Quando estive em delegações brasileiras que acompanharam o ex-presidente Lula a países africanos e asiáticos, duas situações aparentemente antagônicas me chamavam a atenção, embora haja quem me diga que não há nenhum antagonismo naquilo que eu via: tratava-se de ver e reconhecer que as realidades convivem, sem mais delongas.
Naquelas cidades mais desprovidas de infraestrutura, com bairros inteiros acometidos por doenças epidêmicas, sem qualquer sinal de condições sanitárias, a população possuía telefone celular, pelo qual se comunicava, alheia à miséria e à falta de higiene nos lugares públicos e residências. Não havia condições sanitárias, mas o celular estava lá.
Até mesmo quando o avião com empresários, congressistas e funcionários do governo brasileiro esteve impedido de decolar, em um dos países, porque algumas dezenas de cachorros impediam, é bem possível que os funcionários tenham se comunicado por celular, em lugar dos rádios-frequência comuns.
Agora tenho algumas informações do tipo aceite a realidade dispersa e viva com ela, se for possível: metade da população do planeta não tem água potável e vive abaixo das condições sanitárias ideais. Água potável e condições sanitárias são indispensáveis à saúde das pessoas, ao bem-estar, à formação de um ambiente social sem doenças, menos ainda as epidêmicas.
Metade da população não tem água potável nem infraestrutura sanitária rudimentar, mas, avisam as operadoras de telefonia celular: há no mundo 5,8 bilhões de telefones celulares ativos. Somos, ao todo, sete bilhões de pessoas. Isso quer dizer que há, entre nós, no mundo, neste planeta Terra, 1,2 bilhão de pessoas que não têm telefone celular. Não deixa de ser muita gente. Para ter uma ideia, é mais que todo o continente americano.
Mesmo assim, minha pergunta, em primeiro lugar, foi, estes 1,2 bilhão de desassistidos de telefonia celular serão, também, desassistidos de condições sanitárias e de água potável? Estarão fora das grandes iniciativas do Século XX, como levar água potável e condições sanitárias para todos? Estarão fora da grande máquina de aproximar pessoas mesmo que estejam em deslocamento?
Tenho mais de trinta anos no mundo da saúde, das descobertas médicas, do envolvimento com médicos preocupados com o bem-estar das pessoas, no acompanhamento de levar às pessoas saúde pública acessível e eficiente. Da mesma forma, nestes mais de trinta anos trabalhando com saúde, visitei inúmeras cidades, e pude ver que, entre os esforços públicos e os pedidos mais recorrentes, água potável e condições sanitárias sempre estiveram em destaque como política pública e como pedido dos cidadãos.
Agora, trago alguns detalhes brasileiros. Falei dos africanos e asiáticos porque, quando olhamos de dentro do país, temos a sensação de que estamos a anos-luz deles. Nem sempre é assim. Aliás, é bom pensar que não é assim. Nunca me esqueço das palavras de um escritor renomado que diz: no Japão – país que tem a maior poupança interna do mundo – as crianças aprendem que vivem em um país pobre. No Brasil – que não tem poupança e só de um dia desses para cá conseguiu fazer reservas cambiais – as crianças aprendem que vivem em um país rico.
Pois a sétima economia do mundo, de acordo com o atlas de saneamento básico do IBGE, mostra que 47% das casas de todo o Brasil não têm acesso a redes de esgotos sanitários. Se metade da população do mundo não tem saneamento básico, quase metade da população do país vive em condições semelhantes. Das 5.564 cidades do país, 2.495 não contam com nenhum tipo de esgoto sanitário. Mas as desigualdades se mostram nas regiões. Os desafios estão no Nordeste e Norte do Brasil. Nestas regiões, só 29,1% das casas têm acesso no Nordeste, e 3,5% no Norte.
Os analistas, diante deste atlas, consideram que talvez seja impossível universalizar os serviços de esgotos sanitários no Brasil, mas é possível estabelecer metas a partir da taxa de urbanização – 85% da população do país vive nas cidades e a expectativa é que chegue a 93% antes de 2050. Avisam os analistas que as ações públicas nesta área estão aquém dos países desenvolvidos, entre as vinte maiores economias do mundo, e até de países latinoamericanos que têm privilegiado o saneamento básico como forma eficiente de conter doenças, epidemias e diminuir o impacto sobre a saúde pública. Nós continuamos a acreditar que somos grandes, mas nos esquecemos das pequenas coisas que nos farão ser grandes para sempre.
*Josimar Henrique é Presidente da Hebron Farmacêutica – www.hebron.com.br e Diretor Temático de Assuntos Parlamentares da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades – ABIFINA – www.abifina.org.br.
E-mail: [email protected].