Maurício Antonio Lopes
Presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa
Foto: Orlando Brito
Governantes e políticas públicas existem desde que a raça humana começou a se organizar em comunidades e, já ali, naquele começo improvável, havia líderes, assim como havia a necessidade de estabelecer mudanças para orientar questões como a proteção contra predadores ou a divisão da caça e da coleta. Ao fazê-lo, o líder favorecia uns, prejudicava outros. Desde então, a humanidade sabe que toda política pública elege vencedores e perdedores.
A agricultura brasileira conhece bem isso. Com a intensa urbanização do país, foi necessário buscar renda onde ela existia – na agricultura – para financiar o desenvolvimento da indústria e do comércio e criar empregos nas cidades. Medidas como controle de preços, confiscos cambiais e importações emergenciais tinham a nobre intenção de resolver problemas, mas, como se amparavam em conhecimento restrito, impuseram atraso e pobreza à agricultura. Criaram desabastecimento e insegurança alimentar nas cidades.
Até então, as políticas de desenvolvimento, de industrialização ou de ampliação da fronteira agrícola consideravam apenas os ganhos desejados sem cogitar a criação e a incorporação de conhecimentos. Assim, contribuíam para produzir muitos passivos ambientais, econômicos, sociais e tecnológicos que enfrentamos hoje. É fato que políticas públicas intensivas em conhecimento também podem gerar desequilíbrios. Mas têm como criar seus antídotos, minimizando os passivos.
O conjunto de políticas públicas que, nos anos 1970 e 1980, reformou a pesquisa agrícola pública e viabilizou a criação da moderna agricultura tropical, continuou interessado na transferência de renda do campo para as cidades. O diferencial é que, pela primeira vez, apostou-se em construir políticas públicas intensivas em conhecimentos para ampliar a capacidade de produzir as riquezas a serem transferidas para não matar a galinha dos ovos de ouro. No caso, o setor agrícola.
Ainda que, nas mudanças de estratégias de desenvolvimento, seja difícil evitar que alguém perca espaço, a modernização da agricultura mostrou que, com uso intensivo de conhecimentos, é possível melhorar a qualidade das decisões para, além de gerar os benefícios pretendidos, reconhecer as perdas de setores da população, dimensioná-las e gerar os recursos necessários para financiar políticas compensatórias.
Quatro décadas de uso desse modelo mostram que o conhecimento é ferramenta poderosa para equacionar os conflitos do desenvolvimento econômico e social. A geração de conhecimentos, que possibilitou a intensificação da agricultura e os seus riscos, também criou a fixação biológica de nitrogênio, o plantio direto, o controle biológico de pragas, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), alguns deles pilares do Plano Agricultura de Baixo Carbono.
E várias são as atividades que foram otimizadas e profissionalizadas a partir de estudos sistêmicos, tais como o zoneamento de risco climático em apoio ao programa de seguro agrícola, a garantia do sêmen bovino comercializado, o financiamento da mecanização agrícola e as ações públicas de segurança biológica. A ação das organizações de C&T tem, pois, enorme poder de propor ou de melhorar políticas públicas.
Nos últimos anos, elas têm sido constantemente mobilizadas pelas casas legislativas para contribuir na discussão e formulação de políticas de interesse da sociedade. É parceria que precisa ser intensificada. O país poderá se beneficiar em maior escala se os rituais de tomada de decisões legislativas forem empoderados por processos aprimorados de análises e busca de evidências, em bases sistemáticas e frequentes.
As organizações científicas precisam se preparar melhor para tal desafio, assumindo posturas mais propositivas. A discussão de questões eivadas de alto teor ideológico, como propriedade intelectual, transgênicos e o código florestal, revelaram perturbadora escassez de dados e evidências que ajudassem os legisladores a conciliar as dissenções ideológicas e a produzir decisões que melhor lidassem com os passivos econômicos, sociais e ambientais.
As organizações científicas e tecnológicas são reconhecidas como provedoras de novos produtos e processos. Trata-se de função nobre, que impacta diretamente os que usarem esses produtos e processos. Mas é preciso que evoluam para desempenhar, de maneira sistemática, outra função também muito nobre – contribuir com informações qualificadas para a melhoria das decisões da sociedade. A guinada impactará positivamente os brasileiros.
*Artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 1 de setembro de 2013.