Em qualquer parte do mundo, os recursos públicos para as áreas de educação, saúde e ciência e tecnologia são considerados estratégicos. Os seguidos contingenciamentos de recursos orçamentários nessas áreas identificam uma visão míope dos nossos atuais governantes. Por causa disso, nos afastamos cada vez mais do sonho de nos tornamos uma potência mundial, além de adiar a meta de nos tornarmos um país de primeiro mundo.


O corte de aproximadamente R$ 1,5 bilhão no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para 2012, que representa 22% do total de seus recursos orçamentários, vai recair, preponderantemente, nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A receita prevista para este fundo é da ordem de R$ 3,5 bilhões. Considerando-se o contingenciamento de R$ 800 milhões, isso significa uma substancial redução dos recursos disponíveis para apoio governamental a projetos de desenvolvimento tecnológico e inovação.


No ano passado, o governo já havia esterilizado 77,7% da arrecadação do FNDCT, incluindo R$ 935 milhões retidos pelo Tesouro Nacional, via reserva de contingência. Dos restantes R$ 2,6 bilhões arrecadados e repassados à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), gestora do fundo, só foram usados R$ 790 milhões. Quanto à sobra de R$ 1,8 bilhão, ainda não se tem informações sobre a sua destinação.


Uma das consequências da continuada política de cortes e contingenciamentos substanciais de recursos públicos para apoio ao desenvolvimento tecnológico e à inovação é o crescente déficit tecnológico nas relações de troca do Brasil com o resto do mundo, que vem se agravando ano após ano. Em 2006, o déficit que engloba os segmentos tecnológicos de média-alta e alta tecnologias, na balança comercial, mais as contas de serviços tecnológicos, foi de US$ 21 bilhões. Esse número saltou para R$ 63,7 bilhões em 2008, e depois para US$ 85 bilhões em 2010.


No ano passado, o déficit tecnológico agravou-se, alcançando o patamar de US$ 105,4 bilhões. Uma evolução assustadora, refletindo a falta de políticas públicas adequadas, especialmente por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Esse último número corresponde a 4,2% do PIB brasileiro, para 2011. Ele também é muito impactante porque apenas 55 países, de uma lista de 190 segundo o Banco Mundial, têm PIB superior àquele montante.


Especialistas têm afirmado que a falta de inovação tecnológica é um dos maiores problemas da economia brasileira. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento, no Brasil, foram de apenas de 1,19% sobre o PIB em 2009. A meta do governo de elevar o índice para 1,8% até 2013 é inatingível pela falta de recursos para apoiar adequadamente os programas de inovação. E mesmo que a meta pudesse ser atingida, o Brasil ficaria ainda longe do patamar de muitos países, como a Alemanha, que registrou 2,86%, e do Japão, com 3,45%, em 2009.


A questão do contingenciamento de recursos orçamentários, vista por outro ângulo, é mais inusitada ainda. Ela tem por base a formação do chamado superávit primário. Na prática, esse procedimento significa a retirada de recursos orçamentários de diversos órgãos do governo federal (unidades orçamentárias), para permitir o pagamento dos juros da dívida pública federal. Trata-se de uma medida absurda, pois significa desprivilegiar áreas vitais para o futuro do País, com o corte de recursos do FNDCT. É necessário ficar claro que este fundo não tem natureza tributária. Sua receita tem por base os recolhimentos via contribuições compulsórias do setor privado, reunidas nos chamados fundos setoriais e, pela lei, deve ter destino específico e – até agora teoricamente – obrigatório: a inovação tecnológica na indústria.


Algumas semanas atrás, a imprensa de todo o mundo noticiou a exasperação e o constrangimento dos italianos em ver seu país pagar juros numa faixa próxima a 6% ao ano sobre os títulos da dívida soberana, com prazo de 10 anos. Qual, então, seria a avaliação da gestão das autoridades fazendárias brasileiras, que, num país que tem uma economia muito menos abalada pela crise mundial, estão dispostas a pagar 9,75% ao ano de juros para os títulos nacionais, com prazo médio de 3,2 anos? Essa situação vai provocar uma drenagem de R$ 200 bilhões das contas públicas para pagar o serviço da dívida interna pública do País em 2011.


Imaginemos os efeitos de um reforço de 200% nas dotações de investimentos do orçamento federal para 2012 (R$ 50 bilhões), se o país reduzisse de R$ 200 bilhões para R$ 100 bilhões por ano o volume de juros sobre a dívida pública. A contínua carência de recursos para investimentos, por parte do Governo Federal, estaria resolvida.


Carência não só em ciência, tecnologia e inovação, mas, também, na saúde e em todos os níveis da educação, sem falar na infraestrutura: rodovias, ferrovias, aeroportos e portos. Também não ficariam de fora dos investimentos os projetos de melhoria da qualidade de vida nas cidades, como os programas de casas populares, saneamento básico, urbanização de favelas e mobilidade urbana. R$ 100 bilhões adicionais para gastos em investimento no orçamento federal garantiria à economia brasileira alcançar uma taxa de investimentos de 22% do PIB, patamar que permitiria ao país crescer a um ritmo mais acelerado, próximo a 4,5%, em 2013. Resumindo, seria uma verdadeira revolução na economia brasileira.



Fernando Varella, economista, é consultor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (PROTEC) e da Rede de Entidades Tecnológicas Setoriais (Rets)


(Fonte: Notícias Protec – 12/03/2012)

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