Tarefa cumprida, mas muito trabalho pela frente. Essa é a síntese da situação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após 20 anos de funcionamento a pleno vapor. Para marcar a data, FACTO convidou figuras importantes para dar seu depoimento sobre a Agência criada pela lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Na pauta, recordar as conquistas, relembrar as dificuldades superadas e olhar para o futuro.
O aniversário da Agência foi comemorado no fim de janeiro com a presença do diretor de Relações Institucionais da ABIFINA, Odilon Costa.
O diretor-presidente William Dib destaca que a proteção da saúde é a maior contribuição da Anvisa em duas décadas. Dib é responsável pela Primeira Diretoria, que abriga as áreas de Tecnologia da Informação, Gestão de Pessoas, Serviços de Saúde, Conhecimento, Administração Financeira e Células Tecidos. Estão também sob sua supervisão as assessorias vinculadas ao Gabinete da Presidência como as áreas de Planejamento, Comunicação e Segurança Institucional.
A diretora Alessandra Bastos Soares, responsável pela Segunda Diretoria, os diretores Renato Alencar Porto, da Terceira Diretoria, e Fernando Mendes Garcia Neto, da Quarta Diretoria, contam sobre sua experiência e alguns desafios.
A Segunda Diretoria abriga as áreas técnicas de Alimentos e Produtos Biológicos. A Terceira Diretoria reúne as áreas de Regulamentação e Boas Práticas Regulatórias, Toxicologia, Tabaco, Produtos para a Saúde e Produtos de Higiene Pessoal e Saneantes.
A Quarta Diretoria, sob gestão do diretor Fernando Mendes Garcia Neto, tem sob sua supervisão as áreas técnicas de Inspeção e Fiscalização Sanitária, Laboratórios de Saúde Pública, Análise e Julgamento de Infração Sanitária.
Na pauta, recordar as conquistas, relembrar as dificuldades superadas e olhar para o futuro
No momento, até que seja nomeado o ocupante da quinta vaga da Diretoria Colegiada da Anvisa, o diretor-presidente, William Dib, é responsável também pela Quinta Diretoria, na qual se encontram as áreas de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, e o monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária.
MOMENTO DE REFLEXÃO
A data comemorativa foi, para muitos, uma oportunidade para refletir. Gonzalo Vecina Neto, primeiro diretor-presidente da Anvisa, que exerceu o cargo entre abril de 1999 e fevereiro de 2003, ressalta o que há para celebrar vinte anos depois. O professor da Faculdade de Saúde Pública (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) rememora a conjuntura que garantiu a criação do órgão. Maria Cecília Martins Brito, diretora entre 2006 e 2012, por sua vez, recorda os desafios no diálogo com a rede de estados e municípios que fazem parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
Vecina Neto lembra que assuntos que hoje são dados como óbvios ou indiscutíveis, há 20 anos eram apenas ideias. “Como exemplo, cito a inspeção da indústria. Hoje falamos disso com naturalidade. Já em 1999, a inspeção era um projeto acanhado chamado Programa Nacional de Inspeção da Indústria Farmacêutica e Farmoquímica (PNIFF) que, embora muito bem proposto, não conseguia andar”, recorda o professor da USP e da FGV.
Criado na sequência da aprovação da Constituição de 1988, o órgão atendeu a um anseio popular por mais segurança no consumo de produtos e serviços e é ferramenta indispensável para o Sistema Único de Saúde (SUS). Sua missão é promover e proteger a saúde da população, assegurando o controle da produção e do uso de todos os produtos e serviços que possam afetá-la. Portanto, trata não apenas de medicamentos e outros produtos médicos e serviços de saúde, mas também de alimentos, cosméticos, saneantes, derivados de tabaco, agrotóxicos, sangue e hemoderivados.
“Aniversários são datas propícias à reflexão sobre o tempo passado, os desafios enfrentados, os êxitos a serem preservados e os obstáculos a serem ainda transpostos. É sempre útil recordar que a Constituição de 1988, generosa e visionária, deu voz ao Sistema Único de Saúde, que assegura acesso integral dos brasileiros à saúde pública, elevada ao patamar de dever do Estado e direito de todo e qualquer cidadão. A meta é de uma nobreza sem par. Alcançá-la num país com as características geográficas, históricas, econômicas e sociais do Brasil tem sido uma tarefa gigantesca, árdua, mas sempre muito estimulante”, pontua William Dib.
Para atingir o objetivo, foi necessário criar uma estrutura inédita. Os servidores dos postos em Portos, Aeroportos e Fronteiras (PAFs) e os Vigilantes Sanitários de todo o País tiveram papel fundamental e pioneiro nessa construção, menciona Alessandra Bastos.
“Conhecedores das realidades distintas desses muitos ‘Brasis’ que formam nosso País, esses servidores contribuíram ricamente para a implementação das boas práticas que pudessem garantir a essência da competência da Agência: garantir aos cidadãos o acesso a produtos com qualidade, segurança e eficácia”, elogia ela.
“É sempre útil recordar que a Constituição de 1988, generosa e visionária, deu voz ao Sistema Único de Saúde, que assegura acesso integral dos brasileiros à saúde pública, elevada ao patamar de dever do Estado e direito de todo e qualquer cidadão” – William Dib, Diretor – presidente
SERVIDORES DEDICADOS
Desde sempre, os servidores são o alicerce que garante o trabalho bem feito e a eficiência da Anvisa. “O comprometimento dos servidores, a qualidade de suas entregas, o alto nível alcançado nas melhores práticas regulatórias têm permitido que seus gestores promovam a aproximação com os setores de produção, logística e serviços em discussões ricas e positivas, em um ambiente eticamente seguro para que as normas se tornem cada vez mais claras e factíveis”, explica a diretora. “Temos uma equipe competente e entusiasmada. Não falta vontade de acertar e empenho para trabalhar em prol da construção do bem-estar da população brasileira. Uma construção que não tem fim, pois contribuir para a prosperidade do País e melhorar a saúde dos brasileiros são tarefas permanentes que nos emocionam a cada dia”, concorda Dib.
A diretora Alessandra Bastos destaca o desafio constante que é acompanhar a dinâmica da ciência aplicada em novos produtos e serviços, compreender as novas possibilidades na garantia da segurança e eficácia dos tratamentos disponíveis. Para Bastos, todo esse desafio não embaraça o corpo de trabalho. “Ao contrário, instiga esses servidores a buscarem ampliar seus conhecimentos”.
Essa capacidade técnica e qualificação do corpo técnico aliados à transparência é o que gera a necessária legitimidade ao exercício do poder de regular, acredita o diretor Renato Porto. “Hoje a Anvisa é uma Agência reguladora reconhecida graças a um corpo técnico extremamente qualificado, que desempenha suas funções em busca de altos níveis de eficiência e produtividade. Certamente, os próximos anos serão de muito mais trabalho e de muito mais resultados”.
“Hoje a Anvisa é reconhecida graças a um corpo técnico extremamente qualificado, que desempenha suas funções em busca de altos níveis de eficiência e produtividade” – Renato Porto, Diretor
ALIADA DO DESENVOLVIMENTO
Outro lado relevante é a influência econômica do órgão. “Cuidar de cerca de 24% do PIB de um país de dimensões continentais como nosso Brasil nunca foi tarefa para calouros. Passados 20 anos, assistimos com orgulho o desenvolvimento crescente da Agência”, diz Bastos.
O desafio de atuar como ente regulador e preservar a atividade econômica é apontado pelo diretor Fernando Mendes Neto. “A nós cabe continuamente contrapesar o desenvolvimento econômico e a proteção da sociedade. Obrigamo- nos a afiançar à população a segurança e a eficácia de produtos e serviços disponibilizados, sem que nossos métodos e procedimentos de controle sejam estorvadores da produção desses produtos e serviços. A regulação não deve se contrapor ao desenvolvimento econômico. Ao contrário, deve ser uma aliada”, sintetiza.
“Apesar da crise econômica, todo o setor regulado cresceu continuamente em ritmo superior a dois dígitos e sem registro de desemprego. Todos os dias trabalhamos para garantir o desenvolvimento por meio da convergência e segurança regulatória. Queremos continuar sendo uma alavanca da prosperidade, atuando de forma ágil e transparente”, reitera o diretor – presidente, William Dib.
“Gerir normas garantidoras para uma fatia significante das indústrias e empresas nacionais e internacionais (ativas em território nacional) demanda muito foco e empenho da Diretoria Colegiada. O País atravessou desafios importantes na política, economia e outros âmbitos. A instituição foi demandada diversas vezes em discussões de políticas de saúde internas e externas acerca de suas decisões de impacto e, mesmo sendo uma Agência com expertise regulatória em amadurecimento, a Anvisa nunca faltou com seu dever, posicionando-se de maneira firme e responsável, reconhecendo acertos e erros e dispondo-se a reavaliações constantes”, assegura Bastos.
O impacto do aprimoramento da regulação também pode ser percebido no aumento da oferta de produtos para a saúde. Somente em 2018 foram aprovados 5.780 produtos, uma regularização de quase 16 produtos por dia. Esse número representou um crescimento de 11,4% em apenas três anos, de 2016 a 2018.
A mesma lei que criou a Anvisa estabeleceu também o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) a ser coordenado por ela com a meta de proteger a saúde da população. O Sistema exige uma convivência harmoniosa com as Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais e todo o complexo SUS, reconhecendo suas contribuições e respeitando as limitações peculiares de cada região. “Esse trabalho complexo e intenso teve imensa relevância para a atuação sanitária no País nestes 20 anos”, reconhece Renato Porto.
A atuação no controle do fluxo nos portos, aeroportos e fronteiras em assuntos afetos à vigilância sanitária é outro destaque. “A fiscalização das fronteiras brasileiras tem como foco evitar a propagação de doenças no território nacional. Muitos reconhecem nesta atuação a atividade mais antiga da vigilância sanitária e de imensa relevância em um mundo globalizado”, diz ele.
FORA DO BRASIL
Parte da relevância da Anvisa se expressa no lugar conquistado entre órgãos de vigilância sanitária muito mais antigos em âmbito internacional. Esse reconhecimento, alinhado ao seu relevo nacional, significa respeito e oportunidades de negócios para o Brasil. O órgão, reforça Fernando Mendes, atua em convergência de regulação com as autoridades regulatórias mais influentes do mundo, com participação efetiva em entidades internacionais de maior importância, tais como Conselho Internacional de Harmonização (ICH), Fórum Internacional dos Reguladores de Medicamentos (IPRF), Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras. “Não foi difícil entender que essa posição de vanguarda operativa decorreu da alta qualificação técnica e visível comprometimento institucional dos servidores da Anvisa, aos quais rendo sempre minhas homenagens”, pondera o diretor.
“Cabe sublinhar ainda que a Anvisa mantém um diálogo construtivo e permanente com o Itamaraty a fim de assegurar que os reais interesses brasileiros sejam defendidos com eficiência nos organismos internacionais e em outros foros com atuação vinculada à vigilância sanitária”, conta William Dib.
Tratados e acordos internacionais assinados pela Agência alinhando-se aos entendimentos dos países de status regulatório sólido também reforçam essa boa imagem no exterior. “A Anvisa é reconhecida internacionalmente por seu comprometimento e avanço na implementação de práticas mundialmente adotadas, promovendo a convergência regulatória que garantirá a melhoria no acesso a novas drogas, processos e métodos de tratamento difundidos em outros sistemas de saúde. Somos hoje referência na América Latina, despontando como principal ator no cenário regulatório de nossa região. Com a Anvisa, o Brasil está em posição de igualdade com grandes potências do mundo”, celebra Alessandra Bastos.
A fim de aperfeiçoar constantemente a eficiência, agilidade e transparência na sistemática de regulação dos produtos e serviços sujeitos a vigilância sanitária, Fernando Mendes destaca o trabalho da Agência no incentivo contínuo às cooperações técnicas com autoridades sanitárias de outros países; a pré-qualificação de vacinas pela OMS e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS); o reconhecimento pela União Europeia da equivalência nos controles de insumos farmacêuticos; o desenvolvimento de uma abordagem global para auditar e monitorar a fabricação de produtos para saúde com a adoção do Programa de Auditoria Única em Produtos para a Saúde (MDSAP); a alteração do modelo de delegação da verificação de Boas Práticas de Fabricação, usando o critério de qualificação e performance dos estados e municípios; a simplificação e a revisão do modelo de autorização de funcionamento de farmácias e drogarias; e a proposta de reorganização da Rede de Laboratórios de Saúde Pública, com o estabelecimento de subredes orientadas pela capacidade analítica, incluindo o credenciamento de laboratórios privados de forma a aumentar a capacidade e melhorar o controle e o monitoramento pós-mercado.
Além disso, vale lembrar que a Anvisa ainda contribuiu para consolidar a política nacional dos genéricos e similares, que hoje ocupam 65% do mercado farmacêutico brasileiro. Sua entrada no mercado fez cair o preço de medicamentos e ajudou a ampliar o acesso da população a fármacos seguros e eficazes, que custam, no mínimo, 35% menos do que os de referência.
PRESENTE NO DIA A DIA DE TODOS
“Precisamos mostrar aos brasileiros que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária está presente em praticamente todos os momentos do seu cotidiano. A água que bebemos. A produção agrícola. A fabricação de quase tudo o que comemos. A segurança dos medicamentos que nos são receitados. Os procedimentos médicos a que nos submetemos. E a qualidade dos cosméticos que nossa família usa. Tudo isso é a matéria-prima diária do trabalho dos técnicos e demais funcionários da Anvisa”, sublinha Dib. “Todas essas atividades são monitoradas pela Agência para que todos os contribuintes, sem distinção de etnia, religião, opção política ou situação econômica, possam se beneficiar dos padrões adequados de qualidade assegurados pela lei brasileira”.
Essa intenção de se aproximar do público é uma nota recorrente na percepção dos diretores e mostra afinação. Renato Porto destaca que “a regulação sanitária está perto de todos, desde um alimento simples a um medicamento complexo, passando por cosméticos, saneantes e produtos para a saúde. Nossas atividades de normatização e fiscalização ditam o ritmo de importantes mudanças no mercado de produtos sujeitos à regulação”, afirma ele, citando um elemento importante da atuação da Anvisa: a possibilidade de definir padrões e garantir que o consumo se dê dentro dos limites garantidos pela lei.
Para Porto, houve um salto de qualidade nas últimas duas décadas graças às rigorosas exigências para o registro de diversos produtos, o que revela a influência da Agência. “Nesse período, a indústria nacional também evoluiu e o Brasil conta hoje com plantas fabris altamente modernas, nos mesmos moldes das existentes em países como Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Japão”, reforça.
Para se comunicar com os usuários e disseminar informações para a saúde, a comunicação é outra das prioridades. “A população nos desafia a intensificar o relacionamento direto, investindo na modernização de nossos canais de comunicação. Esse desafio passa pela importante interlocução com os poderes Judiciário e Legislativo e pela comunicação digital”.
Ele acredita que uma percepção positiva do usuário do sistema de Vigilância Sanitária pode transformá-lo em um forte aliado. Demonstrar todas as áreas em que a Anvisa atua para garantir a proteção dos brasileiros é o objetivo do reforço nessa comunicação que visa ainda ouvir o cidadão brasileiro, conhecer suas demandas e dialogar com ele.
Com esse intuito, o diretor relembrou o aperfeiçoamento dos serviços da Ouvidoria, a melhora no serviço de atendimento e a ampliação do alcance e do diálogo pelas redes sociais. “De 2016 até hoje, tivemos a participação de 24.672 pessoas em consultas públicas. Já em 2018 atendemos mais de 400 mil protocolos que solicitaram informações”, compara ele, ressaltando a expansão do acesso à Anvisa e a informações para a proteção da saúde.
PRÓXIMOS PASSOS
Uma das prioridades da Anvisa é estabelecer novos marcos regulatórios e fortalecer o pós-registro dos bens e produtos, para trazer mais segurança à população.
Fernando Mendes relaciona algumas metas. “Almejamos ajustar nossos processos de controle e regulação com vistas ao nosso aceite como membro da Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S), em benefício de toda a indústria de medicamentos; atualizar nossos procedimentos em relação ao sistema de qualidade; melhorar os instrumentos de avaliação para gerenciamento de riscos; e revisar o modelo de autorização de funcionamento das demais empresas”, descreve.
Para ele, a Anvisa age em busca da otimização dos processos de regulação e fiscalização para, em parceria com o setor regulado, conformar um ambiente fabril no qual a sistemática produtiva seja eficiente e economicamente viável, sem oferecer riscos à saúde de nossa população.
Já o diretor-presidente do órgão destaca que será necessário talento, organização e empenho para superar obstáculos. “É urgente estabelecer a regulamentação de novas tecnologias para todas as áreas de saúde. A inovação é cada vez mais rápida. Fortalecer o pós-registro dos bens e produtos, dar maior celeridade no processo de registro sem perder o foco no adequado e proporcional controle do risco sanitário é obrigatório”.
“A Anvisa age em busca da otimização dos processos de regulação e fiscalização para, em parceria com o setor regulado, conformar um ambiente fabril no qual a sistemática produtiva seja eficiente e economicamente viável, sem oferecer riscos à saúde de nossa população” – Fernando Mendes,Diretor
GONZALO VECINA NETO – Primeiro diretor-presidente da Anvisa, de 1999 a 2003
Às vezes brinco que a Anvisa é resultado de um alinhamento planetário previsto por Nostradamus. Mas a verdade é que fundação do órgão foi fruto de uma importante demanda de diversos setores econômicos e sociais, que demandavam uma estrutura na área da Saúde que pudesse dar melhores respostas ao risco de adoecer por consumir ou produzir produtos fundamentais para a vida como medicamentos, produtos para a saúde, alimentos, cosméticos, agrotóxicos, sangue e hemoderivados. E ainda para regular o funcionamento dos serviços de saúde, a propaganda comercial desses produtos, a entrada e saída deles e de pessoas no País e também, mais recentemente, para regular produtos fumígenos e até participar do controle de preços de medicamentos e da anuência de patentes.
A Anvisa nasceu na década de noventa, que foi muito transformadora para o País e foi a década em que o Brasil começou a implantar a Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã. O País se democratizou e se abriu para o processo de globalização (ainda que aos trancos e barrancos). Com a implementação do Plano Real, acabou com o imposto inflacionário e estabilizou a economia.
Muitas propostas da Constituição ganharam leis complementares nessa época. Além delas, também foi promulgada uma reforma administrativa que, entre outras providências, tornou possível transferir para a iniciativa privada de atividades, com o controle das agências reguladoras, atividades realizadas até então só pelo Estado.
Essas realizações exigiram uma estrutura sanitária que permitisse o acesso a produtos mais seguros e eficazes e também regulasse de maneira mais harmônica o funcionamento e competição econômica tanto no mercado interno quanto externo. O Brasil necessitava se recompor perante um mundo que se articulava para permitir um fluxo maior de bens e serviços exatamente quando o País saía de uma noite de 30 anos, tempo em que se fechou para as outras economias. Nessa sombra, muito havia a ser revisto e iluminado.
Uma nova agenda regulatória que fosse contemporânea na área de vigilância sanitária era necessária. E, como fruto dos esforços de muitas forças da sociedade e da vontade política dos gestores públicos, em particular da figura do ministro da Saúde na ocasião, José Serra, foi possível criar a Anvisa.
Nestes 20 anos, a agência teve muitas realizações e não irei listá-las. Elas fazem parte da história. Também ocorreram fracassos e estes são, em grande medida, resultado da perda da capacidade da agência de dialogar com a sociedade e de se manter distante das negociatas políticas.
O que esperar do futuro? Hoje a agência já é a única fora dos países do primeiro mundo a ser reconhecida globalmente. Isso é muito bom para a saúde dos brasileiros e para o potencial econômico do País. Mas há muito a ser feito em termos de conseguir gerenciar melhor e menos burocraticamente o risco sanitário, apoiar o desenvolvimento científico na área dos medicamentos e produtos para saúde e construir um ambiente econômico melhor para o desenvolvimento industrial e comercial do Brasil e de suas relações com o mundo.
Tudo isso é vital para conseguir construir um País mais justo e civilizado e, com certeza, a Anvisa tem uma importante contribuição a dar nessa construção. Temos que estar vigilantes e cobrar dos governos que a ação do Estado esteja voltada para esses objetivos. Parabéns, sociedade brasileira pelos 20 anos da Anvisa!
“O que esperar do futuro? Hoje a agência já é a única fora dos países do primeiro mundo a ser reconhecida globalmente. Isso é muito bom para a saúde dos brasileiros e para o potencial econômico do País”
MARIA CECÍLIA MARTINS BRITO – Diretora de 2006 a 2012
Em 2006, assumi a responsabilidade de fortalecer o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) como diretora da Anvisa. Coordenar esta extensa e complexa rede, composta de estados e municípios, cujos representantes não têm o sentimento de serem coordenados pela Anvisa, foi desafio constante durante os seis anos em que estive na Diretoria. Entre os Macroprocessos de Trabalho, este é o que menos desperta interesse tanto da alta gestão quanto da maioria do pessoal da agência.
O incremento de mais de 60% no repasse de recursos financeiros aos estados e municípios foi a grande conquista na época e viabilizou as ações de Vigilância Sanitária.
Outra conquista a ser lembrada foi a criação do repasse financeiro sistemático para os Laboratórios de Controle de Qualidade em Saúde Pública e do projeto Monitora Alimentos.
A inserção da Vigilância Sanitária no Grupo de Trabalho da Vigilância em Saúde da Comissão Tripartite com o Ministério da Saúde, a elaboração da Agenda Prioritária de Pesquisa em conjunto com o Ministério, a promoção da Especialização em Vigilância Sanitária para 300 trabalhadores de todas as instâncias e, finalmente, a 5ª Edição da Farmacopeia Brasileira, foram oportunidades de honrar o esforço feito por diversas pessoas que acreditaram e contribuíram para que eu ali estivesse.
Pensar na Anvisa do futuro me remete ao marco regulatório de criação da agência: é preciso avançar muito em termos de intervenção do SNVS para atuar de forma compartilhada e eficaz nos riscos decorrentes de produção, distribuição, comercialização e prestação de serviços em todo território nacional.
Existe uma Vigilância Sanitária instituída em cada estado e município do País que é capaz de lidar com problemas sanitários complexos. Algumas dispõem de grande conhecimento que poderia ser utilizado pela Anvisa como colaboração e outras têm dificuldades que poderiam ser mais bem supridas pela agência.
Penso no futuro da Anvisa considerando as necessidades do sistema de saúde. É necessária uma política que defina diretrizes para a produção e registro de medicamentos e produtos para saúde, incluindo os insumos: a) que contemple a industrialização de medicamentos essenciais; b) que garanta o acesso; c) que regulamente a descontinuidade da produção e, que cuide das drogas órfãs no País.
Entendo que são necessários esforços adicionais para o cumprimento da missão da Anvisa: a disposição de participar dos momentos de discussão do SUS, a comunicação à população de risco em saúde e a ampliação do monitoramento pós mercado para além da fármaco, tecno e hemovigilância, proximidade com as universidades para produção de pesquisas e o trabalho integrado com a Vigilância Epidemiológica no que diz respeito aos riscos.
A Anvisa é uma jovem instituição e a sua longevidade, tão desejada por todos nós, deve ser consolidada mediante a sua capacidade de adaptação às necessidades reais e permanentes da sociedade.
“Pensar na Anvisa do futuro me remete ao marco regulatório de criação da agência: é preciso avançar muito em termos de intervenção do SNVS para atuar de forma compartilhada e eficaz nos riscos decorrentes de produção, distribuição, comercialização e prestação de serviços em todo território nacional”
OUTRAS AÇÕES DA ANVISA
- Sistema de notificação de eventos adversos;
- Regras de boas práticas de fabricação para diversos segmentos;
- Sistema Nacional de Informação para o controle de Infecção em Serviços de Saúde;
- Redes de Serviços Sentinelas, de Monitoramento da Resistência Microbiana e de Investigação de Surtos em Serviços de Saúde (RENISS);
- Regulação do comércio de antibióticos (receituário de controle especial);
- Regulamentação de Banco de Tecidos Oculares;
- Redução do consumo excessivo de sal;
- Segurança sanitária em navios de cruzeiro;
- Ampliação do acesso de pacientes aos serviços de hemodiálise;
- Estabelecimento de restrições de aditivos de tabaco;
- Monitoramento do risco em sangue, outros tecidos, células e órgãos.