Durante o mês de junho em Genebra realizou-se o Colloquium de professores de Propriedade Intelectual, organizado, conjuntamente, pela Organização Mundial do Comércio e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. A cada ano o binômio OMC-OMPI elege professores da seara do direito imaterial para debaterem tópicos tipicamente nacionais, com repercussão transnacional, e tal encontro acaba sendo uma das fontes mais profícuas para um conhecimento de outras realidades.


No entanto, em que pese ambos os órgãos internacionais se juntarem para a promoção do seminário, cada um deles lida com a propriedade intelectual de maneira bem distinta. Nesse sentido, a OMPI administra uma série de tratados especializados (dentre os quais vale ressaltar a Convenção União de Paris, a Convenção de Berna, e o PCT – “Patent Cooperation Treaty”) harmonizadores. De outro lado, a OMC trata e administra a propriedade intelectual num anexo de seu Acordo constitutivo, denominado ADPIC ou TRIPS, com um enfoque uniformizador (ou seja, bem menos libertário do que a OMPI) na premissa de que tal facilitaria o “livre comércio internacional”.


Discursos ao lado, após inúmeras apresentações de seus representantes, ficou nítido o intuito das instituições de colonizar o imaginário dos professores convidados de um viés marcadamente proprietário, sempre ao lado do titular dos direitos. Explica-se: classicamente a propriedade intelectual sempre foi erguida à satisfação dos interesses proprietários, e, hodiernamente, outros focos têm sido relevados, em especial o Estado (comprador monopsomista em certos setores), os consumidores e os concorrentes.


A principal diferença entre os órgãos é a importância relevada aos demais pólos da equação, posto que a OMC, ainda, observa – com maior importância – o papel da liberdade no mercado, e, portanto, protege a concorrência. Por outro lado, a OMPI insiste em enfatizar nos benefícios de novos Tratados (Indicações Geográficas, Desenhos Industriais et alii) que utilizem de seu sistema informacional e vinculativo, na “promoção da expansão da propriedade intelectual”.


Em comum entre ambas instituições apenas o destaque dado à suposta necessidade de globalização das políticas públicas, elaboradas através de textos legais nacionais que exprimam a “neutra vontade do mercado”, e do fluxo de interesses. No “plano mágico” que condensam e tentam exportar aos seus integrantes (os países membros), a aproximação de conteúdo legislativo dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos com aqueles dos países desenvolvidos aumentaria o nível de investimentos mundo afora.


A globalização e uniformidade de textos, com um parâmetro ascendente do nível de tutela (prazo, escopo, e diluição de exigências), é a pauta do dia, com a promessa de desenvolvimentos utópicos para a legitimação do discurso proprietário. No entanto, já advertia Eros Roberto Grau que “a globalização ameaça a sociedade civil, na medida em que: (I) está associada a novos tipos de exclusão social, gerando um subproletariado (underclass), em parte constituído por marginalizados em função da raça, nacionalidade, religião ou outro sinal distintivo; (II) instala uma contínua e crescente competição entre os indivíduos; (III) conduz à destruição do serviço público (= destruição do espaço público e declínio dos valores do serviço por ele veiculados). Enfim, a globalização, na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade”.


Portanto, o que está em xeque é o pouco da liberdade que restou após tantas obrigações voluntariamente assumidas por países que, ainda, não promovem o seu bem-estar social ao mesmo tempo e proporção em que majoraram os parâmetros de direitos na propriedade intelectual. E tal liberdade é atacada, primeiramente, no plano ideológico quando o discurso neoliberal estigmatiza caminhos paralelos e distintos daquilo que alcunha como “progresso”.


Como o “caminho para o desenvolvimento” levaria a uma “trilha” de modelo-único, o trampolim econômico para os players hipossuficientes (eufemismo para países com menor disponibilidade de capital e maiores problemas sociais) seria adotar o padrão maximalista dos países-modelo. Nada mais equivocado. As crises do momento demonstram que o capitalismo-neoliberal e seus especuladores são “apátridas”, e que muitos dos países que não foram contagiados pelos efeitos nefastos dos oportunistas de plantão foram exatamente aqueles que mantiveram os textos e políticas legislativas empaticamente vinculados às necessidades nacionais.


Historicamente, a maior prova do “faça o que eu diga, mas não faça o que eu faço” é a Suiça. Sempre alheia às alianças militares, indiferente a pressões para uniformidade de câmbio, e sobranceira a tratados internacionais sobre práticas bancárias e transparência pecuniária, apenas passou a endossar o coro da exportação da uniformidade de tutela na propriedade intelectual quando sua indústria nacional estava preparada.


Mas não estamos sós nessa batalha contra o imperialismo da propriedade intelectual. Na coincidência ideológica e política com os irmãos, entre todos, da Índia, Argentina e África do Sul, os próximos anos serão marcados por uma lenta guerra acerca do paradoxo “bélico” artificialmente forjado entre a liberdade (política, jurídica e econômica), que a todos deveria cortejar, e a propriedade que a poucos “coube” intitular.


Pedro Marcos Barbosa é mestre em Direito Civil, especialista em Propriedade Intelectual, professor da Graduação e Pós-Graduação em Direito da PUC-RIO, sócio de Denis Borges Barbosa Advogados, eleito Diretor Cultural do IAB para o biênio 2012-2014.


Fonte: JGN

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