À frente da Finep em um momento marcado pela retomada da política industrial brasileira, Luiz Antonio Elias – que foi secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia entre 2007 e 2014 e chefe do Departamento de Relações Governamentais do BNDES de 2015 a 2016 – destaca que a instituição assume papel estratégico na execução da Nova Indústria Brasil (NIB). Em entrevista, o presidente da agência de fomento afirma que a Finep será protagonista na reindustrialização em novas bases, sustentáveis e inovadoras, articulando ciência, infraestrutura e tecnologia para fortalecer a soberania nacional e ampliar a competitividade do País nas cadeias globais de valor.
O senhor assumiu a presidência da Finep no momento em que o Brasil vive um novo ciclo com a NIB. Quais serão as prioridades da Finep sob sua gestão?
Vivemos um tempo de transformações tecnológicas e geopolíticas sem precedentes. Tensões internacionais, disputas por minerais estratégicos, fragmentação das cadeias globais e a revolução digital estão redesenhando a economia mundial. Nesse contexto, o Brasil não pode ser espectador. Precisa se preparar para esse novo ciclo, assumindo o protagonismo no domínio de tecnologias na fronteira do conhecimento.
Neste governo do presidente Lula, a Finep é um instrumento estratégico de Estado. Nosso papel é articular ciência, infraestrutura laboratorial e inovação disruptiva para serem motores da soberania tecnológica, competitividade internacional e desenvolvimento social.
Nosso objetivo é claro: reindustrializar o Brasil em novas bases, sustentáveis, inovadoras e autônomas, reposicionando o País nas cadeias globais de valor que estão sendo redefinidas, com maior grau de inovação e de relevância – para a empresa, para o setor na qual ela está inserida e, sobretudo, para a sociedade. Critérios como intensidade e abrangência da inovação, grau de incerteza tecnológica, potencial de internacionalização e externalidades são centrais num contexto nacional e internacional de profundas transformações.
Como a Finep vai apoiar projetos produtivos inovadores nos setores de saúde, biotecnologia e química fina? Existe um olhar especial para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS)?
O CEIS é estratégico porque integra produção, ciência, infraestrutura laboratorial e inovação. Já investimos R$ 3,7 bilhões no período 2023-2024 em terapias avançadas, vacinas, biofármacos, insumos farmacêuticos ativos (IFAs) e saúde digital. Esses investimentos não são apenas econômicos: fortalecem o Sistema Único de Saúde (SUS), reduzem vulnerabilidades externas e promovem a soberania nacional.
Em um cenário de intensa concorrência no Complexo Industrial da Saúde e endurecimento das regras internacionais de propriedade industrial, a Finep assume papel de vanguarda. Financiamos desde laboratórios clínicos e redes de pesquisa até empresas inovadoras, garantindo que a ciência nacional seja a base para o desenvolvimento de terapias, produtos e patentes brasileiras.
A Finep tem investido fortemente no CEIS. Esses investimentos são focados em projetos estratégicos que impactam o SUS, como o desenvolvimento de IFAs, produtos biológicos, pesquisa clínica para inovação e produtos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde.
No Programa Mais Inovação Saúde – desdobramento da NIB na Missão de Saúde –, projetos inovadores estão sendo financiados por subvenção econômica. Como exemplo, um projeto busca avaliar e aprimorar a efetividade do monitoramento não invasivo da pressão intracraniana para a realização de triagem em emergências neurológicas no SUS. Outro projeto desenvolve uma terapia multitarget com alcance global baseada na biodiversidade brasileira. Dentro do Programa, temos o edital para empresas e outro destinado às Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs).
Além disso, em parceria com o BNDES e o Instituto Butantan, estruturamos o Fundo de Investimento em Participações do CEIS, alinhado à Missão 2 da NIB, com capital inicial de R$ 200 milhões. O Fundo é voltado para startups e micro, pequenas e médias empresas de alta densidade tecnológica, priorizando inovações disruptivas. Além disso, busca promover externalidades positivas como a difusão tecnológica no SUS, a redução das vulnerabilidades do sistema e a diminuição das desigualdades regionais, sendo as companhias-alvo aquelas com receita operacional bruta de até R$ 300 milhões.
No âmbito do Grupo Executivo do Complexo Econômico Industrial da Saúde (Geceis), foram anunciadas, na reunião de maio, novas Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e projetos de Desenvolvimento da Inovação Local (PDIL), que reforçam o compromisso da Finep em promover inovação local e produtiva no setor da saúde.
A chamada conjunta Finep-BNDES para implantação de centros de PD&I foi bem recebida pelo setor produtivo. Há previsão de novos editais nesse modelo?
Seguindo orientação da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, a Finep vem trabalhando fortemente em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o BNDES, desde a concepção da NIB, com alinhamento de taxas e definição conjunta de temáticas prioritárias para os editais.
Além dos casos já citados, temos uma chamada pública conjunta para seleção de planos de negócio voltados para a transformação de minerais estratégicos, que são essenciais para a transição energética e a descarbonização da economia. Os financiamentos promovem impactos estruturantes nessas duas áreas, uma vez que impulsionam o desenvolvimento de processos, produtos e capacidades produtivas e tecnológicas nacionais.
Também tem papel estruturante a chamada pública Finep-BNDES para selecionar planos de negócio voltados ao desenvolvimento tecnológico de combustíveis sustentáveis para aviação e navegação.
Que instrumentos podem ampliar o apoio à formação de capacidades tecnológicas locais, especialmente nos setores de IFAs e biotecnológicos?
A formação de capacidades tecnológicas locais em setores críticos como os de IFAs e biotecnologia representa uma questão de segurança nacional e soberania estratégica, e a Finep assume papel de vanguarda na construção de um projeto de desenvolvimento autônomo, que rompe com o modelo histórico de dependência tecnológica externa. A Finep tem crescentemente financiado projetos nesses dois setores.
Por meio dos programas Centelha e Tecnova, a instituição democratiza o acesso à inovação, levando recursos e oportunidades para além dos tradicionais centros de excelência, fortalecendo os ecossistemas regionais de inovação. Enquanto o Centelha atua na promoção da cultura empreendedora em negócios de base tecnológica, o Tecnova incentiva o desenvolvimento e a consolidação de pequenas empresas inovadoras, disponibilizando recursos em âmbito estadual. Ambos os programas operam em parceria com Fundações de Amparo à Pesquisa, as FAPs, ampliando o alcance territorial.
Como a Finep pretende incentivar o desenvolvimento de medicamentos, bioativos e insumos estratégicos a partir de produtos naturais nos próximos anos?
A biodiversidade brasileira representa um ativo estratégico que a Finep vem transformando em oportunidade concreta de desenvolvimento. Exemplos disso são programas como o Pró-Amazônia e a Chamada Finep Amazônia – Bioeconomia e Desenvolvimento Regional, que destinaram R$ 210 milhões para projetos que aliam inovação tecnológica com conservação ambiental.
Essa abordagem busca consolidar uma bioeconomia nacional competitiva, especialmente na Amazônia Legal, onde empresas podem acessar recursos para desenvolver produtos baseados na nossa sociobiodiversidade. É uma forma de criar alternativas sustentáveis que geram emprego, renda e preservação ambiental nas regiões historicamente menos favorecidas.
Os efeitos do programa Pró-Amazônia 2024 são visíveis: foram R$ 110 milhões em recursos não reembolsáveis direcionados à infraestrutura de pesquisa na região da Amazônia Legal, contemplando mais de 20 projetos. Em 2025, será lançada a segunda rodada do Pró-Amazônia. Ademais, no Edital Mais Inovação Brasil Saúde – Empresas, aprovamos propostas de desenvolvimento de IFAs verdes a partir da biodiversidade brasileira. E a chamada pública em fluxo contínuo Finep Amazônia – Bioeconomia permanece aberta para recebimento de propostas em 2025.
A instabilidade histórica da política industrial brasileira é um desafio. Na sua visão, o que pode garantir que a NIB se consolide como uma política de Estado?
Na minha visão, três pontos podem garantir que a NIB se consolide como uma política de Estado. Em primeiro lugar, o alto grau de coordenação dessa política: trata-se de instituições públicas trabalhando de forma articulada e alinhada para a reestruturação da indústria brasileira. Em segundo lugar, chamo atenção para os resultados econômicos que já vêm sendo atribuídos à NIB. Em entrevista ao jornal O Globo, em 2 de fevereiro deste ano, o vice-presidente Geraldo Alckmin lançou luz sobre algumas das variáveis macroeconômicas que vêm sendo impactadas: o PIB industrial cresceu 3,2% até novembro de 2024 e foram gerados 306,9 mil empregos formais na indústria. Isso significa que, além do objetivo mais amplo de reindustrializar o Brasil, a NIB se legitima por meio de variáveis muito sensíveis à população brasileira: aumento de renda e criação de empregos, sobretudo os formais. Em terceiro lugar, a NIB, por meio do investimento em setores estratégicos, tem o condão de conceder maior independência à indústria nacional. Esses três são os principais fatores que, na minha visão, podem consolidar a NIB como uma política de Estado.
Cabe ainda destacar a relevância institucional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), coordenado pelo MDIC e cujas atividades foram retomadas em 2023, fator fundamental para a definição das seis grandes missões da NIB. O CNDI passou a exercer papel central de governança, articulação e monitoramento das ações da política industrial brasileira, reunindo governo, setor produtivo, trabalhadores e academia para garantir maior continuidade, legitimidade e coerência nas políticas de desenvolvimento industrial em longo prazo. Com o reforço desse espaço de diálogo e pactuação, há perspectiva concreta de continuidade dos trabalhos estruturantes no âmbito da NIB, promovendo estabilidade institucional e evitando as descontinuidades que historicamente afetaram outros ciclos de política industrial no Brasil.
A aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 847/2025 pela Câmara dos Deputados, que autoriza o uso do superávit do FNDCT para concessão de crédito, foi comemorada pelo setor produtivo. Que impactos essa medida trará para a Finep e para o sistema de inovação?
A aprovação do PL nº 847/2025, transformado na Lei Ordinária nº 15.184/2025, com a sanção pelo Presidente da República, representa um divisor de águas para o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação. Isso se soma ao descontingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em 2023, e à aprovação, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da tese de constitucionalidade da Cide-Remessas.
A decisão do STF garante a liberação integral de cerca de R$ 22 bilhões do FNDCT, agora amparada pela legislação necessária para que esses recursos sejam convertidos diretamente em investimentos produtivos. Tal conquista foi amplamente reconhecida pelo governo, pelo Parlamento e pelas agências de fomento como estratégica não só para o fortalecimento da pesquisa inovadora, mas também para a geração de emprego qualificado, sobretudo com a ampliação da inserção de doutoras e doutores nas empresas, parques tecnológicos, universidades e startups.
A perspectiva é de inauguração de um ciclo virtuoso que alia inovação, desenvolvimento produtivo e impacto social, reforçando a competitividade da indústria nacional, promovendo benefícios econômicos, sociais e ambientais e tornando o desenvolvimento mais sustentável e inclusivo. Na prática, a Finep deve, nos próximos anos, operar de forma ainda mais atuante no ecossistema de inovação nacional.
Qual é a participação da Finep na COP30? Que legado o evento pode deixar para a indústria brasileira, em especial para o setor de química fina?
A participação da Finep na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) é importante na mobilização de ideias e parcerias para discutir a crise climática, o papel da ciência brasileira nessa agenda e políticas públicas estruturantes para financiar a transição energética e tecnológica no Brasil. Estamos planejando uma série de ações em parceria com o Ministério da Ciência e outras instituições.
Considero que essa Conferência transcende as negociações climáticas para se tornar um marco na construção de uma governança global mais justa, na qual os países detentores de megabiodiversidade terão acesso equitativo ao financiamento de tecnologias, conseguindo valorizar ativos locais e conhecimentos tradicionais. Espero que a transição energética seja uma oportunidade de desenvolvimento para todos os povos.
Qual mensagem o senhor deixa para os empresários e instituições que acreditam na inovação como caminho para transformar o Brasil?
Estamos vivenciando um momento de inflexão histórica na política brasileira, não só em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, como também da base industrial. Por meio da NIB, reafirma-se o compromisso com a reindustrialização brasileira em novas bases: trata-se de uma indústria calcada em mais P&D, inovação, sustentabilidade e, consequentemente, em maior autonomia tecnológica.
Este é o momento para que empresários, universidades e instituições de pesquisa se tornem protagonistas de uma transformação estrutural que transcende ciclos políticos, construindo capacidades nacionais em setores críticos como saúde, energia, biotecnologia, tecnologias digitais, entre outros.
A Finep não é apenas uma agência de fomento. Somos um instrumento de política de Estado, comprometidos com um Brasil industrialmente soberano. Acreditamos que a inovação é o motor da transformação produtiva e da retomada do crescimento do Brasil, capaz de gerar empregos qualificados, fortalecer cadeias produtivas e promover o desenvolvimento sustentável em todas as regiões do País.
