Josimar Henrique*
Não se pode dizer que a indústria farmacêutica nacional não seja contemplada com alguma lembrança do Estado, tampouco que um de seus pilares de pesquisa, a biotecnologia, não esteja entre as tecnologias consideradas de segurança pelo País, mas, se no papel representa um reconhecimento histórico, na prática, os canais de incentivo e de apoio financeiro permanecem fechados ou empenhados em não destacar qualquer deferência.
Há um grande empecilho burocrático – mais rigoroso que em sociedades complexas e monitoradas, como a europeia e a americana – impedindo que o resultado de pesquisas brasileiras saia do papel e se transforme em medicamentos.
Sufocadas pela espera, e sem recursos, as indústrias nacionais se desmontam, repassando seus ativos e esperanças a corporações internacionais.
Como exemplo, cito a compra pela Pfizer, maior conglomerado farmacêutico mundial de capital norte-americano, que no ano passado comprou a goiana Teuto, produtora de genéricos.
Quando uma empresa de projeção internacional vem a um país e compra uma das empresas nacionais, o que deve ser comemorado? Em um país como o Brasil, nada.
Talvez um país menor orgulhe-se de atrair para seu território empresas maiores que aparentemente prometem trazer melhorias para a qualidade dos produtos, além de mais tecnologia.
Talvez a compra também faça parte de uma estratégia de desmonte da indústria nacional e de anular tecnologias conflituosas, ou simplesmente tenha sido realizada para que essa empresa ocupe espaço em menor espaço de tempo. Mas, em se tratando de uma indústria farmacêutica, sabe-se que o País perde autonomia, pois é comum os Estados tratarem indústrias desse tipo como um fator decisivo na composição da soberania nacional.
Entende-se aqui por soberania nacional os aspectos econômicos, claro, mas também os aspectos tecnológicos e de bem-estar dos cidadãos. O Brasil não vê, mas encontra-se em processo de desmonte sua indústria farmacêutica nacional (para não falar da indústria como um todo). E, com ela, está perdendo também um pedaço da soberania e da autonomia do país.
Converso quase todos os dias com pesquisadores do campo da farmacologia e compartilho com eles a ansiedade diante dos resultados e descobertas. É sempre difícil explicar por que a indústria farmacêutica nacional não consegue investir em pesquisa e na produção de novos medicamentos e fármacos.
Com o tempo, percebe-se que algumas informações se repetem como discurso, justamente porque nunca conseguiram sair da teoria.
Estabeleceu-se dizer que essa resistência é histórica e que não há pesquisa nem produção porque simplesmente a indústria farmacêutica nacional não quer. Antes fosse assim.
Conheço diversos estudos que apontam a carga tributária brasileira como o principal fator de inibição de pesquisa, desenvolvimento e inovação no País. E não ,seria estranho, nem fora de série, se a isso se somasse a impossibilidade de criar bases competitivas internacionais.
Por exemplo: nem mesmo começamos um trabalho contínuo e profícuo com os biotecnológicos nacionais, e os desafios aí implícitos para assistência e proteção à saúde, e o mundo já considera como realidade prática, em processo de pesquisa avançada, os patógenos sintéticos em laboratórios. Quem quer que seja pesquisador na área de fármacos no Brasil sabe avaliar o que é sentir-se à margem, por fora e correndo atrás de uma atualização que nunca parece precisa.
Isso pode ter um fim. Nos próximos anos, há espaço suficiente para uma agenda diferenciada para o setor farmacêutico nacional.
Houve sinais oportunos de que a questão farmacêutica não ficará em palavras de ordem, nem se bastará em uma política de distribuição de medicamentos genéricos.
Para que o desmonte da indústria farmacêutica nacional não persista, e o setor possa interagir com pesquisadores nacionais e criar um campo de excelência e interação com resultados práticos, o governo a partir do próximo ano deve apoiar a estabilidade do setor.
Somente com subsídios, fomentos e incentivos financeiros e fiscais focados e colados a um programa de pesquisa fortaleceremos a cadeia produtiva de fármacos e medicamentos e as pesquisas nacionais, consolidando, enfim, o setor farmacêutico como estratégico à soberania nacional.
Não há espaço para uma Lei de Fármacos no Brasil? Com um objetivo bem simples: aproximarmo-nos do modelo indiano que tanto bem trouxe para aquele país. Os indianos compreenderam que não podiam estar mercê do suprimento de matéria-prima alheio.
Era um risco que o Brasil vive, mas os indianos não quiseram viver.
Os indianos, para sair desse desconforto, desenvolveram uma indústria de intermediários químicos, montaram a estrutura da produção de farmoquímicos e, por fim dos genéricos.
Com os intermediários químicos e os farmoquímicos, pode-se fazer qualquer coisa: genérico, pesquisa, inovação tecnológica, melhoramento e, por fim, patentes.
Nossa proposta é bem simples e conta com apoio de industriais, pesquisadores e gestores de saúde no país. Aprender o que melhor se fez com a Lei de Informática e implantar o modelo como Lei de Fármacos. Tal como a outra, as empresas farmacêuticas deduziriam 9% de seus tributos federais para pesquisas em centros de aplicação tecnológica em fármacos.
Se não fizermos isso já, e agora, lamentaremos muito em breve as consequências de não termos dado a atenção que esses brados merecem.
Somente com subsídios, fomentos e incentivos financeiros e fiscais focados e colados a um programa de pesquisa fortaleceremos a cadeia produtiva de fármacos e medicamentos e as pesquisas nacionais, consolidando, enfim, o setor farmacêutico como estratégico à soberania nacional.
*Josimar Henrique é presidente da Hebron Farmacêutica e Diretor da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e Suas Especialidades (ABIFINA)
Fonte: Jornal do Commercio (16/02/2011)