Na área da saúde, Brasil ainda não consegue transformar conhecimento em riqueza social
País tem dificuldade em desenvolver pesquisa científica que leve a mudanças sociais efetivas.
Não se pode negar que o Brasil tem crescido muito em termos de produção de conhecimento. Cada vez mais pesquisas nacionais aparecem em publicações internacionais, e a área de saúde se destaca como um campo frutífero à produção científica. Mas esse crescimento em produção teórica e em pesquisas de qualidade ainda não conseguiu ser transformado em mudanças que estimulem o desenvolvimento econômico e social do país. É esta a avaliação de Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, apresentada durante o plenário intitulado The Challenge: Healthcare Systems Sustainability in the 21th Century, ocorrido hoje no Rio de Janeiro.
O evento faz parte da Conferência HTAi 2011, iniciativa da Health Techonology Assessment International (HTAi) juntamente com o Ministério da Saúde e outros centros, cujo objetivo este ano é discutir como a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) – qualificada pelo Ministério da Saúde como um “processo de investigação das consequências clínicas, econômicas e sociais da utilização das tecnologias em saúde” – pode contribuir para criação de sistemas de saúde que respeitem princípios da sustentabilidade. Da mesa redonda deste primeiro dia da conferência, participaram também Andy Haines (London School of Hygiene & Tropical Medicine), Alice Granados (Genzyme – Espanha), José Carvalho de Noronha (Fundação Oswaldo Cruz) e Adriana Velazquez (OMS), com coordenação de Reinaldo Guimarães (ex-secretário do Ministério da Saúde).
Os palestrantes se dedicaram a destrinchar o atual cenário dos sistemas de saúde, seja no âmbito nacional ou internacional. Em relação ao Brasil, Carlos Gadelha afirmou que o país vive hoje um “contexto social muito dinâmico”, com queda nos índices de pobreza e grande crescimento da classe média, sendo que 53% da população têm acesso ao sistema primário de saúde através do SUS. Diante disso, os desafios para montagem de um sistema de saúde que atenda a esta porcentagem crescente aumentam. O grande problema é que haveria um “descompasso” entre tal demanda em atendimento em saúde e a nossa capacidade de produção e inovação, necessária para garantir um serviço abrangente e de qualidade.
Na visão de Gadelha, o Brasil tem dado passos importantes em relação ao aumento de sua capacidade de produção e inovação em tecnologias e pesquisas em saúde, porém este conhecimento não termina por gerar riqueza social, ou seja, não há uma tradução deste conhecimento em estratégias e diretrizes para serem aplicadas na prática médica. Esta realidade, segundo o secretário, fica clara analisando alguns dados: “não só a participação do país na criação de patentes em saúde a nível mundial é quase irrisória, como grande parte das tecnologias e inovações usadas em nosso sistema de saúde são importadas, criando grande dependência externa”.
Para resolver este problema, seria necessário encontrar maneiras de articular a dinâmica do desenvolvimento econômico e de inovação com o desenvolvimento social. Uma alternativa, sugeriu Gadelha, é a interação entre sistemas públicos e privados, organizada de forma mais abrangente do que um mero “meio para alavancar renda para pesquisa em saúde”. Mais do que uma fonte de obtenção de recursos, tal parceria deve pautar a agenda de inovações, permitindo que o setor privado invista onde o Estado não pode alcançar.
As apresentações dos representantes internacionais deixaram claro que o Brasil não é o único país que precisa ultrapassar muitos desafios para conseguir estabelecer um sistema de saúde mais seguro e acessível a toda a população. Andy Haynes e Adriana Velazquez mostraram em gráficos e números que a situação da saúde principalmente em países menos desenvolvidos ainda é precária, com grandes questões envolvendo doenças virais como malária e a AIDS, além de altos níveis de mortalidade materna e infantil. Em 2005, exemplificou Velazquez, enquanto foram registrados 650 mortes maternas em países de baixa renda, apenas nove casos semelhantes ocorreram em países com melhores condições. Ambos os especialistas concordam que a solução para este descompasso estaria na melhoria do sistema primário de saúde. Segundo eles, se houver investimento em tecnologias e inovações que permitam diagnósticos precoces e atendimentos mais velozes, certamente muitas vidas serão salvas. Alicia Granados lembrou, por sua vez, da importância fundamental de se ter uma visão holística dos sistemas de saúde, entendendo-os em suas dimensões científica, política e social, de maneira que sejam estimuladas a parceria e a solidariedade entre todos estes componentes.
Já José Carvalho de Noronha lembrou da questão do envelhecimento da população, uma tendência mundial. O aumento da longevidade não necessariamente se reflete na queda da morbidade, sendo as doenças crônicas hoje uma questão preocupante, que pressiona a administração de mais recursos num planeta de fontes esgotáveis. Para o profissional, seria preciso, então, traçar um caminho em que sejam atendidas as necessidades do presente, sem comprometimento com a habilidade de atendê-las no futuro.
Fonte: Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)