Com a Emenda Constitucional nº 85, a Constituição, que não falava em inovação, agora fala. E os capítulos do meu Tratado e do Direito de Inovação em que se discutia o estatuto constitucional da ciência e da tecnologia perderam a validade. Antes que o Procon interdite meus livros por vender comida fora da validade, vamos nos apressar em constatar as mudanças.

 

Em primeiro lugar, a maior parte das alterações não chega a ser sequer cosmética. “Inovação” ganha a cintilância constitucional e passa a ser uma das virtudes cardinais de Platão, ao lado da prudência, da moderação, da fortaleza  e da justiça. O quadro comparativo abaixo indica onde a expressão inspirada em São Schumpeter passa a integrar o catecismo.

 

Bom, o que quer dizer “inovação”, então? Se não é ciência nem tecnologia, nem o resultado delas, e para não imaginarmos que o Congresso gastou tempo fazendo coisa alguma com o dinheiro dos contribuintes, temos que concluir que agora a inovação não tecnológica ganhou foros augustos.  Vamos ter dinheiro público para inovações de marketing, de publicidade, de métodos de negócio….

 

Além disso, vejamos as alterações: 

  1. A Emenda explicita que a tecnologia e a inovação está agora na competência concorrente legislativa  e de poderes da União, dos Estados e dos Municípios a tecnologia e a inovação. O Art. 218 já dizia que promover a ciência e a tecnologia não só estava na competência, mas no âmbito dos deveres constitucionais desses entes todos. A mudança evidencia o que já era óbvio. Espero que não tenha custado muito de dinheiro público. 
  2. Numa alteração que pode ter alguma importância para a orçamentação das atividades de CT&I, o art. 167 foi alterado para que a “transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra (…) no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação” deixem de ter como condição a aprovação do Legislativo. 
  3. O art. 213, que se volta ao financiamento público de instituições de ensino, aumenta o rol das atividades de universidades e ICTs privadas que podem ser apoiadas, acrescendo às  atividades de pesquisa e extensão as de estímulo e fomento à inovação, e também somando como beneficiárias as instituições de educação profissional e tecnológica.
  4. No art. 218 § 3º, a emenda acrescentou  “apoio às atividades de extensão tecnológica” entre as atividades de recursos humanos a serem estimuladas.
  5. No § 6º do art. 218, a emenda determina que os entes estatais se articulem para os fins de CT&I. (Evidentemente seria preciso mudar a Constituição para se implantar uma ideia tão instigante e … inovadora).
  6. No  § 7º  a emenda incentiva que as instituições de CT&I tenham atuação no exterior. (O relator dessa emenda deve estar depositando patente de invenção no INPI para essa iniciativa revolucionária). 
  7. O art. 219 ganha um parágrafo único para acrescer à missão estatal de CT&I as atividades inéditas e surpreendentes de “parques e polos tecnológicos e  demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia”. Sem tal alteração constitucional, tais atividades jamais poderiam ter sido incluídas na Lei de Inovação, e se já o foram, seguramente a inclusão era inconstitucional e írrita ao direito pátrio. 
  8. Cria-se um art. 219-A para se dar estatuto constitucional ao que já estava no art., 19 da Lei de Inovação
  9. Pelo art. 219-B institui-se, a nível constitucional, o  Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI),  que já descrevia a complexa rede de normas e instituições dos vários entes  federativos sob o dever geral de estímulo de ciência e tecnologia que desde 1988 resulta do art. 218 da Constituição. A diferença é que se prevê uma lei nacional para regulamentar o sistema. 

 

Não mencionamos até agora a modificação textual que, a nosso ver, representa a maior alteração no desenho constitucional das atividades de ciência e tecnologia. Sob a redação anterior, que era

§ 1º – A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

assim dissemos em nosso Direito da Inovação 2a. Edição, Lumen Juris (2010):

 

A ciência e o domínio público

A primeira questão que o artigo 218 aponta é a vocação da ciência ao domínio público.

A pesquisa científica caracterizada como básica, ou seja, não aplicada a soluções de problemas técnicos específicos, voltada à atividade econômica, receberá tratamento prioritário do Estado. Essa prioridade é relativa em face à pesquisa de capacitação tecnológica, fato que, no caso da ciência, o Estado é presumivelmente a principal fonte de incentivo e de promoção.

A atividade estatal terá como proposta o bem público e o progresso da ciência. Na repartição dos encargos da produção de conhecimento, a pesquisa básica não é apropriada, em princípio não é apropriável, nem pelos agentes privados da economia e nem pelos estágios nacionais. Esse conhecimento, em princípio, é produzido para a sociedade humana como um todo, para o bem público em geral. É o que a Constituição diz.

O elemento final da mesma cláusula refere-se o progresso em ciências e reitera assim a natureza da destinação dessa atividade estatal ao domínio público, indiferenciado e global. Nota-se que no artigo 200 da Constituição, inciso X, existe mais um dever do Estado, que é específico, sobre pesquisa no setor de saúde. 

A nova redação não terá o mesmo entendimento. Vejamos:

§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.

Com efeito, já não há mais a cesura textual entre a atividade prioritária do Estado (a ciência básica) e a tecnologia, que merece todo o parágrafo segundo. A prioridade vai agora para as duas modalidades (curiosamente, quando tanto se alterou para isso, não para a inovação…). E a expressão “o progresso das ciências” (que existe, idêntica, na Constituição Americana) para a ser o “progresso da ciência, tecnologia e inovação”.

 

Assim, não se consagra mais na Constituição que a Ciência básica financiada pelo estado destina-se ao domínio público,e a tecnologia à apropriação. É uma vitória dos patrimonialistas: mantido em sigilo, resguardado, o saber científico agora pode (o que não significa que deva ou seja em todos casos) excluído do domínio comum.

 

Mas, pelo § 2º  do art. 218, continua o dever estatal de apropria-se da tecnologia gerada com fundos provindos do contribuinte.

 

Quadro comparativo

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