REVISTA FACTO
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Jan-Mai 2024 • ANO XVIII • ISSN 2623-1177
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Transformação em curso: o futuro das PDPs no Brasil
//Setorial Saúde

Transformação em curso: o futuro das PDPs no Brasil

Entre o final de 2023 e o início deste ano, o Ministério da Saúde colocou em consulta pública (CP nº 54/2023) a minuta da nova portaria ministerial para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Foi uma oportunidade para o setor fazer um balanço, avaliar progressos e debater caminhos para torná-las ainda mais efetivas. Especialistas e profissionais do setor da saúde ouvidos pela FACTO apontam pontos positivos e negativos do futuro marco legal, há tanto tempo demandado pelas empresas farmoquímicas e farmacêuticas e pelos laboratórios oficiais.

Segundo Mirna Poliana Furtado, assessora parlamentar no Senado Federal, a falta de regulamentação vem desde 2008, quando saiu a primeira portaria ministerial que definiu a lista de itens estratégicos e serviu de base para instituir, em 2012, o primeiro marco regulatório desse programa. Mas é preciso ir além de uma portaria ministerial, que é o caminho escolhido neste momento. “Quem cogita trabalhar com essas parcerias busca segurança jurídica e isso só vai ser proporcionado por uma lei, que passa ao setor produtivo a mensagem de ser uma política de Estado e não de governo”, afirma a especialista, que acompanha o tema de longa data, tendo atuado no Ministério da Saúde como coordenadora das PDPs.

Mirna Furtado aponta algumas lacunas na minuta da portaria, como a garantia de compras depois de internalizada a tecnologia da empresa privada pela instituição pública, especialmente no caso dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs) nacionais, uma grande angústia do setor produtivo.

“Após grandes investimentos, a empresa nacional vende o IFA por somente um ou dois anos para laboratórios públicos e, posteriormente, se vê obrigada a disputar concorrência com empresas chinesas ou indianas, perdendo em preço. Deveria haver uma garantia, por um período maior, de aquisição do insumo nacional, para permitir o retorno do investimento”, argumenta.

Mirna Poliana Furtado

Ela também defende a obrigatoriedade de o poder público adquirir produtos das PDPs vigentes, desde que a parceria atenda a todos os requisitos, inclusive de custo financeiro.

A especialista alerta ainda que o processo de comunicação adotado pelo Ministério da Saúde em relação às PDPs é centrado nas instituições públicas, o que considera insuficiente. “O parceiro privado deveria ser informado ao mesmo tempo. Todos os elos da cadeia, farmoquímicas e farmacêuticas, precisam ser comunicados de forma simultânea”.

Ogari Pacheco, fundador do Laboratório Cristália, expressa preocupação com o sigilo das informações. De acordo com o estabelecido na minuta, empresas interessadas em desenvolver produtos por meio de PDPs são obrigadas a divulgar seus objetivos em uma fase muito prematura, abrindo conhecimento para concorrentes. “Pelo que consta na Consulta Pública, cabe à empresa primeiro procurar o órgão e dizer exatamente o que pretende fazer. A solução seria só abrir as informações quando a parceria tiver sido firmada. A empresa privada só deve comprovar que tem condições de executar o projeto no momento de apresentar a documentação e não previamente”.

O presidente do Conselho Administrativo da ABIFINA, Odilon Costa, ressalta que o trabalho realizado para responder à consulta foi imenso. Agora a expectativa é quanto ao resultado final, que será publicado no Diário Oficial da União (DOU). “As ações iniciarão a partir do texto final e aí teremos noção de como será o cenário. Esse segundo tempo das PDPs terá algo mágico e haverá adesão maior do que na primeira fase. A expectativa é grande e torcemos para que a publicação aconteça o quanto antes. Faremos um seminário para debater o que foi contemplado”, afirma.

Ele acredita que o mercado passou por um processo de aprendizagem e que mais empreendimentos privados perceberão vantagens em usufruir do poder de compra do Estado. “O parque industrial se modernizou bastante. Mas o empresário precisa contar com a garantia de compra, porque, se não tiver pedidos firmes, não investirá”.

Pacheco concorda com essa visão. Se o governo federal pretende abrir uma PDP para a produção de um determinado produto, é preciso prever claramente o volume que pretende adquirir do parceiro privado. “Se a demanda for ínfima, o investimento que a empresa terá que fazer superará o retorno financeiro, tornando o projeto insustentável. Fica clara a necessidade de uma procura compatível com o porte da parceria em questão”, explica.

Para Jorge Mendonça, diretor de Farmanguinhos, a proposta normativa apresentada na CP nº 54/2023 visa melhor regulamentar o programa das PDPs e é esclarecedora em alguns trechos, porém não aborda temas sensíveis. Entre estes, destaca como tornar o IFA nacional competitivo, para que esse insumo possa ser amplamente utilizado pelos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais (LFOs); a viabilidade de ter mais de um projeto de PDP aprovado para o mesmo medicamento; e de que forma honrar os preços de remédios acordados na proposta de projeto.

“O papel dos laboratórios oficiais é absorver, no processo, 100% da tecnologia de produção e das metodologias analíticas dos medicamentos produzidos nessas parcerias, para que os conhecimentos obtidos sejam aplicados em outros projetos. Para tal, as PDPs têm que produzir dados que comprovem historicamente a economicidade gerada, para defesa do programa frente a órgãos de controle. Isso não foi tratado na consulta”, aponta.

Um dos aspectos fundamentais para o sucesso das PDPs consiste no monitoramento do mercado e na negociação de valores. No entanto, está previsto que o Ministério da Saúde faça uma pesquisa de mercado e avalie somente o preço dos produtos, sem levar em consideração know-how e capacitação tecnológica, ou seja, ignorando os investimentos que viabilizam essas parcerias, na visão de Mirna Furtado. “Essa aferição é mais do que injusta, é ineficiente, porque não há como comparar preços sem levar em conta a parte técnica que foi agregada. O custo de uma tecnologia tem dois elementos, os tangíveis, que podem ser mensurados, como as horas de trabalho, e os intangíveis, que para uma marca representam um valor agregado impossível de dimensionar”, analisa.

Os laboratórios oficiais são considerados atores importantes para o aperfeiçoamento das PDPs, pois contribuem para o ecossistema ao compartilharem aprendizados, assim como atuam como elos de construção de estratégias conjuntas entre Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), outras instituições públicas e empresas privadas. “Essas consultas públicas são uma das formas de propor melhorias na legislação. Os LFOs podem dividir experiências com outros laboratórios para ajudá-los a superar desafios semelhantes. Um ponto importante, diria fundamental, é que eles devem melhorar suas estruturas de governança e integridade, cruciais para dar perenidade aos processos de gestão e absorção de tecnologias a curto, médio e longo prazos”, argumenta Jorge Mendonça.

O diretor de Farmanguinhos acrescenta que essas parcerias, como outros formatos de transferência de tecnologia, são essenciais para os LFOs, pois constituem uma estratégia para a incorporação de novos produtos aos seus portfólios de produção, sem necessidade de investimento pesado em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos. Para ele, no entanto, não pode ser um processo isolado. Os laboratórios oficiais devem ser capazes de inovar a partir das PDPs e passar esse aprendizado para novos projetos. Também precisam usar a capacidade técnica de desenvolvimento para conduzir com mais sucesso a transferência de conhecimento.

“O que observamos na prática são novidades incrementais, uma vez que inovações disruptivas necessitariam de altos e contínuos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, o que não é uma realidade no País. Ainda assim, essas inovações incrementais são vitais para a população”, conclui.

Jorge Mendonça

As PDPs configuram um instrumento fundamental para aumentar a capacidade tecnológica da indústria nacional e reduzir a dependência de importações, mas, para o fundador do Cristália, ainda há muito caminho a percorrer. “O que ocorre no Brasil, e não é de hoje, é que as farmoquímicas nacionais preferem buscar o IFA pronto lá fora, em países como China ou Índia, simplesmente porque é mais barato. Se continuarmos comprando produtos acabados, permaneceremos dependentes. A única saída é fazer aqui. E, para isso, de uma maneira geral, as colocações feitas na consulta são bastante razoáveis”, afirma.

Uma política industrial baseada na inovação, da qual as PDPs fazem parte, é uma condição sine qua non para que o País avance mais celeremente. Mirna Furtado afirma que o Brasil inova pouco, mas que há progressos que merecem ser destacados. De acordo com ela, um dos desafios é a precificação da inovação. “Quanto vale? Produtos inovadores necessitam ter preços diferenciados. Uma política industrial baseada em inovação precisa cuidar, de forma sistematizada e efetiva, da questão da propriedade intelectual. É preciso proteger os direitos de quem cria. Outro aspecto é a necessidade de um marco regulatório, e mais uma vez volto a falar da necessidade de leis, porque somente elas proporcionam segurança jurídica para se criar um ambiente de negócios favorável à inovação. Necessitamos de políticas públicas direcionadas para isso, com metas e prazos definidos, abrangendo aspectos fiscais, trabalhistas e econômicos”, argumenta.

Para a assessora parlamentar no Senado Federal, a experiência das PDPs, desde o surgimento dessa política, traz lições importantes, que devem ser consideradas no novo marco regulatório. Ela explica que essas parcerias já estão na terceira geração – as primeiras foram de medicamentos sintéticos, as segundas estão relacionadas a produtos biológicos e a terceira começou com a lista de produtos estratégicos de 2017. “Podemos constatar que o programa é ousado, mas dá certo. Ele altera a dinâmica de mercado, reduzindo preço por conta de uma oferta maior, porque mais registros surgem”, defende.

Segundo ela, as instituições públicas brasileiras deixaram de ser totalmente dependentes do Estado e passaram a ser laboratórios operacionais, ativos, que produzem, atendem a demandas do Sistema Único de Saúde (SUS), e chegam a exportar produtos, como vacinas. “É uma consequência das PDPs, que forçaram uma modernização, inclusive com maior qualificação profissional das equipes dessas instituições. A prova disso é que Fiocruz e Butantan saíram na frente durante a pandemia de covid-19, conseguiram buscar parceiros no exterior, fazer parcerias tecnológicas e disponibilizar o produto para a população. Isso só aconteceu porque houve acúmulo de conhecimento ao longo dos anos. Mas o maior aprendizado de todos é que essa precisa ser uma política de Estado, devidamente regulamentada, se o País quer que dê certo”, conclui.

O diretor de Farmanguinhos identifica outro aspecto positivo das PDPs: o desenvolvimento de cadeias produtivas. Segundo ele, a inovação não se limita aos aspectos tecnológicos, mas também às formas de gestão. “Para operarem de forma satisfatória, os laboratórios necessitam adquirir matérias-primas e diversos serviços. Essa experiência em administrar burocracia os credencia a contribuírem na construção de redes e cadeias de produção. Além dessas questões legais, eles são competentes ao articularem parcerias com universidades e parceiros privados, atendendo de forma eficaz às necessidades do SUS, de forma ampla e em todos os segmentos, gerando empregos de qualidade, renda, tecnologia e formação de novos quadros de profissionais”.

Odilon Costa alerta para a necessidade de se pensar na sustentabilidade econômica das PDPs, pois não são poucos os casos em que as parcerias esbarram na falta de recursos. “Muitas apresentam problemas logo no início. Elas deveriam estimular o investimento privado, mas nem sempre isso acontece. É preciso que o Estado avalie a construção de um programa público que ofereça condições de financiamento”, comenta.

O sucesso do programa das PDPs poderia ajudar a incrementar os resultados da balança comercial brasileira, por meio da exportação de produtos de alta intensidade tecnológica. Para tal, será necessário intensificar a produção nacional de IFAs, aponta Ogari Pacheco. Como senador federal, ele elaborou uma proposta legislativa nesse sentido.

“A primeira ação seria taxar a iniciativa de importação. A segunda seria estimular, no caso das PDPs, a aquisição pelo Estado de produtos que levem em sua composição insumos produzidos aqui. Sou autor de um projeto de lei que está tramitando no Senado Federal que prevê dar prioridade a produtos cujas matérias-primas sejam feitas localmente. Uma solução seria dar preferência em licitações”. Segundo ele, no entanto, essa questão não foi abordada na minuta da CP nº 54/2023.

Ogari Pacheco

Para ele, há, ainda, outro problema: a rotulagem de produtos. “Existe uma regra que diz que colocar rótulos é parte da industrialização. Há empresas que importam produtos em frascos sem identificação, etiquetam e pronto. Com apenas isso, são considerados itens industrializados no Brasil”, lamenta. “Suponha que uma empresa traz do exterior uma matéria-prima dissolvida em álcool. Chega aqui e faz a evaporação do álcool, de forma que só sobre o insumo. Isso é fabricação local? Sou absolutamente contra essa regra. Só falta os fabricantes que adotam essa prática pretenderem benefícios fiscais”, questiona.

Pacheco ressalta que seu projeto de lei estabelece que a Anvisa deve verificar se aquele produto foi fabricado e se houve incorporação de tecnologia. “É um mecanismo de lesa-pátria. O Brasil não vai a lugar nenhum com esse tipo de política industrial. Há 50 anos tento mudar o comportamento do País. Desse jeito, seremos escravos do produtor externo para sempre”, conclui.

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