CAROLINA MAZZI carolina. mazzi@ oglobo.com. br
Pesquisa mostra que, no estado, 63,6% do setor acreditam que investem, mas só 38% o fazem
“A maioria das pequenas (empresas) cresce mais quando há parceria, ações em conjunto.” Marina Honório Economista da UFRJ
Um verdadeiro paradoxo. O investimento em inovação ainda é algo incipiente para grande parte das pequenas e médias empresas fluminenses, embora a maioria acredite realizar aportes na área. A conclusão é de uma pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), que analisou o setor em todo o estado: 63,6% das companhias afirmaram que investem em novas ideias, mas o estudo detectou que, de fato, apenas 38% delas o fazem.
Para Anderson Rossi, assessor-chefe de Inovação Tecnológica da Firjan, os números mostram que o próprio conceito sobre o assunto é desconhecido pela maioria dos empresários.
— Existe desinformação grande sobre o que é inovação, o que é investir no setor. Quando entrevistamos os empresários, vemos que muitos acreditam que, ao comprar uma máquina, já estão investindo na área — diz Rossi, acrescentando que, não, a simples compra não significa aporte na área. — É preciso saber se esta compra está associada a um novo sistema de produção, a um novo software, a algo que traga retorno financeiro novo à companhia.
E, das companhias que inovam, apenas 39,6% delas utilizam recursos públicos: mais de 70% acabam tirando a verba do próprio bolso. Cerca de 5% citam a burocracia como impedimento.
Mas para a economista Marina Honorio, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o baixo acesso às linhas de incentivo e financiamento dos governos se deve muito mais a dificuldades de informação e a custos de processo do que à falta de interesse das pequenas companhias.
DESINFORMAÇÃO AINDA É ENTRAVE
— As empresas, normalmente as menores, não conhecem os financiamentos existentes. E os editais são muito complexos. Eles praticamente demandam uma mão de obra para se dedicar apenas a estas burocracias. Normalmente, isto não é possível nas empresas menores, que têm os custos reduzidos com o menor número de trabalhadores possível — acentua Marina.
A pesquisa corrobora a opinião da economista: 7,3% das empresas disseram não ter conhecimento dos recursos disponíveis. E quase 33% das que inovaram relataram enfrentar dificuldades, sendo a obtenção da documentação necessária, como certidões e garantias, os principais entraves.
Porém, com os financiamentos públicos, conta Rossi, os empresários conseguem diluir seus custos, já que o governo, ao fomentar a inovação nestas empresas, “compra” também os riscos que vêm junto com ela.
E o conselho deve vir a calhar para alguns empresários: isto porque, o impacto financeiro — ou seja, o aumento nas vendas e no lucro — é citado por mais de 35% deles como o mais importante ao investir em inovação, ressalta o assessor-chefe da Firjan:
— Ao incentivar este tipo de ação, o governo, além de conseguir ter maior produção de tecnologia, quer também melhorar a lucratividade, para que as companhias possam crescer, gerando emprego e renda. Então, buscar financiamento público pode ser uma boa forma de conseguir este retorno financeiro, pois é interesse de todos.
INOVAÇÃO LIGADA A MELHORIAS INTERNAS
O carioca Marcius Costa comprova a afirmação. Dono da Fumajet, empresa que produz inovações na área de controle de vetores, ele conta que os incentivos por parte de órgãos como a Faperj e a Finep foram fundamentais para o crescimento da companhia:
— Tenho 17 patentes depositadas e se não fossem esses incentivos financeiros à inovação, só teria conseguido registrar três. Estamos em um mercado altamente competitivo. A minha empresa já nasceu propondo uma inovação radical, ou seja, de um produto que não existia. Mas a filosofia de inovar, de criar, é o que tem movido a humanidade e atualmente essa é a única forma de crescer e se tornar uma empresa de sucesso; não apenas de sobrevivência.
Aliás, é exatamente este conceito, de que a inovação só se faz com a criação de soluções “extremas”, e “completamente novas”, que pode também estar inibindo o investimento no setor, afirma Rossi. O que acontece, na realidade, é exatamente o oposto: cerca de 90% das inovações praticadas são de “melhoramento de processos”.
— Eu gosto muito de dizer que a inovação é exatamente aquele investimento que traz um novo aporte financeiro, que não existia antes.
IMPACTO É POSITIVO, DIZ QUEM INVESTE
Marina afirma que, importante mesmo, é entender que a inovação já se tornou matéria fundamental para a sobrevivência de qualquer companhia, seja de pequeno, grande ou médio porte:
— Hoje, este é o principal fator de competitividade. Sem criar, uma empresa tende a ficar estagnada. O mercado está cada vez mais “competitivo” e uma solução, serviço ou produto, que antes funcionava, pode mudar drasticamente em pouco tempo.
De fato, o principal objetivo de 64,7% das empresas ao inovar é aumentar a qualidade dos seus produtos/serviços, para que eles continuem sendo objeto de desejo do consumidor. E a maioria das que investem tem obtido sucesso: 60% garantem observar impacto positivo após a inovar na qualidade dos bens ou na ampliação na gama de serviços. Uma das soluções para que as empresas de médio e pequeno porte consigam incentivos para investimento em inovação pode ser sua união. É o que afirma a economista Marina Honorio, professora do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo a especialista, os custos com a papelada necessária seriam diluídos e as informações chegariam a todos:
— É uma solução, criar um conjunto de empresas. A maioria das pequenas cresce mais quando há parceria, ações em conjunto, tanto na hora de inovar como também para compartilhar informações, por exemplo. Esta é uma proposta que já é analisada pelas grandes incentivadoras, como o BNDES, mas ainda de forma muito lenta.
DIVERSIFICAÇÃO DAS LINHAS DE CRÉDITO
O empresário Nicolau Pires, diretor presidente da Nortec, empresa que fabrica matéria-prima para a indústria farmacêutica, assina embaixo. Ele afirma que, sem o apoio da Abifina (Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina), não teria conseguido os incentivos governamentais que, atualmente, são responsáveis por 50% dos seus gastos com inovação:
— Todas as empresas precisam investir em inovação. As menores enfrentam muitas dificuldades. Acho que sem o apoio de uma instituição que possa informá-las sobre as possibilidades de incentivo, documentação, o que é preciso para conseguir esta verba, a atuação delas fica muito mais limitada.
O empresário acredita que, apesar dos incentivos financeiros serem amplos, é preciso diversificar valores e requisitos, para que as micro e pequenas empresas tenham ainda mais acesso aos financiamentos do governo:
— A minha empresa é de médio porte, e nós conseguimos nos encaixar nas exigências das grandes organizações. Mas, percebo que, muitas vezes, uma companhia pequena precisa de financiamentos menores, que são linhas de crédito mais difíceis de se encontrar.
Segundo Marina, um dos importantes avanços para o crescimento da inovação no Brasil foi a aprovação da Lei da Inovação Tecnológica, em 2004, que promove o envio de recursos financeiros às empresas, entre outras áreas.
Marcius da Costa, dono da Fumajet, diz que este tipo de ação beneficia não apenas os empreendedores, mas toda a sociedade. E o carioca parece saber do que está falando: um dos seus produtos principais é a MotoFog, usada por diferentes órgãos no governo e nas empresas para controle de doenças, como a dengue, em locais de difícil acesso:
— Funcionamos como ferramenta complementar no controle dos vetores. Sem participação da população, via conscientização, não há solução. Mas temos tido um resultado muito bom e ampliado o nosso trabalho.
Pires é outro entusiasta do incentivo público à inovação. Para ele, a possibilidade de desenvolver soluções para a sociedade só acontece com um aporte financeiro confiável e seguro.
— No meu caso, lido com material químico. Não tem como brincar com este tipo de matéria-prima. É preciso de dinheiro para, antes mesmo de encontrar o produto, ter a segurança necessária para desenvolvê-lo, sem prejudicar a vida de todos. E, em alguns casos, isso custa muito caro.
O Globo, 18 jan 2015