Depois de um longo período de paralisia, o Brasil retoma a política industrial com toda força, juntando esforços de diferentes setores da economia, da sociedade civil e de diversos entes do governo. Vivemos um momento de articulação sem precedentes, marcado por estudo e planejamento, impulsionado ainda mais pela conjuntura externa instável que reforça a necessidade de políticas públicas desenvolvimentistas. Ainda assim, nos ronda o receio de que esta seja mais uma onda passageira. Surge, então, a questão central desta edição da FACTO: como transformar a Nova Indústria Brasil (NIB) em uma política de Estado perene?
Grande parte dos conteúdos aqui reunidos aponta que estamos no caminho certo. Estudos mostram que regras de financiamento previsíveis, distribuição de poder, construção de consensos, rotinas de cooperação, coordenação federativa em sistemas como o Sistema Único de Saúde (SUS) e instrumentos que permitem rastrear resultados são fatores decisivos para a longevidade das políticas públicas. Esses elementos são identificados na NIB, conforme as reportagens, os artigos e a entrevista que compõem esta edição.
A Matéria Política mostra a amplitude do movimento atual, que combina investimentos públicos e privados em níveis recordes. São R$ 516 bilhões disponíveis até 2026 para 258 mil projetos em diversos segmentos industriais, com articulação de bancos e instituições públicas de fomento como Finep, BNDES, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. A atuação é coordenada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), porém reunindo outros ministérios, além de representantes da sociedade civil, setor produtivo – ABIFINA, inclusive – e trabalhadores.
Entre as prioridades dos investimentos, destacam-se vacinas, biofármacos, tecnologias de RNA mensageiro, desenvolvimento de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), abordagem de doenças negligenciadas e uso de inteligência artificial na saúde. É um esforço para consolidar a base industrial, promover inovação incremental e impulsionar tecnologias portadoras de futuro.
A NIB já se mostra efetiva em atrair também o investimento privado. Apenas na missão relacionada ao setor de saúde, o Governo Federal estimava, em fevereiro deste ano, cerca de R$ 39,5 bilhões em recursos privados no balanço de um ano da política. O impacto se reflete entre os associados da ABIFINA, que avançam em planos de desenvolvimento de medicamentos, parcerias com centros de pesquisa, ampliação da capacidade produtiva e de P&D e contratação de mão de obra qualificada.
Soma-se a esse cenário a retomada das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e a criação do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL). O Setorial Saúde detalha a importância dos novos projetos de PDP aprovados para associados da ABIFINA, iniciativas que atacam problemas críticos da saúde pública e comprovam a capacidade de realização da indústria nacional quando trabalha em sinergia com laboratórios públicos e centros de pesquisa.
Mas a pergunta que permeia toda a edição permanece: como garantir a continuidade dessas políticas? Especialistas e gestores públicos ouvidos pela FACTO destacam que a sociedade precisa perceber os benefícios de forma concreta, o que exige comunicação clara e transparente sobre resultados. Outros pontos fundamentais são a coordenação interinstitucional – que cria interdependências saudáveis – e a previsibilidade orçamentária, sem a qual nenhum planejamento sobrevive. Nesse sentido, a edição dos planos plurianuais da NIB representa um passo importante, firmando compromissos de longo prazo.
O envolvimento da sociedade civil também é essencial para consolidar a NIB como política de Estado. A ABIFINA está presente em espaços estratégicos de debate e formulação, como o CNDI, o Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis) e o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (Gipi). Essa interação entre governo, setor produtivo, academia e sociedade foi ressaltada na Entrevista desta edição pelo presidente da Finep, Luiz Antonio Elias. Ele destaca que o CNDI passou a exercer papel central na governança, articulação e monitoramento da política industrial, reunindo diferentes atores para garantir continuidade, legitimidade e coerência nas ações.
O debate se amplia nos artigos desta edição. O economista Renato Baumann mostra como o Brasil pode aproveitar oportunidades de cooperação com a China nas áreas de saúde e biotecnologia, sem abrir mão da autonomia produtiva. Já o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Morales analisa a experiência nacional em terapias gênicas do ponto de vista da tecnologia farmacêutica. E a reportagem sobre a startup brasileira Sante Science ilustra como nossa biodiversidade microbiana pode ser a base para inovações de ponta, como o desenvolvimento de produtos contra o câncer em animais.
Todos esses movimentos refletem uma evolução institucional que não ocorreu por acaso. Ela é fruto, em grande parte, da trajetória de 39 anos da ABIFINA, que tem se dedicado a fomentar debates e a cobrar políticas públicas voltadas à estruturação local da cadeia produtiva da química fina. A celebração de aniversário deste ano foi um marco de reconhecimento desse trabalho, evidenciando o papel central que a associação desempenha para que avanços institucionais sejam possíveis.
Transformar a NIB em política de Estado exige visão de longo prazo, previsibilidade, governança inclusiva e capacidade de articulação. Ao lado de seus associados e parceiros institucionais, a ABIFINA seguirá desempenhando papel decisivo para que o Brasil consolide uma indústria mais robusta, inovadora e autônoma – não como projeto de governo, mas como projeto de nação.
