Definitivamente o governo brasileiro não está dando à questão da propriedade intelectual a atenção que ela merece, nestes tempos de economia do conhecimento e globalização. A despeito dos esforços do Ministério das Relações Exteriores – MRE e do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Internacional – MDIC em colocar a questão nos trilhos, seja no plano conceitual da legislação nacional e dos acordos internacionais, seja no plano da prática processual, leia-se desempenho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, o sistema não vem recebendo o apoio que precisa e merece por parte de outros órgãos do Governo.
O descaso vem de longe, começando com a inexplicável demora na nomeação da nova administração, prosseguindo com a manutenção de uma injustificável burocracia a tolher as ações do Instituto, tão necessitado de agilidade na tomada e execução de suas decisões e culminando com a reprovável retenção pelo Ministério da Fazenda das verbas arrecadadas pelo órgão para a correta e eficiente prestação de seus serviços.
O sistema internacional de propriedade intelectual, sobretudo após a Rodada Uruguay e sua vinculação aos tratados de comércio via o acordo ADIPC (TRIPS), ganhou um relevo excepcional para as questões do desenvolvimento, relevo cujos contornos finais ainda não estão definidos. Os países desenvolvidos lutam para uma maior extensão na concessão dos privilégios, aliada a um maior rigor em sua aplicação, enquanto que os países em desenvolvimento travam uma batalha de vida ou morte para suas ambições de progresso, ameaçados no processo pelo obstáculo das patentes.
O governo indubitavelmente acertou ao nomear uma equipe mais competente e mais sintonizada com os interesses nacionais, mas vem falhando fragorosamente em prover os meios e remover os obstáculos à ação mais eficiente e eficaz do INPI, de que tanto se necessita.
O INPI, como seus congêneres estrangeiros, não pode prescindir de um corpo técnico competente e dos meios adequados para cumprir as suas funções. Afinal, ele é o órgão do governo responsável pela concessão de privilégios que não só interessam aos inventores que dele se servem, mas interessam principalmente a toda Nação que, em última análise, é quem arca com as conseqüências da concessão dos monopólios temporários, goste-se deles ou não.
Um órgão com tais funções, enfrentando a herança terrível de uma montanha de processos atrasados e um crescente dinamismo no ritmo de novos pedidos, cada vez mais complexos, não pode ficar sujeito às restrições mesquinhas e injustificáveis de uma burocracia obtusa que leva meses, quiçá anos, para aprovar um concurso para a contratação de novos analistas. Não há, nem houve, um único argumento contrário a tal concurso, ninguém com algum conhecimento na área que fosse capaz de levantar um solitário argumento contrário à necessidade de tal contratação e, no entanto, o processo arrastou-se por meses à fio. Longe de isolado, o caso das contratações é apenas um dos exemplos de como anda emperrada a administração do INPI.
Infelizmente o nó da questão não está na Praça Mauá, mas na Esplanada dos Ministérios. Todos os Institutos de patentes do mundo enfrentam os mesmos tipos de dificuldades, alta carga de trabalho, complexidade crescente dos pedidos, mudanças na legislação, novas áreas de patenteabilidade e por aí vai. Problemas há, aqui como lá. A diferença entre nós e eles está nas soluções adotadas para enfrentá-los.
O Patent Office inglês foi transformado em agencia no início dos anos 90, foi capitalizado pelo governo e aufere até mesmo rendas de aplicações financeiras em complementação a retribuição que recebe dos usuários pelos seus serviços. Trabalha com planejamento de longo prazo e presta contas ao governo pelo seu desempenho, mas tem liberdade administrativa de atuação. O INPI francês não é muito diferente. Trabalha com contrato de gestão com o governo, tem liberdade de atuar e presta contas a posteriori. Se não conseguir atingir as metas acordadas, nem justificar os resultados, muda a administração. O USPTO americano tem ampla liberdade de atuação, mas responde ao Senado dos EUA por seu desempenho. Em 1999 montou um plano de ação para o cenário do Século XXI. Este plano foi amplamente discutido por toda a sociedade, via uma comissão especial do Senado. O que resultou destas discussões, um plano revisado, é o que está agora sendo cumprido.
Todos estes escritórios estão trabalhando aceleradamente para fazer face aos desafios. Todos modernizaram sua infra-estrutura, informatizando ao máximo suas operações, construíram novas sedes adaptadas às novas tecnologias e, sobretudo, adequaram numericamente suas equipes e adotaram fortes esquemas de capacitação para seus integrantes. A maioria delas possui programas de recrutamento permanente a fim de manter suas equipes de analistas sempre atualizadas. O Escritório Europeu de Patentes, apesar das dificuldades de atuar sob uma coalizão de países, segue a mesma cartilha, trabalha para alcançar objetivos, e não para meramente atender a normas burocráticas.
A receita não é nova: planejamento de longo prazo, fixação de objetivos, meios adequados para execução e cobrança de resultados. O fato de não segui-la é uma boa explicação para sermos um eterno país em desenvolvimento.