Do alto de seus 80 anos, Luiz Carlos Bresser-Pereira estudou e vivenciou os principais ciclos políticos e econômicos do Brasil. Ocupou diversos cargos públicos e privados, inclusive a chefia de três ministérios: da Fazenda, em 1987, no governo José Sarney; da Administração Federal e Reforma do Estado, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso; e da Ciência e Tecnologia, nos primeiros seis meses do segundo mandato de FHC, em 1999. Bresser-Pereira tem conhecimento de causa para afirmar que o Brasil precisa retomar a industrialização para se desenvolver social e economicamente. Formado em Direito, doutor e livre docente em Economia, Bresser-Pereira avalia que o erro do governo Lula foi tentar restabelecer o pacto desenvolvimentista sem conciliar igualmente as demandas dos trabalhadores e das indústrias. Acabou deixando de herança para Dilma a armadilha do câmbio apreciado no longo prazo combinado a juros demasiadamente altos. Romper esse ciclo é essencial para a retomada do crescimento via indústria, defende o especialista – que analisa a estruturação das coalizões de classe e a disputa entre o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo no livro lançado este ano “A construção política do Brasil”. Sem chegar ao que chama de preços macroeconômicos certos (nível ideal de câmbio, juros, lucro empresarial, salários e inflação), o País não terá política industrial que funcione.

A retomada do desenvolvimento econômico e social do País depende de um grande pacto político da sociedade, que estaria expresso em um projeto desenvolvimentista conduzido pelo Estado no longo prazo?

Eu sempre defendi essa tese. Um país só se desenvolve se constrói uma nação forte e um Estado desenvolvimentista, capazes de formular um projeto ou estratégia nacional de desenvolvimento. É impossível contar com todos nesse projeto. De um lado, geralmente ficam os rentistas, os financistas e os interesses estrangeiros – os três apoiados em uma ideologia liberal; de outro, ficam os empresários, principalmente os industriais, os trabalhadores e a tecnoburocracia pública, que formam uma coalizão de classes ou um pacto desenvolvimentista. 

Quando foi eleito, Lula tentou restabelecer um pacto desenvolvimentista no Brasil, mas acabou falhando porque, ainda que procurasse atender igualmente às demandas dos trabalhadores e das empresas industriais, acabou por responder apenas aos interesses dos trabalhadores, ao deixar que a taxa de câmbio se apreciasse de forma dramática em seu governo. A preços de hoje, a taxa de câmbio se depreciou de R$ 5,20 em dezembro de 2002 para R$ 2 em dezembro de 2010, quando devia ter ficado flutuando em torno de R$ 3,30, que é a taxa de câmbio de equilíbrio industrial ou competitivo. Ao deixar que o real se apreciasse dessa maneira, a taxa de lucro das empresas industriais entrou em colapso, a desindustrialização se acelerou e, a partir de final de 2012, os empresários deixaram de dar um crédito de confiança ao governo.

 

O famoso “Relatório sobre as Manufaturas” (1971), do primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos Alexander Hamilton, afirmava que, para ser independente, o país precisa ter uma sólida política dedicada à industrialização. Esse conceito continua válido? 

A industrialização ou, mais precisamente, a sofisticação produtiva – conceito que inclui os serviços tecnologicamente sofisticados – é essencial para o desenvolvimento econômico. Segundo o Novo Desenvolvimentismo, há duas maneiras de aumentar a produtividade. Uma, que é relativamente lenta, é a de aumentar a produtividade na produção do mesmo produto; a outra, muito mais rápida quando há espaço para ela, é transferir mão de obra de setores com baixo para setores com alto valor adicionado per capita, que pagam salários mais elevados. Em um país rico, as oportunidades do segundo tipo são escassas; em um país de renda média como o Brasil, há ainda muita possibilidade de transferência de mão de obra para setores mais sofisticados, mas o que estamos fazendo no Brasil desde que deixamos de neutralizar a doença holandesa (o que aconteceu em 1990-91, conjuntamente com a abertura comercial) é exatamente o contrário. Loucura que nos condena ao baixo crescimento e inviabiliza o alcançamento ou catching up.

 

No contexto de apreciação do real, manter a taxa de juros elevada para controle da inflação vai contra um programa desenvolvimentista?

Desde o Plano Real, a economia brasileira está presa em uma armadilha de câmbio apreciado no longo prazo e nível de juros muito alto. Isto reduz fortemente as expectativas de lucro das empresas e as leva a investir muito pouco, o estritamente necessário para impedir seu sucateamento. Em consequência, temos a desindustrialização. Um projeto para o Brasil é necessariamente um projeto de reindustrialização.

 

Como o senhor avalia a atual desnacionalização do setor produtivo em um regime liberal, em que as variáveis macroeconômicas favorecem o ingresso de capitais e os benefícios às indústrias nascentes são retirados?

De acordo com o Novo Desenvolvimentismo, os países em desenvolvimento como o Brasil devem apresentar um pequeno superávit em conta-corrente – o único compatível com uma taxa de câmbio competitiva. Se o País seguisse essa política, não ocorreria a desnacionalização lesiva aos interesses nacionais que está acontecendo. Mas, aceitando o argumento dos economistas dos países ricos segundo o qual déficits em conta-corrente são bons porque significam poupança externa que se somaria à interna (na verdade, a substitui), o Brasil incorre em elevados déficits e passa a “precisar” dos capitais externos (veja o quadro Entenda Mais).

 

A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), criada no governo Lula, definiu quatro setores estratégicos para o desenvolvimento nacional. A iniciativa foi criticada pela oposição, que a considerou “escolha de vencedores pelo governo”. Como o senhor analisa esse quadro?

A política industrial é um instrumento importante de desenvolvimento econômico, mas não deve ser adotada em substituição de preços macroeconômicos certos – particularmente uma taxa de câmbio flutuando em torno do equilíbrio industrial e uma taxa de juros sendo gerida pela política monetária em torno de um nível baixo (leia o quadro Entenda Mais).

 

Como o senhor vê o uso do poder de compra do Estado para promover o desenvolvimento de setores estratégicos do País, à semelhança do Buy American Act dos Estados Unidos, em vigor desde 1933?

Deve ser uma política normal do Brasil, como é, aliás, dos países ricos, em particular, dos Estados Unidos.

 

Qual é sua opinião sobre o uso de parcerias público-privadas visando o desenvolvimento de setores estratégicos para o País, como a infraestrutura e a saúde pública?

Sou em princípio favorável, mas é preciso examinar a questão caso a caso.

 

ENTENDA MAIS

Em entrevista a Eleonora de Lucena, da Folha de São Paulo, em março de 2015, Luiz Carlos Bresser-Pereira conta que há 15 anos trabalha na tese dos preços macroeconômicos certos, de central importância no modelo do novo desenvolvimentismo. Segundo Bresser-Pereira explica, sua tese postula que a “taxa de lucro deve ser satisfatória para os empresários investirem; a taxa de juros deve ser baixa; a taxa de câmbio deve ser competitiva; a taxa de salários deve ser compatível com a taxa de lucros dos empresários; e a inflação deve ser baixa”. É um conjunto de pressupostos para a economia crescer e que o Brasil não consegue reunir desde o Plano Real. Sobre a adoção pretensamente “salutar” dos déficits em conta-corrente pelo País, Bresser-Pereira esclarece na entrevista à Folha que este processo justifica a ocupação do mercado interno pelas multinacionais e pelo capital estrangeiro, portanto interessando apenas aos países ricos.

 

Autor: LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Revista Facto | Abr-Mai-Jun 2015 | Edição 44

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