Paulo Gadelha e Wilson Savino*
A percepção pública sobre as ciências e a capacidade de influenciar as políticas para seu desenvolvimento são condições essenciais da cidadania. Em especial, é no campo das implicações éticas que esse desafio é imperativo. A experimentação animal é, nesse sentido, um caso exemplar.
Temos convivido com rejeição de algumas parcelas da sociedade ao uso de animais na ciência. Muitas vezes, estes movimentos encontram ressonância também no ambiente jurídico. Há grandes expectativas por um mundo em que o uso de animais para a experimentação científica não seja necessário. A comunidade científica também compartilha deste desejo. Mas muita desinformação ainda vigora.
Em particular no campo da saúde humana, o uso de animais permanece imprescindível para a elucidação de processos biológicos, a descoberta de novos medicamentos, vacinas e tratamentos. O aumento na expectativa e a melhoria na qualidade de vida que vemos na população se devem, em muito, às inovações médicas que dependeram e ainda dependem, em grande parte, do uso de animais.
Para o futuro, é impossível elucidar o funcionamento do cérebro, os mecanismos das doenças neurodegenerativas, a exemplo do Alzheimer, e garantir a eficácia de novos tratamentos para essas doenças que estarão cada vez mais presentes com o envelhecimento da população, sem o uso de animais.
É mito a ideia de que todas as pesquisas poderiam abrir mão do uso de animais. A ciência tem investido no desenvolvimento de métodos alternativos, como o cultivo de células e tecidos e os modelos virtuais que recorrem à bioinformática para prever as reações dos organismos.
Mas estamos longe de uma solução que reproduza de forma precisa as complexas interações do organismo: estes métodos são aplicáveis só em determinadas etapas e em situações específicas. A ciência brasileira também integra este empenho. Um exemplo disso é a criação do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos, que a Fiocruz lidera em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Outro mito é a ideia de que os cientistas utilizam animais de forma indiscriminada. Além do imperativo ético, o uso responsável e o foco no bem-estar dos animais são exigências legais. A ciência está submetida a diversas instâncias de regulamentação e a rigoroso controle das atividades de pesquisa. A redução do sofrimento por meio do uso de anestésicos e analgésicos, a escolha de técnicas adequadas e a necessidade de acompanhamento por veterinários são protocolos obrigatórios. Com foco na tríade substituição-redução-refinamento, o uso só é permitido quando não há alternativa conhecida, autorizando-se o menor número de animais necessário para resultados válidos e buscando-se, sempre que possível, o refinamento de técnicas e procedimentos para resultados mais precisos.
Parar a experimentação animal em pesquisas significaria um retrocesso para a ciência e uma perda para a saúde da população e para o próprio campo da veterinária. Cabe aos pesquisadores e às instituições manterem o compromisso de responsabilidade e ética com os animais, firmes no propósito de beneficiar a sociedade.
*Paulo Gadelha é presidente da Fiocruz e Wilson Savino é diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). Texto originalmente publicado no jornal O Globo em 14/7/2014.
Fonte: Fiocruz