O agravamento das sucessivas crises institucionais que se abatem sobre o Congresso Nacional, agora atingindo fortemente princípios éticos que deveriam ser indissociáveis da política, levanta a questão: o Parlamento vale a pena?
Os defeitos de determinado Parlamento, por graves que sejam, não eliminam seu caráter indispensável para tornar efetivo o regime democrático. Não há democracia sem parlamento, nem parlamento sem democracia. O que há de essencial na democracia é a participação do povo no seu próprio governo. E até agora não se descobriu forma melhor de participação, que a proporcionada por um colegiado no qual o pensamento do povo, em matéria de governo, seja expresso com relativa fidelidade e, além disso, corresponda às variações desse pensamento no tempo. A pior das câmaras – disse Camillo Benso di Cavour – é melhor que a melhor das antecâmaras.
Um Congresso Nacional essencialmente político e deliberativo, desprovido de maiores compromissos com a exeqüibilidade orçamentária de suas leis, não se constitui instrumento anacrônico no atual mundo globalizado?
Os principais problemas do mundo globalizado, são os de caráter econômico-financeiro. E a solução deles exige não apenas o emprego de técnicas adequadas, mas ainda e muito, a sua viabilização política e social. Não se espera que o Parlamento formule as soluções técnicas. Esse papel cabe ao Poder Executivo que, para tanto, deve dispor de assessoria e aparelhamento apropriados. O que compete ao Parlamento é habilitar-se a bem avaliar a procedência técnica dessas soluções, introduzindo, se necessário, emendas que as melhorem, e promover para o resultado, esclarecimento e o apoio da opinião pública. Esse papel continua atual e, pode-se dizer, mais importante do que antigamente.
A responsabilidade solidária pela execução daquilo que se decide não seria a forma mais responsável e eficaz de gestão da coisa pública?
A resposta é plenamente afirmativa. O princípio da independência dos poderes, apesar da ressalva de que devem ser harmônicos entre si, na prática os separa e até opõe, levando-os a conduzir-se como se cada um deles governasse um país diferente. Esse é, por certo, o maior defeito do presidencialismo, no qual as divergências entre os poderes, inevitáveis e até freqüentes, são de solução difícil e podem degenerar em crises, cujo desfecho chega a ser traumático.
Considerando que o Congresso Nacional representa a sociedade na qual se insere, quais os motivos que asseguram ser o Parlamentarismo um sistema político melhor que o Presidencialismo?
Tanto o Presidencialismo quanto o Parlamentarismo são sistemas de governo imperfeitos, pois imperfeita é a própria democracia. Não foi sem razão que Churchill declarou ser a democracia o pior dos sistemas de governo, apenas melhor do que todos os outros. As vantagens do Parlamentarismo residem em sua capacidade de adaptar-se às variações, quer das circunstâncias, quer da forma pela qual atua o Governo e, mais especificamente, o Parlamento. O Parlamento é, nas democracias, a instituição que, como já foi dito, melhor representa o pensamento do povo e suas variações. Não seria possível, entretanto, resolver, com um colegiado numeroso, os problemas nacionais, cuja solução requer unidade de orientação na mutação das circunstâncias do dia-a-dia. Por tal motivo, é cometido ao Parlamento o encargo de escolher um Gabinete, ou seja, um colegiado menor, com funções executivas. O Gabinete, porém, não é uma mera delegação do Parlamento, obrigado a pautar suas funções pelo que, em cada caso, decidam os parlamentares. É uma entidade autônoma, cujo mandato só pode ser revogado se e quando o Parlamento lhe retira a confiança, em decisão revestida de normas que a precavenham contra o imediatismo e manobras espúrias. A substituição de um Gabinete por outro, pode recompor o equilíbrio político, mas se não o fizer, cabe ao Presidente da República – que não é Chefe de Governo e sim Chefe de Estado e, como tal, Magistrado imparcial – dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Em tal sistema, as crises não se eternizam, como no Presidencialismo, mas são superadas pela decisão do eleitorado.
Não estaria no sistema partidário existente no Brasil a grande causa dos desvios de conduta parlamentar? A reforma política não deveria ser iniciada pelos partidos políticos?
A questão que as perguntas colocam é a da composição do quadro parlamentar. Tal composição depende muito dos processos eleitorais e da forma pela qual funcionam os partidos políticos. Há consenso geral quanto à necessidade de reformar o atual sistema partidário e eleitoral. Não parece viável, entretanto, construir um sistema capaz de remover, desde logo, todos os atuais defeitos, tantas são as divergências que a matéria provoca. Resta tentar, com paciência e perseverança, ir removendo as deficiências mais graves. Não será tarefa fácil, nem suscetível de ser ultimada de uma vez e rapidamente.
Ainda é possível se sonhar com um Parlamento que produza admiráveis debates sobre relevantes temas nacionais, como se verificou nos anos 50 na questão do petróleo, que levaram à criação da PETROBRAS – esse orgulho nacional?
Venho sustentando, desde o tempo em que exerci o mandato de Deputado Federal, que não se pode confundir o admirável processo de tomada de consciência da evolução dos problemas nacionais – e nisso consiste o debate parlamentar – com uma coleção de discursos, eloqüentes ou não, sobre temas pontuais. Essa tese foi amplamente discutida no livro “Parlamento, vale a pena”. Em seu clássico “Parliamentary Government in England” Harold Laski resume, como segue, seu pensamento a respeito: ”Um debate parlamentar é apenas uma parte de um longo e cumulativo processo, do qual nenhuma peça isolada tem provavelmente importância por si mesma. No que tem de essencial, na verdade, é ele constituído de trabalho sóbrio e não dramático.”