O desafio brasileiro de ampliar o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) torna-se ainda mais premente diante de novas demandas como o envelhecimento da população e o avanço de tecnologias de ponta para o tratamento de doenças crônicas, graves e raras. A resposta para o problema está diretamente ligada à consolidação de um parque produtivo robusto no setor de saúde, alinhado às necessidades reais da população e amparado por políticas públicas estruturadas, consistentes e duradouras, ou seja, Políticas de Estado. Esse foi o ponto central debatido no XV Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID), cujos detalhes são relatados na Matéria Política desta edição.
Especialistas e autoridades discutiram o tema geral “Os desafios da propriedade intelectual e a Nova Indústria Brasil (NIB)”. A robustez vista nessa política é inédita nas últimas décadas, mas periga se tornar mais um “surto de voluntarismo industrialista”, como disse o professor e economista João Furtado.
Precisamos estar vigilantes para garantir que a NIB seja percebida e valorizada pela sociedade como uma estratégia da qual não se pode abrir mão. É um resgate da legitimidade das políticas industriais, tomando novamente as palavras de Furtado. Essa ideia se relaciona com o que a ABIFINA historicamente defende: termos uma única visão de futuro para o País, como dizia nosso patrono Nelson Brasil.
Outro aspecto chave debatido no SIPID foi a retomada das políticas industriais no cenário global, após os impactos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Chamam atenção a quantidade de iniciativas e o volume de recursos aplicados, sendo um dos principais alvos a indústria da saúde. De certa forma, o Brasil saiu na frente por já ter discutido e experimentado instrumentos para fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). Nossa fraqueza foram os períodos de idas e vindas nas políticas públicas. Por isso, a atuação da ABIFINA e de outras entidades empresariais é tão importante para alcançarmos essa perenidade debatida no SIPID por meio de uma Política de Estado.
O processo de fortalecimento do CEIS está intrinsecamente ligado à inovação tecnológica. Diante disso, a NIB contempla volumes significativos de investimentos no setor para garantir o avanço da biotecnologia e da produção local de medicamentos essenciais, entre outros aspectos. Esses investimentos podem transformar o Brasil em um polo de inovação na saúde, reduzindo a dependência de produtos importados e garantindo o acesso da população a tratamentos avançados.
A inteligência artificial (IA), por exemplo, é uma dessas tecnologias emergentes que prometem transformar todo nosso modo de vida. Em seu artigo nesta edição, Claudia Chamas, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz, explora como a IA está remodelando as etapas de desenvolvimento de medicamentos e vacinas, desde a descoberta de novos fármacos até a otimização dos processos regulatórios. Ela também destaca os desafios que o Brasil enfrenta para integrar essa
tecnologia ao SUS, como a adaptação regulatória e a formação de profissionais qualificados.
A qualificação da força de trabalho no setor da química fina é justamente o tema do artigo de Juliano Antônio Sebben e Anaely Machado. Elementos como química verde, nanotecnologia e inteligência artificial estão impulsionando a inovação e a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que exigem uma força de trabalho altamente capacitada e adaptável.
A demanda por novos trabalhadores e a necessidade de treinamentos contínuos se tornam evidentes. Os segmentos de produtos químicos, farmoquímicos e farmacêuticos devem empregar cerca de 460 mil pessoas em 2027, o que significa 20 mil novas vagas em relação a 2024. Isso demandará a formação de 36,5 mil novos trabalhadores, além do aperfeiçoamento contínuo de quem já está empregado. Esse panorama reflete não apenas uma evolução tecnológica, mas também um desafio educacional para a indústria.
Além da inovação tecnológica, o País precisa se atentar à transição para um modelo de desenvolvimento mais sustentável, e a taxonomia verde, abordada no artigo de Suzana Borschiver e Thais Lima de Paiva, apresenta-se como uma ferramenta importante nesse processo. O Plano de Ação para a Taxonomia Sustentável Brasileira prevê a implantação de um sistema de classificação de atividades, ativos ou categorias de projetos que contribuam para o atingimento de objetivos climáticos, ambientais e sociais. Isso pode posicionar o Brasil como um líder global em finanças sustentáveis. O Plano de Transformação Ecológica, lançado em 2023, complementa esse movimento ao propor ações para incentivar investimentos verdes, reduzir desigualdades e promover uma transição para uma economia mais sustentável.
Tecnologia e sustentabilidade são potencializadas pela proteção da propriedade intelectual (PI), mais um tema de relevância estratégica na NIB. O assunto é abordado na entrevista com Andrea Macera, secretária de Competitividade e Política Regulatória do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), além de presidente do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (Gipi). A gestora fala sobre os avanços da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (Enpi), que busca transformar ações fragmentadas em uma política integrada e de longo prazo. O fortalecimento das políticas de PI é essencial para garantir que o Brasil consiga desenvolver suas próprias soluções tecnológicas e se proteger contra a pirataria.
Em meio a todos esses desafios, a colaboração entre o governo, o setor privado e as instituições de pesquisa continua a ser fundamental para o desenvolvimento de inovações no campo da saúde. Um exemplo claro disso são as terapias avançadas, como as células CAR-T, desenvolvidas pela Fiocruz e outras instituições. Esta FACTO mostra, no Setorial Saúde, as iniciativas em andamento, os centros de pesquisa que se destacam e os incentivos do governo nessa área, por meio da NIB.
Estamos diante de um momento crucial para o País, com políticas públicas bem estruturadas, colaboração entre os diversos setores e busca por inovação. A ABIFINA seguirá sustentando o debate sobre a longevidade dessas ações para que a indústria nacional da saúde se torne capaz de oferecer os insumos e medicamentos estratégicos de que o Brasil precisa, em todos os momentos, para toda sua população.