para fazer as correlações propostas. Foram identificados 57 princípios ativos em 76 PDPs, com 2.741 pedidos de patentes, entre os quais 425 foram concedidos.

“Vimos no estudo que a maioria das patentes nessas parcerias vai expirar a partir de 2025. Então, todas as PDPs atuais terão alguma patente depositada ou concedida valendo até o final do acordo. Isso nos leva a pensar que a PDP não estende o monopólio. Mas isso é pouco para entender quais patentes restringem ou não a concorrência”, sustentou a pesquisadora do Ipea, explicando que o tema precisará ser aprofundado estudando-se cada caso particular.
Para esclarecer o ponto, Zucoloto expôs um exemplo hipotético. Digamos que, entre 2015 e 2025, uma PDP esteja na fase III, que é o período de dez anos no qual o Estado garante a compra do medicamento resultante da parceria. E que uma patente importante envolvida no produto expire em 2018. Isso possivelmente estenderia os efeitos da patente até o final do acordo, em 2025, apesar de a tecnologia ter entrado em domínio público.
Como a maioria das patentes não é de titularidade das empresas envolvidas nas PDPs, observou Graziela Zucoloto, é fundamental compreender os detalhes dos licenciamentos. Porém, nem todos os contratos estão disponíveis para análise.
Por fim, sobre quais patentes tiveram disputas administrativas ou judiciais, o estudo levantou, no mundo, 3.876 disputas ligadas a 56 princípios ativos de 1985 a 2023, sendo o Brasil o terceiro país em número de controvérsias. De 2004 a 2023, o País teve 266 ações relativas a 180 patentes, contabilizando-se de uma a sete ações para cada patente. A insulina recombinante foi o principal alvo das ações por aqui.
Oitenta e cinco por cento do total das disputas foram atos administrativos no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ou na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O objetivo do Ipea, agora, é compreender os cenários antes e depois das PDPs em relação a essas disputas e quais são os atores envolvidos.
Sistema pautado no contencioso
A palestra de Ruy Pereira Camilo Junior, professor de Direito Comercial da USP e titular do Escritório Camilo Advogados, trouxe uma perspectiva interessante sobre o modelo adotado no Brasil na gestão da PI. Segundo ele, o contencioso em propriedade intelectual acabou se tornando elemento-chave para a regulação do setor.
Diferentes alternativas poderiam ter sido adotadas, como um sistema administrativo em que uma agência nacional aplicaria sanções, ou ainda atribuir ao Ministério Público o dever de zelar pelo domínio público. Mas a opção do País foi “delegar aos agentes econômicos”, pela via do contencioso, a função regulatória. Isso porque a fiscalização direta pelo Estado seria custosa, difícil de operar e sujeita ao risco de captura política.

Entre as vantagens desse modelo, o professor citou a atuação descentralizada e o uso do poder econômico para combater a concorrência desleal. “Temos custo privado e benefício público”, resumiu.
Mas Camilo também apontou uma série de problemas. Se não houver um concorrente disposto a encarar a disputa judicial, uma patente indevida não será impugnada. Além disso, surgem situações como o sham litigation (litigância abusiva), o excesso de processos e a atuação de patent trolls (empresas ou indivíduos que obtêm patentes para processar outras empresas por supostas violações e gerar lucro). “É uma desfuncionalidade do sistema por termos montado um esquema pautado no contencioso”, avaliou.
Outro desafio é a imprevisibilidade das decisões. Como se diz, “cada juiz, uma sentença”, o que leva os demandantes a buscarem tribunais de estados brasileiros sem juízos especializados. O professor também destacou a falta de mecanismos de reavaliação e a ausência de feedback das decisões para o magistrado.
Ao tratar dos caminhos possíveis, Camilo elogiou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ações de inconstitucionalidade sobre prazos de patentes, mas defendeu que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assuma com mais firmeza o papel de uniformizar entendimentos e estabelecer parâmetros. Também sugeriu que os juízes evitem atribuir valores de causa baixos e punam com rigor a litigância de má-fé.
Para o professor, é essencial que o Judiciário seja técnico no tratamento dos casos de propriedade intelectual. “A patente não é o 007, não dá direito de matar. Ela precisa ser entendida estritamente dentro do seu escopo de proteção”, concluiu.
Especialização do Judiciário

Com relação às ações judiciais, a moderadora do debate, Lívia Barbosa Maia, sócia do Denis Borges Barbosa Advogados, comentou o baixo conhecimento do Judiciário sobre as PDPs e o tempo que se perde no jogo de liminares, que comprometem a inovação.
Por esse motivo, Ana Gabriela Assafim, do escritório De Lima Assafim e Advogados Associados, defendeu que os tribunais se especializem em matéria de PI e consagrem suas decisões para promover a segurança jurídica.
Indo além do “super direito à exclusão” estabelecido pelas patentes, a advogada abordou os problemas que envolvem outros ativos de PI, em especial as marcas registradas e o chamado trade dress, ou conjunto-imagem (elementos visuais que identificam e diferenciam um produto, serviço ou estabelecimento), este último não amparado na legislação atual.
De um lado, a advogada levantou a preocupação com regramentos que possam confundir ou restringir a concorrência, como o recentemente autorizado registro de expressões de propaganda como marcas. Na visão da especialista, as situações descritas, assim como marcas fracas, com baixa distintividade, podem levar à judicialização, que causa grandes prejuízos ao mercado.
“Quando você tem a tutela antecipada de um sinal (marca) que não vai gerar um impacto efetivo, pode criar um dano absurdo a uma sociedade, às vezes de pequeno porte, podendo até inviabilizar seu funcionamento”, pontuou, recomendando a pesquisa prévia das marcas constantes no banco de dados do INPI para basear o desenvolvimento de uma nova marca que seja bastante diferenciada da concorrência.

Ana Gabriela Assafim mostrou também as interações do direito de PI com o direito regulatório, do consumidor e da concorrência, além das políticas públicas, cujo objetivo é o equilíbrio. “A propriedade privada precisa ser preservada, mas a livre concorrência também”, constatou.
Ela apontou os órgãos que trabalham na proteção aos abusos de direitos: Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Anvisa, Poder Judiciário (em caso de dano), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), quando a ação gera efeito estrutural no mercado.
Flexibilidades em direitos de PI
O professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP) Vitor Ido trouxe ao debate exemplos de flexibilidades em direitos de propriedade intelectual que podem orientar discussões no Brasil.
O professor lembrou que a flexibilização de direitos de propriedade intelectual pelo Estado pode ser usada como instrumento para promover a inovação. Ele mencionou o caso dos Estados Unidos com a Moderna durante a pandemia de COVID-19.

“Além dos investimentos bilionários, um aspecto central foi não só garantir a liberdade de operação para a Moderna, mas a segurança jurídica de que as potenciais patentes de concorrentes não iriam obstaculizar a inovação”, destacou.
No campo das licenças compulsórias, Ido recordou que a mais recente ocorreu na Rússia, há dois anos, sobre a semaglutida, permitindo a produção de genéricos nacionais — decisão reforçada pela Suprema Corte russa em agosto de 2025. Antes disso, em 2017, o Supremo Tribunal Federal da Alemanha havia determinado uma licença compulsória, o que mostra que mesmo os países desenvolvidos recorrem às flexibilidades do sistema de PI para favorecer seus sistemas de saúde nacionais.
O professor da USP levantou ainda pontos de atenção para a indústria farmacêutica, como a discussão que emerge no direito da concorrência: até que ponto a cooperação entre agentes econômicos para alcançar um objetivo, como compras sustentáveis, seria aceitável? Para ele, a questão tem potencial para afetar os acordos de colaboração e de transferência de tecnologia, portanto merece ser monitorada.
Acesse as gravações do XVI SIPID no canal da ABIFINA no YouTube.