A análise da situação nacional feita pela mídia de massa apresenta um sem número de paradoxos. Um estrangeiro, que aqui chegasse com algum conhecimento do desempenho macroeconômico do Brasil e de seus principais indicadores sociais, certamente fi caria surpreso com a difusão generalizada da idéia de que a âncora que resta ao Presidente Lula para resistir à tempestade política é o sucesso do País no campo da economia e que seus principais fiadores são o Presidente do Banco Central e o Ministro da Fazenda.
Surpresa, em primeiro lugar, porque as linhas gerais da orientação econômica do BC e do MF não vêm do Presidente Lula, são anteriores a ele, e em segundo lugar porque esta orientação, em tantos e tão importantes pontos equivocada, é a principal responsável pelo longo período de pífi o crescimento nos indicadores de desenvolvimento do País, desenvolvimento que, afinal, é o que interessa a um país, qualquer país.
Entre 1990 e 2004, a evolução do PIB per capita, a preços de 2004, foi de apenas 14,4%, menos de 1%, na média dos quinze anos, e a desigualdade cresceu, aumentando o percentual de pobres e remediados. A taxa de investimento global da economia oscilou entre 17 e 21%, pouco acima da necessária para cobrir a depreciação dos ativos, o que hoje mostra seus efeitos no péssimo estado de conservação da nossa infra-estrutura, sobretudo de transportes. As diretrizes do chamado “Consenso de Washington”, que em geral foram adotadas pelos mentores da política econômica do Brasil desde 1990, mostraram-se equivocadas e contraproducentes para os países em desenvolvimento e foram, há algum tempo, abandonadas por quase todo mundo, até mesmo pelos seus autores. Restou o Brasil.
Os louvores da mídia em relação à política econômica estão centrados no controle da inflação, que é inegavelmente um fato positivo. Ocorre que há outros pontos de fragilidade econômica extremamente importantes, especialmente o grau de endividamento. A capacidade de pagar o serviço da dívida e manter o principal sob controle são itens relevantes na análise da economia de um país, e o elevado nível de nosso “risco país” vem daí.
O Banco Central e o Ministro da Fazenda certamente erraram a mão no balanço entre o combate à infl ação e o controle da dívida, adotando uma política de juros absurdamente altos que expandiu a dívida e travou o desenvolvimento. Por força desta política infeliz, estamos gastando mais de 8% do PIB apenas para servir à dívida. Como o superávit primário é de pouco mais de 5%, a dívida cresce inexoravelmente. No indicador de “Serviço da Dívida como porcentagem das receitas de exportação”, incluído nas Metas do Milênio e apurado pela ONU, estamos com 38,6%, só abaixo de Burundi e Líbano, e na mesma faixa de Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru e… Belize. Em resumo: fragilidade em função da dívida, baixo crescimento do PIB per capita, desindustrialização em setores dinâmicos e de alta tecnologia, desemprego elevado, renda real do trabalho em queda, desigualdade crescente.
Chamar isto de política econômica bem-sucedida parece um certo exagero, que fica mais evidente quando se vê o MF continuar a dificultar outras iniciativas governamentais em prol do desenvolvimento do País.
Veja-se, por exemplo, o boicote da Fazenda às medidas de desenvolvimento promovidas pelo MDIC, no bojo da política de desenvolvimento industrial, tecnológico e de comércio exterior; ou as destrambelhadas intervenções na questão das negociações internacionais sobre tarifas e comércio, que tão bem vêm sendo conduzidas pelo pessoal do Itamaraty; ou ainda a falta de entusiasmo em dar suporte à saudável política de desenvolvimento energético que vem sendo gerada no MME.
Os números favoráveis do comércio exterior brasileiro ainda repousam basicamente no desempenho de itens primários e semi-manufaturados, que tiveram crescimento de demanda e melhoria de preços fundamentalmente em função do comércio Sul-Sul, impulsionados por China e Índia. Esta situação valida a política geral do MRE de diversifi car mercados para fugir do posicionamento Protecionista dos países desenvolvidos em relação a produtos primários, sobretudo de origem agrícola, política a qual o MF torce o nariz, obcecado pela idéia caduca de que a redução de tarifas traz a bonança econômica. Não trouxe e, por si só, desvinculada de ações em prol do desenvolvimento, nunca trará.
A análise da pauta de importações brasileiras mostra claramente a fragilidade nacional em produtos químicos, farmacêuticos, eletroeletrônicos, petróleo e petroquímicos, e o MDIC e o MRE, coerentemente, focaram suas iniciativas no desenvolvimento destes setores, não apenas com a velha prática de importação de tecnologias para substituir importações via fabricação local, mas agora introduzindo novas diretrizes, como a de fomento à inovação, por exemplo. Estas políticas foram gestadas em forte interação com as classes empresariais e setores da academia e gozam de respaldo público. Na sua implementação, o adversário a vencer é mais uma vez a miopia da Fazenda e seu horror aos gastos do desenvolvimento, que iriam diminuir os recursos para pagar juros, aparentemente a atividade predileta dos seus formuladores políticos. É pouca âncora para muita tempestade.