REVISTA FACTO
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Informando ABIFINA • Março 2006 • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Davos e a mão visível do Estado

Ocorreu no final de janeiro mais um dos conhecidos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, evento que vem sendo sistematicamente realizado na cidade de Davos, Suíça, desde o início dos anos 90, tendo por objetivo examinar a evolução da economia dos países que formam o atual sistema globalizado.

Já na primeira edição do fórum ocorreu a entronização de um “Deus Mercado”, apresentado como a única solução para todos os problemas econômicos dos diferentes países, desde a erradicação da miséria, eliminação dos estigmas sociais até o pleno e igualitário desenvolvimento de todas as nações. A partir daí, o que se ouviu como recomendação cingiu-se apenas à redução da presença do Estado na economia via privatizações e desregulamentações, deixando que todas as decisões sobre política econômica (inclusive o crescimento dos países menos desenvolvidos) proviessem da livre interação das forças de mercado. Cabe destacar uma máxima, muito repetida pelos nossos economistas tupiniquins: “a melhor política industrial é não ter política industrial”.
Em 1776, Adam Smith publicou sua célebre obra conhecida como “A riqueza das Nações” quando, com propriedade, introduziu um conceito fundamental sobre a livre organização de mercado. Segundo ele, na interação entre indivíduos em um mercado livre, apesar da inexistência de uma entidade formalmente constituída dedicada à coordenação desse relacionamento, sempre resulta um ordenamento natural da atividade econômica, que expressa uma racionalidade como se fora resultante da ação de uma “mão invisível do mercado”.
A obra analisou a natureza e as causas da riqueza das nações à época, constituindo-se num clássico da teoria econômica válido até hoje, apesar da sofisticação da economia, dos avanços tecnológicos e das naturais contradições surgidas nessa área.
Deve ser ressaltado, no entanto, que o pressuposto básico do conceito criado por Adam Smith é a existência de um mercado onde os agentes econômicos ajam livremente, sem a interferência dos governos mas em ambiente de oferta atomizada, ou seja, de concorrência perfeita. Trata-se, obviamente, de uma situação ideal, utópica, que apenas uma leitura apressada e estreita dessa grande obra poderia levar a um completo endeusamento do mercado, numa condenação absurda de importantes iniciativas de governos, absolutamente necessárias para se alcançar o desenvolvimento econômico e a redução das assimetrias sociais.
Em realidade, como bem mostra o modelo asiático – melhor difundido é o caso coreano –, alocações mais eficientes de recursos devem ser feitas na área de crédito de forma a atender prioridades estratégicas de Estado, visando acelerar o processo de industrialização do país e se alcançar uma forte presença do setor produtivo no comércio internacional. Isso porque, devido às imperfeições do mercado e ao porte muito limitado das empresas localizadas nos países em desenvolvimento, a simples interação dos agentes econômicos em mercado livre não é suficiente para assegurar-lhes uma eficiente alocação de recursos no nível requerido para se atingir um crescimento econômico sustentado.
Distintamente do enunciado pelo “laissez-faire” revivido pelos neoliberais ao longo dos anos 90, no desenvolvimento econômico do leste asiático, o Estado teve um desempenho extremamente positivo. Na Coréia, por exemplo, o governo exerceu uma efetiva parceria com empresas locais, não sendo visto como uma instituição hostil ao mercado, na forma comumente divulgada pelos fiéis seguidores do Consenso de Washington. Pelo contrário, tais parcerias sempre formaram partes integrantes do sistema produtivo interno, convivendo com outras empresas privadas em mercado aberto e plenamente competitivo internacionalmente. Mas para o sucesso do modelo coreano no Brasil seria requerido: (a) a definição de um planejamento estratégico de Estado (não de um único governo), de caráter plurianual e direcionado ao desenvolvimento de unidades produtivas locais para atender mercados externos; (b) o Estado contar com uma burocracia não menos competente do que aquela disponível pelo setor privado; (c) sólida vontade política da nação como um todo.
Modelo parecido ao coreano foi usado durante o período militar no Brasil (anos 70), através do modelo tripartite aplicado com sucesso na implantação da indústria petroquímica – com liderança empresarial exercida pela PETROQUISA, associada a grupos privados, sustentados por um BNDES ágil e flexível.
Em meados dos anos 80 se pretendeu estender esse modelo para a química fina. Novamente o BNDES apareceu atuando na área de crédito – indiretamente, a PETROQUISA via seus vínculos com a NORQUISA – e liderou empreendimentos privados, apoiados pelo poder de compra do Estado representado pela Central de Medicamentos (CEME), para desenvolvimento tecnológico via CODETEC e outros Centros de P&D espalhados pelo Brasil. Cinco anos após nascer esse plano de desenvolvimento industrial e quando começavam a surgir os primeiros resultados positivos dessa benéfica política, sob inspiração do Consenso de Washington, o governo, emergido das urnas em 89, literalmente demoliu o modelo, levando ao encerramento do processo produtivo em mil unidades industriais e a cancelar a execução de quinhentos projetos na área da química fina.
Coréia e Índia não acompanharam essa tétrica guinada do governo brasileiro, assim como a China nunca aceitou candidamente os embalos do cântico do Consenso de Washington. Como resultado disso, hoje Davos consagra essas nações asiáticas como prioridades para investimentos do mundo capitalista – se fossem japoneses, os “neoliberais tupiniquins”, que tão ardorosamente apoiaram a forma irresponsável da abertura do mercado interno nos anos 90, teriam que se desculpar publicamente pelo equívoco cometido.
Esta última edição do fórum de Davos nos permite concluir que, para se atingir o desenvolvimento econômico sustentado do Brasil, é imprescindível a mão invisível do mercado, mas ela deve ser apoiada pela mão visível do Estado.

“… o pressuposto básico do conceito criado por Adam Smith é a existência de um mercado onde os agentes econômicos ajam livremente, sem a interferência dos governos e em ambiente de oferta atomizada, ou seja, de concorrência perfeita.”

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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