Lembrando Ruy Barbosa, em discurso pronunciado no Senado da República no ano de 1914: “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Nada mais atual do que as palavras do mestre Ruy pronunciadas 90 anos atrás. De lá para cá, os políticos se esmeraram na tarefa de fielmente interpretarem a cristalina imagem de nosso homem público que fora defi nida por Ruy.
No ambiente político com representação partidária no Congresso Nacional, verifica-se que, além de não prosperarem os valores éticos e a virtude, aparentemente a formulação e o acompanhamento de políticas públicas não constituem matérias do seu interesse prioritário. São buscados, predominantemente, ganhos políticos para manter quem está no poder ou alcançá-lo pelos que dele foram apeados em eleições anteriores.
No âmbito do poder executivo, o que se vê é o distanciamento entre o discurso e a realidade que se constata. Em festiva solenidade, foi lançada uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior que deveria restaurar o processo de crescimento autônomo do País, eliminando-se o viés do laissez faire predominante nos anos 90. Para implementar essa política pública, foram criadas câmaras de debates contando com a participação das diversas agências do governo e representantes do setor privado nos, assim denominados, Fóruns de Competitividade de Cadeias Produtivas. Diagnósticos
foram feitos e sugestões objetivas, aprovadas por consenso, foram apresentadas ao poder público. Pouco, ou quase nada, resultou em providência efetiva – em muitos casos adotou-se o oposto do que foi sugerido.
Assim, no âmbito do transfer price – termo usado para indicar o valor que deva ser atribuído aos preços dos produtos objetos de transferências comerciais entre matriz e subsidiária, a Receita Federal nitidamente privilegia importações daqueles com maior valor agregado, visto que atribui uma carga tributária três vezes superior às matérias-primas do que aos produtos fi nais dentro de uma mesma cadeia produtiva. Isso não é uma política industrial às avessas?
Criou-se um Registro de Exportação (REX)para produtos agroquímicos destinados ao mercado externo que constitui um primor, em termos de exuberância burocrática. Mudar o título (marca) de um defensivo agrícola, para apresentá-lo em
linguagem compatível com a população a que se destina, sem qualquer alteração no seu conteúdo, exige todo um processo e
aprovação pelo Ministério da Agricultura. E se houver, ainda que ligeira, uma alteração na relação entre constituintes de uma formulação para atender requisitos especiais do mercado externo, tal fato irá demandar processos, exames e pareceres em três órgãos ministeriais. Talvez preocupados com a satisfação do consumidor lá de fora, não hesitam em protelar por anos o início de vitais operações de comercialização externa por empresas localizadas no Brasil. Isso não é uma política industrial e de comércio externo às avessas?
Os norte-americanos se valem, fartamente, do poder de compra do Estado com o objetivo de viabilizar a operação de empresas produtivas naquela grande nação, onde vigora uma legislação específica denominada Buy American Act. Até mesmo fardas de campanha para o exército são adquiridas em produtores locais, a despeito da China fabricá-las pela metade do preço. No Brasil, em vez de se usar tal procedimento para viabilizar pelo menos pelo ente público o desenvolvimento tecnológico e industrial da produção local de fármacos, o que se vê são todos os laboratórios ofi ciais comprando medicamentos pela Lei do Pregão, na base do menor preço e onde qualidade e isonomia tributária não constituem pré-requisitos. Isso não é uma política industrial e tecnológica às avessas?
E, last but not the least, informa-se que o governo brasileiro, lastreado em proposta do Ministério da Agricultura, decidiu propor ao Mercosul a redução das alíquotas de importação atribuídas aos defensivos agrícolas fabricados na região, privilegiando assim o produto similar fabricado fora do âmbito regional, iniciativa que sinaliza fortemente para a desindustrialização local. Em oposto a isso, há duzentos anos atrás, idéias de Jéferson e outros republicanos, representando os agricultores do sul dos Estados Unidos, levaram àquele país um grande conflito com o norte que se industrializava, guiado pelos ideais federalistas de Alessander Hamilton e que, vitoriosos, resultaram na prosperidade norte-americana dos dias atuais. Tais fatos históricos não servem para demonstrar que o país “essencialmente agrícola”, tão decantado em prosa e verso, é na realidade um retardatário dos modernos processos de industrialização das economias mundiais?
Tudo isso serve para demonstrar que as medidas implantadas pelos diferentes órgãos do governo federal vão na contramão da política industrial, tecnológica e de comércio exterior formulada pelo poder executivo, sem que isso sofra qualquer ressonância no Parlamento, a despeito dos alertas divulgados pelas entidades representativas do setor produtivo. A história define a única rota certa para o desenvolvimento econômico daquela nação que visa atingir o primeiro mundo, já claramente expressa por Alessander Hamilton no final do século XVIII: apoio à industrialização local, proteção ao mercado interno e estímulo ao desenvolvimento tecnológico e industrial do setor privado. Mais uma vez a ideologia agride o bom-senso. No início dos anos 90, era o cântico do Consenso de Washington, agora somos matizados pela solidariedade terceiro-mundista.