No ano 2000, apenas um produto biotecnológico constava
na lista das dez drogas que geravam mais receita para
as grandes corporações farmacêuticas. Hoje eles são cinco,
indicados principalmente para tratar doenças crônicas, degenerativas
e autoimunes, além de vários tipos de câncer.
Embora seja consenso, mesmo entre os biotecnólogos, que
os medicamentos obtidos por síntese química continuarão
respondendo por mais da metade do faturamento global
do setor pelo menos até o ano 2016, ninguém tem dúvida
de que a área biotecnológica é a melhor aposta que se pode
fazer para o futuro.
Este cenário mercadológico promissor, considerado em
conjunto com a iminência do término dos prazos de patente
de alguns dos primeiros medicamentos biotecnológicos,
está provocando uma verdadeira revolução na indústria farmacêutica
brasileira. Duas novas empresas foram criadas
para atuar nesse mercado: a Orygen, constituída pelos laboratórios
Biolab, Cristália, Eurofarma e Libbs; e a BioNovis,
formada pelos laboratórios Aché, EMS, Hypermarcas
e União Química.
Cada uma dessas empresas receberá R$ 500 milhões do
Profarma/BNDES, o programa de apoio ao Complexo Industrial
da Saúde. Criado em 2004, o Profarma está sendo
reestruturado pela terceira vez, agora assumindo um perfil
mais voltado para projetos de inovação, e terá sua carteira
elevada para R$ 5 bilhões. Esses recursos estarão disponíveis
a partir de julho deste ano até 2016, para financiar projetos
de inovação e expansão das indústrias farmacêuticas
instaladas no País.
Segundo Dante Alario Junior, presidente técnico e científico
da Biolab, o governo tem-se apresentado como um parceiro
ativo e interessado na viabilização da “biotec” nacional
em escala industrial. “Desde o começo, pensou-se num projeto
prevendo a parceria do setor privado com o setor público
em medicamentos de alto interesse do governo, uma
vez que grande parte deles hoje tem custo muito elevado
e se destina a pacientes idosos – uma faixa da população
que tende a aumentar. Em conversa com o governo, que
está muito preocupado com o assunto, nós da Biolab, Eurofarma,
Libbs e Cristália decidimos nos unir para produzir
esses medicamentos no Brasil”.
As novas empresas criadas com o apoio do BNDES representam
uma tentativa do Brasil de acompanhar o ritmo
de desenvolvimento da “biotec” e conquistar relativa independência
tecnológica nessa área. “A biotecnologia está
praticamente nos seus primórdios”, afirma o presidente da
Biolab. “Eu diria que ela tem, no máximo, 40 ou 45 anos
– isto em pesquisa, pois os primeiros produtos de uma biotecnologia
mais avançada têm 15 anos ou um pouco mais.
A biotecnologia ainda tem um campo enorme a ser explorado
e pode trazer avanços muito além daquilo que hoje
estamos vislumbrando. É importante iniciarmos agora para
não corrermos o risco, novamente, de perder o bonde”.
A metáfora do bonde traz, por outro lado, o inconveniente
de promover algumas “falsas verdades”, na opinião do
presidente do Conselho da Cristália, Ogari Pacheco. “A
primeira delas afirma que o Brasil teria perdido o bonde
da história no que se refere à indústria farmoquímica, o
que é verdadeiro apenas quando se considera a produção
de commodities farmacêuticas. Quando falamos de produção
de moléculas mais elaboradas, de maior valor agregado,
temos dado provas de que é possível, sim, a produção local.
Capacidade, inequivocamente, existe. E a segunda diz que
o Brasil não deve perder o bonde da história no que diz respeito
à ‘biotec’, uma vez que a distância que nos separa dos
países desenvolvidos seria pequena e a biotecnologia é uma
ciência nova, recente. Na verdade a distância que nos separa
é bastante grande, haja visto, por exemplo, que as moléculas
que mais chamam a atenção no momento, os MABs (anticorpos
monoclonais utilizados em biofármacos), estão em
vias de perder suas patentes agora, cerca de 35 anos após o
início do seu desenvolvimento”.
Pacheco está convicto de que é possível o Brasil entrar no
seleto clube dos produtores de biotecnologia, mas prevê
que decorrerá um tempo razoável para que isto se materialize.
“Muito esforço, muito trabalho há que ser desenvolvido.
A propósito, nenhum agrupamento de empresas nacionais
poderá ser considerado uma superfarmacêutica, basta
comparar com o tamanho das big farma internacionais. Só
muita dedicação, suor e tempo nos levarão ao sonhado desenvolvimento
tecnológico em biotecnologia”.
Passo a passo, sem precipitação. É assim que os empresários
e executivos envolvidos na construção da Orygen concebem
a tarefa de consolidá-la no mercado. Segundo Maria
del Pilar Muñoz, diretora de Sustentabilidade e Novos Negócios
da Eurofarma, “o objetivo deste consórcio é fazer
foco inicialmente nos medicamentos biossimilares. Até
2021 importantes medicamentos perderão patente no Brasil.
A Orygen trabalhará prioritariamente nestas moléculas,
que hoje representam cerca de 70% do mercado de biotecnologia
brasileiro. A proposta é garantir o atendimento à
demanda pública com a internalização do conhecimento e
da produção”.
Somente a partir de uma plataforma tecnológica instalada
e da internalização do conhecimento, incluindo capacitação
de técnicos e pesquisadores, é que o País poderá avançar
nesta nova fronteira da pesquisa e ganhará autossuficiência,
na opinião da diretora da Eurofarma. “Acreditamos
que este seja o primeiro passo para futuramente podermos
pensar em inovação incremental e radical nesta área.
Os medicamentos oriundos da biotecnologia são os que
mais crescem no mundo e, claro, mais acentuadamente nos
países emergentes. A expectativa é que alcancem US$ 170 bi
até 2014, representando aproximadamente 23% do mercado
farmacêutico global. Atualmente, entre os top 5 do
mercado oncológico, quatro são oriundos de biotecnologia.
O mesmo acontece na área de artrite reumatoide”.
A BioNovis também aposta na substituição de importações
como estratégia para impulsionar a primeira etapa de
suas atividades. Segundo seu presidente executivo, Odnir
Finotti, “atualmente os biotecnológicos respondem por
aproximadamente 45% do total de importações de medicamentos
pelo Brasil. Através da BioNovis, a ideia é fomentar
o desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional e incentivar
a inovação de medicamentos, colaborando com os
poderes públicos para implementar soluções e políticas de
saúde pública. Nosso objetivo é, num primeiro momento,
produzir tais compostos em solo brasileiro, fruto inicialmente
de um processo de transferência de tecnologia. Assim
teremos, em curto espaço de tempo, a redução da nossa
dependência de alguns produtos importados de alto valor
agregado, contribuindo para melhorar a balança comercial
da saúde e o acesso da população aos medicamentos. Paralelamente,
treinaremos e qualificaremos profissionais e
pesquisadores para, em futuro breve, podermos desenvolver
nossos próprios produtos de origem biotecnológica”.
Além da pesquisa básica direcionada para diferentes tipos
de câncer e doenças autoimunes, num primeiro momento
a BioNovis pretende ingressar em dois mercados distintos
com medicamentos de alto valor agregado: o Etanercepte,
para artrite reumatoide, e o Rituximabe, para linfoma
não Hodgkin. Mas a ideia, segundo Finotti, é estender a
atuação a diversas outras patologias, de maneira sólida e
estruturada.
Cada sócio da BioNovis detém 25% do capital e, pelos
termos do acordo de acionistas, a empresa não poderá ser
vendida a estrangeiros. “Acreditamos que a implementação
de boas práticas de governança corporativa possibilitará
uma gestão mais profissionalizada e transparente, pois minimizará
possíveis distorções de informações e conceitos”,
explica Finotti. “Assim conseguiremos fazer convergir o
interesse de todos os stakeholders, aumentando o valor da
organização e contribuindo para sua sustentabilidade, rentabilidade
e longevidade”.
Biodiversidade e fitoterápicos: políticas divergentes
Num país como o Brasil, que começa a compreender o perigo
da desindustrialização de sua economia e a empreender
esforços concretos para reverter a tendência deficitária
de sua balança comercial, soa como um contrassenso que a
indústria de medicamentos fitoterápicos precise recorrer à
importação de espécies vegetais exóticas para desenvolver
seus produtos. Mas é justamente isto o que ocorre, em decorrência
de uma regulamentação de acesso ao patrimônio
genético que, na prática, funciona como bloqueio, travando
toda a cadeia da produção de fitoterápicos desde a pesquisa
até a produção industrial, e afetando indistintamente laboratórios
e instituições públicos e privados.
Respaldada na tese de que a questão primordial é a possibilidade
de se obter produtos da biodiversidade com responsabilidade
social e sustentabilidade, a ABIFINA vai
trabalhar numa proposta para modificar a referida regulamentação,
consubstanciada na MP nº 2.186-16/2001/
CGEN. A proposta será elaborada em conjunto com o
Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Fármacos e
Produtos Farmacêuticos (IPD-Farma), comunidades tradicionais,
universidades, indústria e outros segmentos representativos
da sociedade civil.
Peter Andersen, presidente do Grupo Centroflora, afirma
que os desafios à consolidação da produção de fitoterápicos
no País são enormes, tanto do ponto de vista da pesquisa
e desenvolvimento quanto da produção industrial. “A insegurança
jurídica gerada pela legislação de acesso ao patrimônio
genético é evidente e sentimos o reflexo disto no
desinteresse de nossos clientes em trabalhar com a biodiversidade
brasileira. Já na fase de escala industrial, precisamos
avançar muito na simplificação dos processos de manejo
florestal, de forma a alavancar a geração de emprego
e renda a partir da floresta em pé. Os desafios são grandes,
porém precisamos superá-los e com urgência, se quisermos
ter, de fato, a valorização da biodiversidade brasileira”.
Em 2003 o grupo Centroflora criou uma divisão de Botânica
e Sustentabilidade, com o intuito de viabilizar o suprimento
de matéria-prima vegetal com rastreabilidade e
em escala industrial, atendendo a critérios de qualidade e
reduzindo a vulnerabilidade do Grupo e de seus clientes
em suas matérias-primas mais estratégicas. “Com o tempo,
fomos agregando outras responsabilidades à área, como
inventário de gases de efeito estufa, relatório de sustentabilidade,
articulação e desenvolvimento de projetos em rede”,
conta Peter Andersen.
A divisão de Botânica e Sustentabilidade tem respondido
também pela promoção, junto aos clientes, do programa
“Parcerias para um mundo melhor”. Por meio desse programa
o grupo Centroflora viabiliza o fornecimento de
matéria-prima vegetal em escala industrial, com rastreabilidade,
livre de resíduos tóxicos, trazendo maior segurança
a todos os elos da cadeia produtiva. “Ganham o agricultor
e o extrativista por terem a garantia da venda de seus produtos
e ganham, também, Centroflora e seus clientes, com
a segurança e a qualidade decorrentes da rastreabilidade
dos produtos e processos em campo”, comemora Andersen.
Em alguns casos a Centroflora assume a responsabilidade
perante o campo, “mesmo que os clientes não firmem contratos
conosco. Temos avançado na sensibilização de nossos
clientes sobre a importância do comprometimento com os
elos da cadeia produtiva, bem como sobre os benefícios decorrentes
deste comprometimento”.
Entre os laboratórios públicos, o Instituto Vital Brazil
(IVB) é um dos mais atuantes na pesquisa e produção de
insumos ativos e medicamentos com base na biodiversidade.
Em outubro de 2010, em conjunto com a Universidade
Federal Fluminense (UFF), a Empresa de Pesquisa Agropecuária
do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro) e a Secretaria
de Ciência e Tecnologia de Niterói (SMCT), o IVB
inaugurou o Parque Tecnológico da Vida, cujo objetivo é
sediar empreendimentos de pesquisa e desenvolvimento de
micro e pequenas empresas de base tecnológica, unidades
de PD&I de empresas, unidades de produção, facilidades
compartilhadas e centros de capacitação profissional.
Jorge Coelho, diretor industrial do IVB, também lamenta o
fato de pesquisadores das instituições de ensino, indústrias
farmacêuticas e institutos de tecnologia e inovação não disporem
de segurança jurídica frente à legislação que regulamenta
as atividades de acesso ao patrimônio genético. E
comenta que, enquanto aguarda todo o processo necessário
para solicitação de autorização junto ao CGEN e outros
órgãos por ele credenciados, o IVB pretende dar prosseguimento
às pesquisas e desenvolvimento de medicamentos
oriundos de espécies exóticas.
“O desenvolvimento e produção de fitoterápicos com eficácia
e segurança comprovadas irá contribuir de forma significativa para diminuir as importações, e abrirá perspectivas
para o desenvolvimento de uma nova linha de produtos genuinamente
nacionais para serem inseridos no SUS, consolidando o parque industrial farmacêutico brasileiro”, afirma Coelho. Para acelerar esse processo, o IVB vem se articulando
com outros atores da cadeia de desenvolvimento e produção de fitoterápicos, visando à consolidação de parcerias
para atender as demandas do Ministério da Saúde.
Até mesmo um programa de formação e pesquisa integrado
por seis instituições públicas enfrenta dificuldades no
acesso à biodiversidade brasileira.
O Programa de Pós-graduação em Biotecnologia Vegetal, criado em 1993 na
Decania do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, tem caráter plurinstitucional e
multidisciplinar, congregando docentes da UFRRJ, UERJ,
UNIRIO, Embrapa e INPI, além da própria UFRJ. Até
setembro de 2011, 168 alunos obtiveram o título, sendo 102
de Mestre e 66 de Doutor em Biotecnologia Vegetal. O
Programa é composto de três áreas de concentração: Biotecnologia
de Organismos Fotossintetizantes, Biotecnologia
de Microrganismos Relacionados a Plantas, e Inovação
e Gestão Estratégica em Biotecnologia.
“Para que realmente os programas de pós-graduação possam
colaborar na concretização da produção a partir de
nossa biodiversidade é preciso um arcabouço jurídico bem
diferente do que temos, e é preciso também agilidade na
avaliação dos pedidos de patente”, reclama Fernanda Reinart,
coordenadora do Programa. “O empresário não tem
segurança jurídica para investir e a carga tributária é uma
covardia contra o desenvolvimento nacional. Nosso arcabouço
jurídico vem devastando a pesquisa bioprospectiva
do País há uma década, desde o marco regulatório
de acesso ao patrimônio genético; e o
INPI está atrasado há mais de dez anos. O
Brasil convida os brasileiros a deixar de lado
a inovação, principalmente no campo dos medicamentos”.
O Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia
Vegetal tem a particularidade de, há
duas décadas, exercitar a multidisciplinaridade.
“É uma palavra atraente, mas difícil de ser
concretizada no cotidiano científico”, observa
Reinart. “Acredito que estejamos conseguindo,
é um permanente fazer”. O programa está
estruturado com base nas seguintes linhas de
pesquisa: Aproveitamento Biotecnológico dos
Metabólitos Vegetais; Bases Moleculares em
Genética Vegetal; Desenvolvimento e Melhoramento
Vegetal; Potencial Biotecnológico da
Biodiversidade Vegetal; Bio-remediação por
Xenobiontes; Produção de Metabólitos por
Microrganismos; Seleção, Melhoramento e
Caracterização Molecular de Microrganismos;
Virologia Vegetal; Economia da Inovação; e
Propriedade Intelectual.
No laboratório Farmanguinhos/Fiocruz, uma
importante iniciativa de apoio à pesquisa, inovação
e produção de fitoterápicos é a organização e manutenção
de redes de informação nessa área. Para apoiar o
Ministério da Saúde na coordenação do Programa Nacional
de Plantas Medicinais e Fitoterápico e nas políticas públicas
relacionadas à inovação de fitomedicamentos a partir
da biodiversidade brasileira, foi criado em 2006 o Núcleo
de Gestão em Biodiversidade e Saúde (NGBS), que tem
como um de seus objetivos a gestão de um sistema nacional
de redes construído a partir dos biomas brasileiros (Amazônia,
Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica RJ e
SP, e Pampa).
Segundo Glauco Villas Bôas, coordenador do Núcleo, o
Sistema Nacional de RedesFito, implantado em 2009, foi
concebido a partir da constatação de que a biodiversidade
brasileira constitui uma vantagem comparativa no que diz
respeito à inovação de medicamentos de origem vegetal.
Num workshop das RedesFito realizado em 2009, lembra
Villas Bôas, a discussão do dispositivo capaz de dar concretude
às ações das redes levou à conclusão de que a inovação
deveria ser fomentada de baixo para cima, a partir de
iniciativas denominadas de arranjos ou sistemas produtivos
locais. “Estes arranjos organizam a interação entre os
diversos atores (instituições) detentores de conhecimento
em um determinado território. Eles constituem os nós das
redes, são como pequenas redes locais, porém interligadas
regionalmente e nacionalmente”.
A organização a partir da base é um aspecto importante
dos arranjos produtivos, que, segundo o coordenador do
NGBS, têm a peculiaridade de não serem criados artificialmente.
“Eles são reconhecidos, estudados e articulados. O principal papel
das RedesFito é promover a articulação entre eles, apontando soluções
relacionadas ao modelo de manejo agrícola adequado, certificação de plantas
considerando os aspectos geográficos, botânicos, químicos e genéticos;
discutindo soluções para o fortalecimento de atividades
de P&D em rede; discutindo a integração das iniciativas
público-privadas; mantendo o diálogo com as instâncias regulatórias
para permitir, apoiar e compartilhar a construção
deste caminho numa perspectiva integrada com o sistema
nacional de inovação, de forma multissetorial e obviamente
multidisciplinar; enfim, possibilitando a realização da vontade
do Estado brasileiro, expressa nas suas políticas, no
que diz respeito à importância da inovação neste setor”.
Numa perspectiva de médio prazo, segundo Villas Bôas, o
NGBS poderá contribuir de forma efetiva para “a construção
de uma via tecnológica capaz de reduzir drasticamente
a dependência dos insumos farmacêuticos que compõem o
atual cenário da assistência farmacêutica no Brasil, ao mesmo
tempo promovendo um maior investimento do setor
industrial nacional em ações de P&D e propiciando maior
competitividade internacional num mercado controlado
por grandes oligarquias, sob pressão e crises contínuas”. A
atuação do Núcleo é pautada, afinal, nas mesmas premissas
do Complexo Industrial da Saúde.
Agroquímica: rumo à sustentabilidade ambiental
Conciliar o imperativo do aumento da produtividade agrícola
para fazer frente à demanda dos mercados nacional e
internacional com a necessidade de reduzir impactos ambientais
e com a garantia da qualidade fitossanitária dos
alimentos é um desafio sempre renovado para o agronegócio,
principalmente num país-celeiro como o Brasil. A
superação desse desafio depende em grande parte da evolução
tecnológica, e nesse aspecto a biotecnologia tem trazido
importantes contribuições; mas também depende, fundamentalmente,
da fiscalização governamental quanto ao uso
correto dos produtos agroquímicos, especialmente no caso
dos defensivos.
Luís Eduardo Rangel, coordenador geral de Agrotóxicos
e Afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), ressalta que o aumento da tecnologia no
campo tem permitindo a redução sistemática dos problemas
de abastecimento no Brasil nos últimos anos, transformando-
nos também em grandes exportadores de alimentos.
“A redução do preço da cesta básica e a mudança da
base de sustentação da economia, com evidente superávit
dependente do agronegócio, mostram o quanto é pujante
este segmento e a própria aptidão brasileira para explorá-lo.
Os insumos são ferramentas de sustentação deste modelo
de produção agrícola advindo da revolução verde, e vêm
sendo trabalhados para que, ao se tornarem mais sustentáveis,
passem a contribuir melhor para o sucesso da produção
de alimentos e fibras”.
O defensivo agrícola – ou agrotóxico, conforme definido
na legislação – é um insumo diferente dos demais. Enquanto
os fertilizantes e as sementes melhoradas são insumos
que contribuem diretamente para a produtividade,
os defensivos atuam na redução das perdas provocadas por
agentes externos, possibilitando a melhor expressão genética
das culturas agrícolas. Rangel chama atenção para o
fato de que “os atuais insumos de controle de pragas são
totalmente diferentes daquele de 30 anos atrás. A base do
controle fitossanitário nos anos 1970/80 estava calcada nos
inseticidas organoclorados, organofosforados e carbamatos,
em herbicidas como o Paraquat e em fungicidas como
os ditiocarbamatos. Houve uma revolução nos últimos 20
anos. As moléculas disponíveis hoje oferecem muito maior
segurança, por serem toxicologicamente mais brandas e de
menor impacto para o meio ambiente. Ainda contamos
com alguns produtos antigos, mas espera-se o fim da era
dos HHP (high hazard pesticides) até 2020″.
O coordenador de Agrotóxicos do Mapa esclarece que a
eficiência dos produtos se manteve, enquanto o perfil de
segurança aumentou. “E ainda houve a diversificação com
foco na sustentabilidade, com a classificação e ampliação
dos chamados produtos biológicos e produtos para a agricultura
orgânica”. Em sua opinião, a maior garantia da eficácia
e da redução da toxicidade dos produtos é a contínua
e abundante produção de estudos e pesquisas nessa área.
Enquanto as regras para análises de substâncias químicas
são muito difusas e não têm padronização internacional –
somente agora, após décadas de baixo controle, os governos
vêm propondo uma harmonização na rotulagem e novas
exigências para registro e controle dessas substâncias -, no
caso dos defensivos o quadro é completamente diferente,
observa Rangel. “O alto nível de padronização e de exigência
para registro destes produtos torna-os bastante seguros
para os usos propostos. Mas temos que lembrar que se trata
de uma ferramenta química, e como tal sua utilização deve
“Os medicamentos oriundos da biotecnologia são os
que mais crescem no mundo e, claro, mais acentuadamente nos
países emergentes.
A expectativa é que alcancem US$ 170 bi até 2014″
Maria del Pilar Muñoz ser baseada na técnica agronômica para evitar os efeitos colaterais.
O objetivo de um agrotóxico é controlar as pragas
da lavoura, e não poluir o ambiente ou intoxicar as pessoas.
Ocorrências como essas são acidentais e devem ser mitigadas
com todo o empenho do governo, através de fiscalizações
rigorosas”.
O professor Angelo Zanaga Trapé, coordenador da área de
Saúde Ambiental da Unicamp, esclarece que a avaliação da
segurança do trabalhador exposto de forma direta ou indireta
ao produto, no contexto do registro, é feita com base no
tipo de cultura e na tecnologia de aplicação do defensivo.
“Defensivos registrados em nível mundial são seguros do
ponto de vista ocupacional, desde que respeitada a orientação
técnica para seu uso”.
Em relação à segurança alimentar existem valores padronizados
globalmente para os defensivos, denominados LMRs
(Limites Máximos de Resíduos), indicadores de níveis que
podem estar presentes em um determinado alimento sem
causar efeito prejudicial às pessoas que o consomem cotidianamente.
Do ponto de vista da saúde pública ou de
efeitos toxicológicos, explica o professor, “não tem nenhum
significado a detecção de um defensivo em uma cultura
para a qual o mesmo não está registrado, desde que seja
em níveis residuais (dose) que não possam determinar uma
resposta adversa no organismo humano”.
Pode-se considerar um alimento contaminado se ele apresentar
níveis superiores aos LMRs. Porém, afirma Angelo
Trapé, dependendo dos valores detectados o risco para a
saúde dos consumidores pode não ser relevante. “Deve-
-se tomar medidas técnicas para redução desses valores,
mas medidas no campo da saúde ou alardes nos meios de
comunicação tendo em vista evitar o consumo de algum
alimento são prejudiciais, pois podem gerar tensões e desequilíbrios
tanto por parte dos consumidores quanto dos
produtores rurais”.
Os resultados do Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos da Anvisa em 2011 mostraram um cenário altamente
positivo em termos de segurança química, garante
o professor. “De 2.448 amostras de alimentos analisadas,
somente 1,7% apresentou algum resíduo acima dos LMRs,
e mesmo assim em níveis que descartam qualquer risco toxicológico
para a saúde dos consumidores”.
Luís Rangel enxerga como positivas as cobranças da sociedade
de aumento do controle e da segurança sanitária dos
agrotóxicos, na medida em que elas estimulam o agronegócio
a melhorar continuamente nessa área. “A postura de
grande produtor e exportador deve ser inteiramente assumida
pelo País. A percepção da sociedade é de que estes
produtos são maléficos e dificilmente um consumidor urbano
consegue estimar a importância ou o valor de um produto
de controle de pragas. Portanto, tornar a agricultura
brasileira um motivo de orgulho para nosso povo é fundamental.
Capacitar nossos gestores públicos e privados para
encarar de maneira profissional os desafios do mercado global
também é necessário. Ao agricultor, resta manter o foco
na atualização da tecnologia que é disponibilizada pelos
órgãos de pesquisa e pelas empresas do setor, e lembrar-se
sempre que sustentabilidade é uma obrigação daqueles que
utilizam o ambiente como meio de geração de riquezas. O
agricultor deve ser o primeiro ecologista”.
Na opinião de Rangel, o agronegócio e as indústrias que
lhe fornecem insumos devem, sem dúvida, manter compromisso
com a sustentabilidade ambiental. “Desenvolvimento
sustentável é um conceito complexo e muitas vezes abstrato,
mas que deve levar em consideração o contínuo crescimento
de uma nação, o aumento da qualidade de vida da população
e a perspectiva de que isto se perpetue. A agricultura
hoje possibilita uma população de sete bilhões de habitantes
no planeta. Mantê-los alimentados e saudáveis é obrigação
de quem produz. A busca por práticas mais sustentáveis é
uma obrigação sem a qual a própria produção se esvai. Sem
o plantio direto já não teríamos mais solos férteis em muitas
regiões do sul do Brasil, teríamos assoreado rios e comprometido
a geração de energia da usina de Itaipu. Sem a
preocupação com os insetos benéficos seria impossível ter
laranjais e cafezais no Brasil. Portanto, buscar a tecnologia de
defensivos, entre outras, para preservar esses fatores é o que
torna viável uma agricultura longeva e sustentável”.
“Nenhum agrupamento de empresas nacionais poderá ser
considerado uma superfarmacêutica, basta comparar com
o tamanho das big farma internacionais.
Só muita dedicação,suor e tempo nos levarão ao sonhado
desenvolvimento tecnológico em biotecnologia”
Ogari Pacheco