A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realiza o terceiro censo da indústria farmoquímica, que vai atualizar quais são as empresas ativas no Brasil, o estado dos parques produtivos e suas capacitações, fornecendo um raio-X do cenário atual e indicando onde podemos avançar. Desta vez, o levantamento é feito por meio do acordo de cooperação firmado no ano passado entre a ABIFINA, a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) e a Fiocruz, sendo uma das 15 metas a serem alcançadas até setembro de 2025. Jorge Costa, assessor técnico da Vice-Presidência de Inovação e Produção em Saúde da Fiocruz, explica esse trabalho e avalia os últimos anos das políticas públicas voltadas para estimular a produção de insumos farmacêuticos ativos (IFAs) no Brasil.
Qual é o histórico do censo da indústria farmoquímica?
O primeiro censo ocorreu em 2007, após uma demanda do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que queriam propostas para fortalecer o setor. Ninguém sabia quantas indústrias farmoquímicas existiam no Brasil, seus processos, suas capacidades produtivas, suas capacitações tecnológicas, empregabilidade do setor e empregos gerados. Decidimos realizar um censo para entender as fortalezas e fragilidades do setor. O primeiro censo foi de 2007 a 2008, com resultados divulgados em um seminário na Fiocruz.
Em 2013, realizamos o segundo censo devido a mudanças no cenário político e no setor. Seguiu o modelo do primeiro e seus resultados foram apresentados e discutidos no auditório da Anvisa. Publicamos um artigo em 2014 com sugestões para fortalecer o setor. De lá para cá, percebemos mudanças: algumas empresas entraram no mercado farmoquímico, outras deixaram de operar. O Ministério da Saúde editou em dezembro de 2023 novas portarias e consultas públicas visando fortalecer as indústrias farmoquímicas e farmacêuticas nacionais, entendendo a importância do setor. Com isso, sentimos a necessidade de atualizar o censo. Esta terceira edição é especialmente significativa, pois é fruto do acordo formalizado entre a Fiocruz, a ABIFINA e a Abiquifi, diferente dos censos anteriores, que foram iniciativas exclusivas da Fiocruz/Ministério da Saúde.
Qual é a participação da ABIFINA no estudo e a metodologia utilizada?
A metodologia foi desenhada pela Fiocruz para os dois primeiros censos. Para o terceiro, foi discutida e validada pelas três instituições envolvidas. A ABIFINA ajudou a identificar as empresas a serem visitadas e colaborou na validação do questionário utilizado, que é enviado às empresas antes das visitas técnicas. Durante essas visitas, discutimos eventuais dúvidas das empresas em relação à metodologia, ao questionário e ao objetivo do censo. O questionário tem mais de cem perguntas, abrangendo desde questões administrativas até aspectos técnicos e comerciais. A ABIFINA também contribuiu com questões sobre ESG (sigla em inglês para aspectos sociais, ambientais e de governança).
Identificamos as empresas-alvo, incluindo as de biotecnologia, pela primeira vez, além das que utilizam processos sintéticos e de extração animal ou vegetal. Contatamos as empresas, enviamos o questionário e agendamos as visitas técnicas. Atualmente, temos 33 empresas no foco, algumas com visitas já realizadas. Ao final, geramos um relatório compartilhado entre as instituições.
O que vocês verificam nas visitas técnicas?
Verificamos a estrutura fabril da empresa, avaliando se possuem reatores para trabalhar com reações em meio ácido ou básico, se possuem reatores de aço, vitrificados ou ambos. Identificamos a capacidade reacional, o tipo de reações que podem realizar e se há capacidade ociosa ou condições para aumentar a produção. Analisamos também se possuem estação de tratamento de efluentes, estrutura de pesquisa e desenvolvimento, controle de qualidade e garantia da qualidade. E, ainda, se produzem apenas para o mercado nacional, internacional ou ambos. Esses são alguns exemplos.
Além disso, verificamos se possuem certificações nacionais e internacionais. Também vemos a composição da mão de obra, se há profissionais com pós-doutorado, doutorado, mestrado, e quantos são em relação ao total de funcionários. Deixamos claro que nosso censo não tem caráter de inspeção. Nosso objetivo é levantar dados para que possam ser utilizados de forma adequada, ou seja, para basear propostas em benefício do setor.
No censo da indústria farmoquímica deste ano, a ABIFINA ajudou a identificar as empresas a serem visitadas e colaborou na validação do questionário utilizado, que é enviado às empresas antes da visita técnica.
Jorge Costa
Quando os resultados devem ser lançados?
Queremos apresentar os resultados em um seminário no segundo semestre de 2024, provavelmente em Brasília, para conseguirmos ter maior participação do governo. Planejamos acelerar o processo considerando a logística e o orçamento necessários, pois há fábricas em locais de acesso mais difícil, que demandam dois ou três dias de viagem, com pernoite.
É interessante saber que há fabricantes de IFAs em vários estados, não apenas em São Paulo e Rio de Janeiro.
A maioria das empresas está concentrada no eixo Rio-São Paulo. Fora desse eixo, o Paraná tem surgido como um estado com uma concentração razoável de empresas. No Nordeste, temos um importante polo em Camaçari, na Bahia, e outra no Piauí.
O senhor escreveu um artigo para a ABIFINA em 2013 mencionando um renascimento da indústria de química fina no Brasil com incentivos governamentais. Desde então, como o senhor vê a evolução no setor?
No governo Dilma, foi criado o programa Brasil Maior, que incluiu propostas importantes para fortalecer a química fina no Brasil, reconhecendo sua importância estratégica. No entanto, um dos grandes problemas no Brasil é a descontinuidade de políticas setoriais. Cada novo governo tende a alterar ou interromper iniciativas anteriores.
Com a mudança para o governo Temer, muitas ações foram paralisadas e a situação piorou ainda mais no governo seguinte. Houve um retrocesso significativo na ciência, tecnologia e inovação em saúde. Agora, no governo do presidente Lula, estamos tentando reconstruir as bases para o fortalecimento do setor.
Durante a pandemia, ficou evidente o perigo de depender quase exclusivamente de importações. Empresas brasileiras garantiram a produção de insumos e medicamentos cruciais, evitando um desabastecimento mais severo. A produção de vacinas por Bio-Manguinhos/Fiocruz e o Instituto Butantan foi fundamental, graças a investimentos públicos de décadas.
Precisamos de políticas de longo prazo para áreas estratégicas, que sejam seguidas independentemente das mudanças de governo. Sem isso, continuaremos a dar passos para frente e para trás, sem progresso consistente.
Qual é o balanço das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), uma das principais políticas para o setor?
As PDPs sofreram altos e baixos devido às mudanças no governo federal. Com a chegada do presidente Lula em janeiro de 2023 e a ministra Nísia Trindade assumindo a pasta da Saúde, houve um esforço para revisar o marco regulatório das PDPs. No final de 2023, foram lançadas as consultas públicas nº 53 e 54 para revisar esse marco.
A Fiocruz enviou suas contribuições para a consulta, além de tê-las encaminhado à ABIFINA, e esta também enviou suas próprias sugestões. Estamos aguardando a publicação do novo marco das PDPs e esperamos mudanças significativas, incluindo a introdução de PDPs de desenvolvimento, após a publicação da Portaria GM/MS nº 2.261/2023, que estabelece a Matriz de Desenvolvimento Produtivo e Tecnológico em Saúde, algo extremamente importante.
Tenho uma boa expectativa, mas é necessário aguardar a nova portaria do Ministério da Saúde para fazer uma avaliação mais precisa do que será implementado.