REVISTA FACTO
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Jun-Ago 2024 • ANO XVIII • ISSN 2623-1177
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A Propriedade Industrial e o Desenvolvimento Econômico, Social e Tecnológico do Brasil
//Artigo

A Propriedade Industrial e o Desenvolvimento Econômico, Social e Tecnológico do Brasil

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal criada em 1970 e tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados convênios e acordos sobre a propriedade industrial (PI).

Passados 54 anos desde a criação do INPI ainda estamos em uma situação na qual o País ainda não se deu conta de que o uso estratégico da propriedade industrial é crucial para os negócios e fundamental para aproveitar as oportunidades derivadas da economia do conhecimento. Em um mundo globalizado, onde tanto as oportunidades, quanto as limitações impostas por tal fato, estão intimamente vinculadas ao direito de PI, não estar atento a isto pode significar nossa derrota em busca de nosso “lugar ao sol” nesse mundo do conhecimento.

Um primeiro ponto a ser levado em consideração é que o INPI não é órgão de governo. É órgão de Estado. A concessão de uma patente vale por 20 anos. A concessão de uma marca vale, de início, por 10 anos. Este direito perpassa pelo menos dois governos e meio. Nos diferentes acordos comerciais de cuja discussão o Brasil participa, um dos capítulos principais é o de propriedade industrial. Quando falamos de usar o poder de compra governamental para incentivar a inovação, isto tem um impacto direto nas negociações Mercosul-União Europeia, por exemplo.

O programa da Nova Indústria Brasil, lançado pelo Governo Federal, tem como objetivo retomar o crescimento industrial no País.

A política tem como foco a sustentabilidade, a infraestrutura, bioeconomia, agroindústria, saúde, tecnologia da informação, descarbonização, transição energética e defesa. Em todas essas áreas, a propriedade industrial está presente. São áreas potenciais de desenvolvimento.

Mas, se olharmos para os números na área da tecnologia da informação, tomando como exemplo a inteligência artificial (IA) generativa, o Brasil não figura sequer no mapa.

Mais de 90% da atividade de patenteamento global relacionada à IA Generativa vem de poucos países, sendo liderada pela China. Em estudo publicado recentemente, os dados levantados na própria China mostram uma segunda posição global com cerca de 1.328 grandes modelos de linguagem (Large Language Models, ou LLMs, na sigla em inglês) já desenvolvidos. Ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Além de supercomputadores, é preciso um banco de dados robusto e modelos de linguagem adequados. É o que se preconiza como os três fundamentos para competir nesta área.

Olhando a biotecnologia, sendo o Brasil um país tão diverso, seria de se esperar um resultado diferente. Um mapeamento feito pelo INPI mostra que a exploração dos bioprodutos da Amazônia é feito fora do Brasil. Dos cerca de 43,4 mil depósitos de patentes com material da flora amazônica identificadas no estudo até 2002, a China lidera com cerca de 19 mil registros, sendo seguida pelos Estados Unidos, com cerca de 4 mil depósitos.

No caso da biotecnologia, será que não geramos inovação? Ou não sabemos da importância da proteção destas inovações? Ou será que não sabemos que podemos proteger? Pretendemos, como País, que o direito de propriedade seja tão importante quanto o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Vamos guardar as devidas proporções. Mas é o que está escrito no artigo 5º de nossa Constituição Federal.

Sabemos que a propriedade industrial não é um fim em si mesma. Nem deveria ser. Mas representa, desde sua aurora, um incentivo à inventividade humana e à celebração do intelecto

Além disso, a PI potencializa a atração de investimentos e aumenta nossa capacidade global de competir. Onde nos colocamos nisso? Nossa missão de impulsionar a inovação através da propriedade industrial responde a esta pergunta. O desafio é lidarmos com um país tão diverso como o Brasil. Seja na educação, seja na saúde, seja no saneamento básico, ou mesmo no processo de inovação.

Para isso, como resultado do nosso Planejamento Estratégico 2023-2026, procuramos responder a seguinte pergunta: qual INPI o Brasil deseja? A resposta: Com certeza não é um INPI com o tamanho que tem hoje. Como se diz no ditado popular: “O cobertor é curto. Cobrindo os pés se descobre a cabeça.” Será que isso representa nossa realidade?

O INPI tem hoje cerca de 900 servidores para um total de cerca de 1.800 vagas criadas. Recentemente, dentro da busca pela eficiência e qualidade, associada com a informatização completa, mas ainda insuficiente do órgão, transformamos cerca de 350 vagas de técnicos em propriedade industrial em aproximadamente cerca de 120 tecnologistas ou examinadores de marcas. Sem aumento de custo para o serviço público brasileiro.

Ainda assim, estamos falando de cerca de 450 mil depósitos de marcas neste ano de 2024 para uma capacidade de decisão de cerca de 300 mil pedidos. Cerca de 90% destes depósitos são de residentes.Vamos receber cerca de 40 examinadores em um próximo concurso, já em fase final de entrada desses novos servidores.

Todo dia acendo uma vela para algum santo protetor pedindo que a evasão de cerca de 25% de nossos quadros não se concretize. Esse é nosso histórico ao longo dos concursos que realizamos. Chegamos ao ponto de não termos candidatos na área de engenharia mecânica porque a carreira de PI não é atrativa o suficiente. Qualquer comparação entre o salário dos servidores do INPI com as demais carreiras do serviço público, como as carreiras de gestão, apontam a defasagem existente.

Se nos voltarmos para a Diretoria de Patentes, observamos um cenário um pouco mais estável. Assim como é estável o número de depósitos de pedidos de patentes no Brasil. Nos últimos anos, não tem passado de cerca de 28 mil pedidos ao ano. Cerca de 70% desses pedidos são de não-residentes. Conclusão lógica: ou não sabemos inovar, ou desconhecemos a proteção pela PI, ou achamos que não é necessário. E não estamos conseguindo ser mais atrativos como país para trazer novos investimentos para cá. O INPI precisa ampliar sua atuação para ajudar a mudar esse cenário. A propriedade industrial é elemento-chave nas diferentes discussões nos potenciais acordos comerciais que podemos celebrar com nossos parceiros.

Em recente estudo elaborado pela área de Recursos Humanos do Instituto, chegamos ao valor de que um examinador de marcas gera ao ano para os cofres do governo algo em torno de R$ 1 milhão, com custo de cerca de R$ 250 mil. No caso de patentes, os números são mais modestos, mas positivos: cada examinador gera cerca de R$ 550 mil ao ano, custando cerca de R$ 300 mil. Aumentando nossa capacidade de decisão, esse cenário seria ainda mais favorável. A anuidade de um pedido de patente é cerca de 1/10 da anuidade da patente concedida.

Se olharmos para a receita gerada pelos serviços cobrados por nossas atividades, chegamos neste ano de 2024 a uma arrecadação de cerca de R$ 800 milhões. Não queremos mais do que 10% deste valor para executar nosso plano de ação. Quanto mais serviço prestado, maior a arrecadação e maior nossa capacidade de contribuição para as contas públicas. É um jogo de ganha-ganha. Para a sociedade, para o INPI e para o Governo Federal.

Nunca é tarde pontuar que o Instituto está em plena execução do seu modelo de excelência em gestão, com o apoio da Fundação Nacional da Qualidade. A redução continuada dos gastos, a otimização das contratações, a orientação voltada para resultados, a busca e implementação de soluções inovadoras nos processos têm nos levado a um modelo de atuação pautado pela severidade, engenhosidade e equilibrismo. Mas isso tem um custo. E também um limite. Se queremos um órgão de propriedade industrial atuante, eficiente e com qualidade, está na hora de repensarmos o modelo de negócios do Instituto. De fato, já passou da hora.

Como exemplo, a implementação do IPAS (Industrial Property Automation System, na sigla em inglês) para Desenhos Industriais tem uma limitação severa de desenvolvimento de rotinas para implementação de sua plena funcionalidade. Além dos ajustes necessários para o término da adesão ao acordo de Haia. O número de depósitos de Desenhos Industriais no Brasil ao ano, cerca de 7 mil, está muito aquém de nossa capacidade produtiva e da geração potencial de ativos de PI nesta área. Incentivamos o aumento de depósitos ou buscamos solução para os problemas existentes? As duas coisas. É assoviar e chupar cana ao mesmo tempo.

O INPI tem um projeto de identificação de partes interessadas, no qual o principal objetivo é saber quais as necessidades dos usuários e quais pontos de melhoria eles entendem que devamos implementar. O efeito colateral deste projeto é que poderemos direcionar nossos esforços para aqueles problemas que mais impactam na imagem institucional e, assim, melhorar nosso desempenho. Outro projeto digno de nota é identificar oportunidades de uso da IA nos exames realizados. Os resultados, ainda bem incipientes, tem nos dado dicas interessantes. Parece ser mais importante saber como se pergunta do que o que se pergunta.

Outro ponto a ser citado é a atuação institucional no combate à pirataria. Problema não somente no Brasil, mas também fora, onde inclusive produtos brasileiros são falsificados. Neste ponto, falamos dos mais diversos tipos de contravenção: de marcas, patentes, desenhos industriais, programas de computador. Mesmo na área de indicações geográficas, área ainda incipiente no Brasil mas com grande potencial de crescimento e de retorno rápido para beneficiar comunidades locais e populações menos assistidas. É o INPI uma vez mais cumprindo sua função social. Lançamos o Diretório de Marcas de Combate à Pirataria e vamos lançar em breve o Diretório de Indicações Geográficas, com o mesmo propósito.

Na busca pela solução estruturada, estamos propondo um novo plano de carreira para o Instituto. Buscamos maior identidade e diferenciação da carreira de PI. Diferenciação esta que existe desde sempre. Somos ainda um espelho do modelo de carreira existente nas universidades brasileiras. Um pesquisador universitário não analisa um ativo de PI sem ter treinamento no Instituto. Tem o conhecimento técnico de sua área de especialização, mas não tem o conhecimento técnico nem jurídico que a área de propriedade industrial exige. Um examinador de patentes não leva menos de três anos para começar a ter autonomia de decisão. Um examinador de marcas não leva menos de um ano. Um examinador do INPI pode fazer pesquisa na universidade (e eles saem do INPI para ir para as universidades), mas a recíproca não é verdadeira – um pesquisador da universidade não vem ao INPI e começa a examinar ativos de PI de imediato.

Ademais, é preciso se pensar qual modelo de instituição queremos para o Brasil. Estamos neste processo de análise. Acreditamos que o resultado nos permitirá sugerir o modelo que seja mais adequado para nossa atuação junto à sociedade. O objetivo principal é encontrar, dentro do cenário existente, qual o melhor modelo jurídico que se adequa ao INPI. Diferentes propostas apareceram e aparecerão. Isto nos leva ao nosso primeiro ponto levado em consideração neste artigo sobre nossa atuação como Escritório de Propriedade Industrial Brasileiro: o INPI não é órgão de governo. O INPI é órgão de Estado. Podemos oferecer muito mais. Basta que nos deixem fazer.

Júlio César Castelo Branco Reis Moreira
Júlio César Castelo Branco Reis Moreira
Presidente do INPI
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