Por Jorge Arbache

Ontem foi um dia histórico para as relações econômicas internacionais. Depois de anos de discussão, muitas idas-e-vindas nos bastidores, incluindo ameaças de bloqueio por parte dos congressistas democratas e republicanos, os negociadores dos Estados Unidos e outros 11 países que compõem a Trans-Pacific Partnership (TPP) superam controvérsias em torno de temas técnicos que pareciam instransponíveis e selaram o maior acordo comercial das últimas décadas. A TPP será agora submetida aos parlamentos dos respectivos países membros para eventual ratificação.

A relevância da TPP pode ser medida pela significativa fatia de 40% do PIB global das economias envolvidas. Mas também tem a ver com outras dimensões. Uma delas está associada a aspectos geopolíticos. Estados Unidos e Japão querem, com a TPP, conter a crescente influência econômica da China na região do Pacífico e mesmo na América Latina. Como a China não é membro do acordo, espera-se que os laços que unirão as economias do bloco venham a, no mínimo, alterar o ritmo com que a China atrai países membros como Vietnã e Malásia para participar de suas cadeias de valor, e a Austrália, pelas vias das compras e investimentos em commodities.

Outra dimensão está associada a aspectos de política interna. Para o presidente Barack Obama, o TPP será seu principal legado na área do comércio e do investimento. Já para o primeiro ministro Shinzo Abe, a TPP será instrumento fundamental para a recuperação da economia e para o intricado xadrez político das relações entre o Japão e a China.

Os serviços já representam 54% do comércio global e estima-se que essa fatia subirá a 75% até 2025.

Uma terceira dimensão, e talvez a mais importante, tem a ver com o estabelecimento de novos padrões para o comércio mundial. O virtual colapso da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio precipitou e estimulou arranjos em nível plurilateral no âmbito dos quais se busca definir novos padrões comerciais. No caso da TPP, tarifas são um detalhe, posto que as barreiras tarifárias entre os países envolvidos já são bastante baixas. A grande novidade está associada a temas como serviços, propriedade intelectual, mecanismos de soluções de controvérsias, compras governamentais, investimentos, mercado de trabalho, meio ambiente, empresas estatais e competição.

As mudanças propostas são significativas e sem precedentes e terão grandes implicações para os países envolvidos e para os não envolvidos.

Considere o caso dos serviços que, juntamente com propriedade intelectual, foram os principais itens da agenda americana no acordo. Para o maior exportador mundial de serviços, os Estados Unidos, a liberalização do setor promete trazer grandes benefícios para o crescimento e para a criação de empregos. As novas tecnologias de produção e de organização da produção, as mudanças nos padrões de consumo e as mudanças tecnológicas que estão permitindo que serviços possam ser produzidos e comercializados em nível cada vez mais global, como se foram bens, estão fazendo com que os serviços venham a ser a principal fonte de criação de valor.

De fato, quando calculado em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, mas estima-se que eles responderão por nada menos que 75% até 2025. Mesmo áreas que eram consideradas próprias de comercialização em nível local, como comércio de bens de consumo, serviços de táxi, saúde e educação, já começam a se tornar parte do dia a dia das pessoas – pense no e-commerce, no Uber e nas aulas e atendimentos médicos on-line providos a partir do exterior.

Considere, agora, a propriedade intelectual. Embora não se conheça em detalhes os termos da TPP em razão do caráter secreto das suas negociações, sabe-se que os termos negociados nessa disciplina foram particularmente restritivos para atender aos interesses de grandes corporações, notadamente da área farmacêutica. A despeito da crescente evidência empírica de que legislações ultraprotecionistas de propriedade intelectual têm efeitos negativos para a competição e para a expansão do conhecimento e das inovações, e a despeito das fortes oposições de vários países aos termos de propriedade intelectual propostos pelos americanos, ao que parece os interesses de lobbies bem organizados prevaleceram no acordo.

Na medida em que a TPP envolve duas das maiores economias do mundo e partiu na frente de outros acordos plurilaterais ora em discussão, é provável que os termos ali definidos venham a influenciar as discussões e parâmetros de outros acordos que estão na mesa. A participação de novos membros será por adesão aos termos já negociados e vários países já expressaram intenção de se juntar no futuro próximo ao bloco, como é o caso da Coreia do Sul. Logo, a TPP deverá, no mínimo, inspirar o padrão de comércio mundial, notadamente nas áreas que mais caracterizam o século XXI, como serviços, propriedade intelectual e conhecimento.

Muitos exercícios foram feitos com vistas a se estimar os potenciais impactos econômicos da TPP para os seus membros. Via de regra, encontrou-se que haverá crescimento econômico e ganhos de comércio. No entanto, não é um exagero dizer que os efeitos da TPP são, grosso modo, ainda desconhecidos, em razão do caráter menos dominado pelos economistas da dinâmica e implicações da liberalização de serviços para as economias. Entramos, por isto, num novo capítulo da globalização. Até mesmo os europeus, que ora negociam com os Estados Unidos um acordo plurilateral, o “Transatlantic Trade and Investment Partnership”, já demonstram apreensão quanto aos efeitos da liberalização de serviços para as suas economias.

Tampouco sabemos bem quais serão os efeitos potenciais dessa nova fase do comércio para países como o Brasil, que são pouco competitivos em bens, serviços e em propriedade intelectual. É muito provável que a TPP venha a ser mais um desafio para as nossas pretensões de voltar e de nos inserir pela porta da frente na economia global.

Jorge Arbache é professor de Economia da UnB. E-mail: [email protected].

Fonte: Valor Econômico | 06/10/15

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