REVISTA FACTO
...
Informando ABIFINA • Janeiro 2006 • ISSN 2623-1177
2024
75 74
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
//Entrevista Daniel Agostinho Faraco

O parlamento vale a pena?

O agravamento das sucessivas crises institucionais que se abatem sobre o Congresso Nacional, agora atingindo fortemente princípios éticos que deveriam ser indissociáveis da política, levanta a questão: o Parlamento vale a pena?

Os defeitos de determinado Parlamento, por graves que sejam, não eliminam seu caráter indispensável para tornar efetivo o regime democrático. Não há democracia sem parlamento, nem parlamento sem democracia. O que há de essencial na democracia é a participação do povo no seu próprio governo. E até agora não se descobriu forma melhor de participação, que a proporcionada por um colegiado no qual o pensamento do povo, em matéria de governo, seja expresso com relativa fidelidade e, além disso, corresponda às variações desse pensamento no tempo. A pior das câmaras – disse Camillo Benso di Cavour – é melhor que a melhor das antecâmaras.

Um Congresso Nacional essencialmente político e deliberativo, desprovido de maiores compromissos com a exeqüibilidade orçamentária de suas leis, não se constitui instrumento anacrônico no atual mundo globalizado?

Os principais problemas do mundo globalizado, são os de caráter econômico-financeiro. E a solução deles exige não apenas o emprego de técnicas adequadas, mas ainda e muito, a sua viabilização política e social. Não se espera que o Parlamento formule as soluções técnicas. Esse papel cabe ao Poder Executivo que, para tanto, deve dispor de assessoria e aparelhamento apropriados. O que compete ao Parlamento é habilitar-se a bem avaliar a procedência técnica dessas soluções, introduzindo, se necessário, emendas que as melhorem, e promover para o resultado, esclarecimento e o apoio da opinião pública. Esse papel continua atual e, pode-se dizer, mais importante do que antigamente.
 
A responsabilidade solidária pela execução daquilo que se decide não seria a forma mais responsável e eficaz de gestão da coisa pública?

A resposta é plenamente afirmativa. O princípio da independência dos poderes, apesar da ressalva de que devem ser harmônicos entre si, na prática os separa e até opõe, levando-os a conduzir-se como se cada um deles governasse um país diferente. Esse é, por certo, o maior defeito do presidencialismo, no qual as divergências entre os poderes, inevitáveis e até freqüentes, são de solução difícil e podem degenerar em crises, cujo desfecho chega a ser traumático.

Considerando que o Congresso Nacional representa a sociedade na qual se insere, quais os motivos que asseguram ser o Parlamentarismo um sistema político melhor que o Presidencialismo?

Tanto o Presidencialismo quanto o Parlamentarismo são sistemas de governo imperfeitos, pois imperfeita é a própria democracia. Não foi sem razão que Churchill declarou ser a democracia o pior dos sistemas de governo, apenas melhor do que todos os outros. As vantagens do Parlamentarismo residem em sua capacidade de adaptar-se às variações, quer das circunstâncias, quer da forma pela qual atua o Governo e, mais especificamente, o Parlamento. O Parlamento é, nas democracias, a instituição que, como já foi dito, melhor representa o pensamento do povo e suas variações. Não seria possível, entretanto, resolver, com um colegiado numeroso, os problemas nacionais, cuja solução requer unidade de orientação na mutação das circunstâncias do dia-a-dia. Por tal motivo, é cometido ao Parlamento o encargo de escolher um Gabinete, ou seja, um colegiado menor, com funções executivas. O Gabinete, porém, não é uma mera delegação do Parlamento, obrigado a pautar suas funções pelo que, em cada caso, decidam os parlamentares. É uma entidade autônoma, cujo mandato só pode ser revogado se e quando o Parlamento lhe retira a confiança, em decisão revestida de normas que a precavenham contra o imediatismo e manobras espúrias. A substituição de um Gabinete por outro, pode recompor o equilíbrio político, mas se não o fizer, cabe ao Presidente da República – que não é Chefe de Governo e sim Chefe de Estado e, como tal, Magistrado imparcial – dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Em tal sistema, as crises não se eternizam, como no Presidencialismo, mas são superadas pela decisão do eleitorado.
 
Não estaria no sistema partidário existente no Brasil a grande causa dos desvios de conduta parlamentar? A reforma política não deveria ser iniciada pelos partidos políticos?

A questão que as perguntas colocam é a da composição do quadro parlamentar. Tal composição depende muito dos processos eleitorais e da forma pela qual funcionam os partidos políticos. Há consenso geral quanto à necessidade de reformar o atual sistema partidário e eleitoral. Não parece viável, entretanto, construir um sistema capaz de remover, desde logo, todos os atuais defeitos, tantas são as divergências que a matéria provoca. Resta tentar, com paciência e perseverança, ir removendo as deficiências mais graves. Não será tarefa fácil, nem suscetível de ser ultimada de uma vez e rapidamente.
 
Ainda é possível se sonhar com um Parlamento que produza admiráveis debates sobre relevantes temas nacionais, como se verificou nos anos 50 na questão do petróleo, que levaram à criação da PETROBRAS – esse orgulho nacional?  

Venho sustentando, desde o tempo em que exerci o mandato de Deputado Federal, que não se pode confundir o admirável processo de tomada de consciência da evolução dos problemas nacionais – e nisso consiste o debate parlamentar – com uma coleção de discursos, eloqüentes ou não, sobre temas pontuais. Essa tese foi amplamente discutida no livro “Parlamento, vale a pena”. Em seu clássico “Parliamentary Government in England” Harold Laski resume, como segue, seu pensamento a respeito: ”Um debate parlamentar é apenas uma parte de um longo e cumulativo processo, do qual nenhuma peça isolada tem provavelmente importância por si mesma. No que tem de essencial, na verdade, é ele constituído de trabalho sóbrio e não dramático.” 

Daniel Agostinho Faraco
Daniel Agostinho Faraco
De 1946 a 1978, ocupou diversas funções públicas. Autor dos livros parlamento vale a pena? E o Parlamentarismo?, A Economia no Quotidiano e A Economia em Desalinho.
Anterior

Patentes: tempo de crise, tempo de mudança

Próxima

Avaliação de desempenho do setor em 2005 face à atual política industrial, tecnológica e de comércio exterior