A Biotecnologia é definida como aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos de organismos vivos ou mortos ou partes deles, como células, organelas ou biomoléculas, no desenvolvimento de produtos e processos.
A moderna biotecnologia avançou de forma acelerada a partir dos novos conhecimentos gerados nas áreas de genética e genética molecular, além de outras áreas, como biologia, biologia molecular, microbiologia, imunologia, química, física, engenharia, informática e medicina. Não só vacinas, mas outros importantes produtos na saúde humana e animal foram desenvolvidos nas últimas décadas, como biofármacos, terapias gênicas e medicamentos; na Agricultura, com as plantas geneticamente modificadas/transgênicas, biopesticidas; na Indústria, a biorremediação, produção de biocombustíveis e enzimas industriais; na Alimentação, com fermentação para produção de queijos, iogurtes e bebidas alcoólicas.
A pandemia de Covid-19 deixou várias importantes lições para o Brasil e a maioria dos países em desenvolvimento. Foi escancarada a enorme dependência de importação de produtos essenciais como vacinas, de insumos básicos, equipamentos hospitalares e laboratoriais necessários para uma resposta imediata. Ela mostrou que os serviços de saúde não têm capacidade de acomodar as centenas de internações de doentes graves necessitando de serviços médicos.
“A pandemia de Covid-19 mostrou que os serviços de saúde não têm capacidade de acomodar as centenas de internações de doentes graves necessitando de serviços médicos”
A busca pelas vacinas contra Covid-19 e tecnologias de necessárias para o seu desenvolvimento e produção mobilizou Bio-Manguinhos/Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Butantan e inúmeras instituições de ciência e tecnologia, que protagonizaram as iniciativas de desenvolvimento de vacinas e a busca pelas vacinas já desenvolvidas ou em processo avançado de desenvolvimento para serem fornecidas o mais rapidamente possível para o Ministério da Saúde e iniciar a vacinação.
A pandemia de Covid-19 trouxe também novas plataformas tecnológicas de produção como as vacinas de mRNA e o uso de vetores virais. Pela primeira vez na história de desenvolvimento de imunizantes, foi criada uma nova vacina em menos de um ano. A britânica Margaret Keenan, de 90 anos, tornou-se a primeira pessoa no mundo a receber uma dose da vacina Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 baseada na tecnologia mRNA. Tradicionalmente, o desenvolvimento de uma vacina leva de 10 a 15 anos ou mais, como é o caso do vírus HIV, contra o qual há mais de 40 anos se vem buscando uma vacina.
“A pandemia trouxe também novas plataformas tecnológicas de produção como as vacinas de mRNA e o uso de vetores virais. Pela primeira vez na história de desenvolvimento de imunizantes, foi criada uma nova vacina em menos de um ano”
Desde o início da pandemia, várias instituições estão envolvidas no desenvolvimento da vacina contra Covid-19, explorando diferentes rotas tecnológicas:
- O SENAI CIMATEC, em parceria com HDT BioCorp, utilizando a tecnologia de replicon de RNA e denominando a vacina de RNA MCTI CIMATEC HDT.
- A vacina Versamune MCTI, utiliza uma proteína recombinante do SARS-CoV-2, combinada a uma nanopartícula lipídica. Iniciativa da Farmacore Biotecnologia, PDS Biotechnology Corporation e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
- A UFRJ está desenvolvendo a vacina UFRJVac. Em dezembro de 2021, a UFRJVac estava entre as cinco vacinas nacionais em estágio mais avançado de desenvolvimento.
- O Centro Tecnológico de Vacinas, na UFMG, com a sua vacina Covid-19, SpiN-TEC MCTI UFMG, uma combinação de diferentes proteínas para formar uma única proteína, mostrou em estudos pré-clínicos que produz resposta imune e está finalizando os estudos clínicos.
- No Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo há quatro projetos de vacinas contra Covid-19 que empregam plataformas genéticas baseadas em DNA e RNA. Todas estão na fase pré-clínica de desenvolvimento.
- Bio-Manguinhos vem desenvolvendo outra vacina contra Covid-19 utilizando a plataforma mRNA. A flexibilidade, rapidez, versatilidade e eficácia da plataforma mRNA permitiu modificações rápidas nas sequências genéticas do vírus SARS-CoV-2. Os estudos clínicos começam nos meados do corrente ano. Reconhecendo os trabalhos do grupo, em setembro de 2021, a OMS/OPAS selecionou Bio-Manguinhos como HUB para Américas, junto com laboratório Sinergium Biothec da Argentina.
- A plataforma mRNA, pelas suas características de possibilitar desenvolvimento mais rápido de vacinas, e pela segurança e eficácia, tem sido utilizada pelos pesquisadores para desenvolver outras vacinas, como influenza, zika, HIV, tuberculose, malária, citomegalovírus, Virus Respiratório Sincicial, e outros. No entanto, para o DT (desenvolvimento) e escalonamento do processo de produção se faz necessário o estabelecimento de laboratórios com equipamentos que viabilizem a produção de lotes clínicos e comerciais, e novamente fica evidente a dependência tecnológica.
- Bio-Manguinhos/Fiocruz também estabeleceu o processo de produção de uma vacina baseada no uso de vetor viral, o Adenovírus de chimpanzés, para a vacina Covid-19, tecnologia obtida da Oxford/AstraZeneca.
Outra tecnologia que está avançando no desenvolvimento de vacinas é plataforma de vacina recombinante, como é a vacina contra a Dengue pelo Instituto Butantan. Esta vacina foi descoberta pelo National Institute of Health (NIH) dos EUA, e as etapas subsequentes foram desenvolvidas pelo Instituto Butantan. Atualmente, ela está na fase final de estudos clínicos e espera-se que ainda no final do corrente ano seja aprovada e liberada pela Anvisa para aplicação na população.
Na área médica, houve importantes avanços com desenvolvimento de inúmeros Anticorpos Monoclonais terapêuticos. Outros avanços ocorreram com as Terapias Avançadas e Genéticas. É designada de terapia gênica, quando um material genético é utilizado para tratar doenças, corrigindo ou substituindo genes defeituosos. Exemplo é a CRISPR para edição genética; terapia celular, quando faz modificação de células do próprio paciente ou de um doador para tratar doenças, como CAR-T cell para câncer; e engenharia tecidual, quando usa células, biomateriais, fatores de crescimento para regenerar ou substituir tecidos e órgãos.
Buscando novas estratégias para enfrentamento de novas pandemias, e reforçando a necessidade de acelerar o desenvolvimento de novas vacinas, a CEPI (Coalition for Epidemic Preparedness Innovations) foi criada em 2016, com objetivo de desenvolver vacinas para prevenir doenças infecciosas emergentes que possam provocar uma epidemia ou pandemia. Foi uma iniciativa do governo da Noruega, e tem apoio de vários governos e de inúmeras instituições privadas, como a Fundação Gates. A CEPI criou um enorme desafio para o desenvolvimento de vacinas com o “Projeto 100 dias”, que considera a complexidade da empreitada, e busca o estabelecimento de diferentes áreas e tecnologias necessárias para viabilizar o desenvolvimento de uma vacina em 100 dias.
Além disso, a OMS está apoiando a abordagem One World, combinando o meio ambiente, o clima, e os animais domésticos e silvestres, para o trabalho da preparação da reação a uma nova epidemia/pandemia.
O Ministério da Saúde do Brasil está trabalhando com várias instituições visando o fortalecimento da vigilância epidemiológica/genômica para viabilizar a identificação rápida de novas doenças e seus respectivos agentes infecciosos, etapa fundamental para evitar epidemias.
“O Ministério da Saúde está trabalhando com várias instituições visando o fortalecimento da vigilância epidemiológica/genômica para viabilizar a identificação rápida de novas doenças e seus respectivos agentes
infecciosos, etapa fundamental para evitar epidemias”
A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS /MS), lançou há alguns anos o programa Complexo Econômico-Produtivo da Saúde, apoiando as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, que têm a participação dos laboratórios nacionais privados e um laboratório público. Este projeto permitiu a incorporação de tecnologias de produção de dezenas de biofármacos e vacinas, proporcionando maior acesso da população a estes produtos, os quais no mercado privado têm preços muito elevados, impossibilitando o seu uso pela população em geral.
O avanço da Biotecnologia poderia ser muito maior, se o País tivesse uma Política de Estado para atividades de Ciência e Tecnologia. Os avanços notáveis da China, Índia, Coréia do Sul e Japão derivam do fato de que estes países definiram como uma Política de Estado, há mais de 40 anos, o fortalecimento da Ciência e Tecnologia e Inovação com enormes investimentos por anos de forma contínua.
No Brasil, as universidades são estranguladas por falta de orçamento já há vários anos. Ainda assim, temos pesquisadores que realizaram descobertas importantes, mas não conseguem realizar a pesquisa translacional e ultrapassar o “Vale da Morte” por falta de recursos financeiros. As indústrias privadas não fazem investimento em pesquisa translacional pela enorme insegurança de ter retorno dos investimentos necessários.
“O avanço da Biotecnologia poderia ser muito maior, se o País tivesse uma Política de Estado para atividades de Ciência e Tecnologia”
Recentemente, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) lançou o projeto Nova Industria Brasil, com metas para 2026 e 2033, a área da saúde produzir no País 50% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais e outros insumos e tecnologias em saúde. Vamos torcer para estas iniciativas terem sucesso e o País avançar na área de CT&I e estar preparado – ou melhor evitar – o surgimento de uma nova pandemia.
