Um desafio necessário. Dessa forma, o diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto, avaliou o tema do Workshop para Implantação da Codificação e Rastreabilidade de Medicamentos no Brasil, realizado no auditório do Museu da Vida, no dia 28 de abril. Organizado por Bio em parceria com a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob) e a Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS/Fiocruz), o evento analisou o cenário atual e os desafios trazidos pela Resolução da Diretoria Colegiada nº 54 (RDC 54), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A resolução determina a criação de um Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM) e adoção de procedimentos para rastreamento de produtos, por meio da tecnologia de captura, armazenamento e transmissão eletrônica de dados em toda a cadeia de produtos farmacêuticos. Com a resolução da Anvisa, as embalagens dos medicamentos deverão ter um código bidimensional.
O novo sistema deverá ser implantando até dezembro de 2016 e permitirá o acompanhamento da trajetória dos medicamentos, da produção à venda. Para Artur Couto, a novidade dará mais segurança aos usuários quanto à qualidade dos remédios vendidos no país, mas terá impacto no orçamento e na logística dos laboratórios produtores. “Este tema está em debate no cenário internacional, é uma tendência, para a qual precisamos estar preparados”, acrescentou.
O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez, elogiou a iniciativa de realização do encontro. “Este espaço é vital para trazer o tema para a Fundação, para avaliar os aspectos regulatórios. Estamos diante de um desafio complexo, mas muito importante em termos de segurança para os medicamentos”, afirmou.
O presidente da Alfob, Julio Felix, elogiou a iniciativa da Anvisa em criar um comitê para debater o tema entre as partes envolvidas. “É uma forma de enriquecer o tema e qualificar os laboratórios para desenvolver novas experiências, focando no desenvolvimento e inovação”, ressaltou.
Julio, entretanto, cobrou comprometimento de todos os entes públicos envolvidos na implementação, incluída aí a agência reguladora, para que a RDC possa virar realidade. “Trabalhamos sem margem de lucro, com medicamentos neglicenciados, e faz-se necessário saber quem pagará a conta pela adaptação de nossas linhas de produção”, ressaltou. Assessora da Anvisa presente ao evento, Ana Paula Barreto relembrou as audiência pública feita em maio de 2013 e a consulta pública realizada em outubro do ano passado, que reuniram 90 pessoas, dentre profissionais de saúde e entidades do setor. De toda forma, ressaltou que a criação do Comitê Gestor e de subcomitês para debater o tema visa nivelar o conhecimento e “endereçar um mecanismo nacional que venha a contribuir para melhorias para usuários e pacientes no país”. Deixou claro, portanto, que os laboratórios serão ouvidos.
Definir um padrão
Para a fase da consulta pública, a inclusão dos códigos bidimensionais em amostras grátis, medicamentos de notificação simplificada e obrigatoriedade para embalagens primárias foram pontos considerados, e sugeriu-se a adoção do padrão GS1 nas embalagens logísticas. A representante da Associação Brasileira de Automação (GS1), Ana Paula Vendramini Maniero, afirmou que a rastreabilidade trará melhoras na gestão de risco e logística. Vendramini considera que há uma tendência mundial de uso de padronizações para automação e visibilidade, especialmente na área de saúde.
Desafios no setor público
A RDC 54 impactará os laboratórios públicos em itens como equipamentos, controle de produção, integração com sistemas corporativos, armazenamento, expedição, finanças e controle e comparativo com marco regulatório internacional. Foi o que pode-se observar nas falas de Priscila Rito, da Divisão de Assuntos Regulatórios de Farmanguinhos; e Ricardo Creton, da Assessoria de Engenharia Industrial de Bio-Manguinhos. Creton explicou que com a resolução, os requisitos técnicos devem ser seguido e a menor unidade vai ter que receber um código identificador, para que a informação seja compilada. Como necessidades de adequação com a nova medida, ele citou a readaptação das linhas, análise de produtos, realização de treinamentos, além da compra de impressoras, scanners, leitores 2D, esteiras e câmeras. “Na produção, poderemos ter a redução da velocidade do processamento final”, acrescentou.
Já Priscila analisou os impactos da rastreabilidade e codificação nos produtos em transferência de tecnologia. “É sabido que produtos que entram no Brasil já precisarão estar adequados à nova legislação, além dos insumos. A impressão terá que ser feita no local de produção para ter rastreabilidade inicial de como o produto foi fabricado. Os desafios maiores são o gerenciamento dos produtos importados e da exportação”, reiterou.
De acordo com Creton, os principais impactos nos custos para os laboratórios públicos estão relacionados ao processo de aquisição de equipamentos, valor elevado da implantação do sistema completo em cada linha de processamento e armazenagem de estoque estratégico necessário para evitar o desabastecimento. Harmonizar as leis nacionais ao marco regulatório internacional é também um grande desafio, já que não há ainda um padrão comum para a rastreabilidade dos medicamentos.
Fortalecer para mudar
Diante dos desafios apresentados, o presidente da Alfob defendeu a necessidade de união dos laboratórios para melhor debater as mudanças. “Hoje os sistemas são tratados de maneira individualizada. Precisaremos de mais controle e gestão, para superar a falta de padronização de sistemas, equipamentos e infraestrutura que enfrentamos no Sistema Único de Saúde (SUS).
A mesma visão foi compartilhada pelo gerente de Garantia da Qualidade do Instituto Butantan, Maurício Miguel. “Teremos que rever procedimentos internos e focar os esforços na criação de um guia comum para o setor público, além de pensar em como vamos trabalhar com os parceiros externos”, afirmou.
Considerando a abrangência do território brasileiro e as necessidades específicas de cada programa na área de saúde, Gisele Corrêa, do Projeto de Gestão do Conhecimento em Bio-Manguinhos, abordou os impactos na rede de indústrias e distribuição. “No âmbito dos programas do Ministério, será preciso adequar os sistemas de controle e informação, definindo estratégias”, acrescentou.
Corrêa acredita que com a nova resolução, será possível integrar a rastreabilidade com os sistemas de informação dos programas de saúde já existentes, como o Cartão do Cidadão. Para os laboratórios, os prazos preocupam: até dezembro de 2015, 3 lotes deverão estar rastreados na cadeia e em dezembro de 2016, todos os produtos e movimentações também.
PNI , um desafio ainda maior
Para a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Carla Domingues, não basta ver a mudança apenas do ponto de vista tecnológico, especialmente pela complexidade que os projetos do Ministério possuem, à nível nacional. “Hoje oferecemos 43 insumos para cerca de 5600 municípios, entregamos vacinas de balsa, em locais que nem mesmo tem internet, pois apenas 1200 municípios contam com esta tecnologia no serviço de saúde. É preciso pensar que o problema da vacina vai muito além da entrega, por isso, necessitamos de mais tempo para nos adaptar e implantar as novas diretrizes”, declarou.
Para o diretor substituto da Central Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), é preciso debater mais com a Anvisa como a mudança será, sendo ideal dividí-la em etapas. Também presente na mesa de encerramento, a representante da Diretoria de Administração da Fiocruz (Dirad) e membro do programa Farmácia Popular, Cristiane Sendim acredita que as desigualdades nos sistemas de infraestrutura podem ser um obstáculos a adoção da rastreabilidade no país.
No encerramento do encontro, o assessor técnico da VPPIS, Jorge Costa, agradeceu a presença do Ministério, Anvisa e parceiros e lembrou a importância de manter o debate vivo. “Com a Alfob e o Comitê Gestor vamos dimensionar as necessidades de infraestrutura e criar uma agenda de trabalho operacional, para estabelecer as interfaces que se fazem necessárias no setor público”, concluiu.
Jornalistas: Isabela Pimentel e Paulo Schueler