Cenário de pequenos avanços e grandes expectativas: 2024 promete!
No Setorial Saúde desta edição, FACTO convida dois pesquisadores a abordarem o cenário das doenças raras e das terapias gênicas no Brasil em artigo exclusivo. Eles descrevem as vantagens do País nesse campo por conta de sua biodiversidade e perfil epidemiológico únicos, além de apontarem desafios, como fontes de financiamento e regulamentação para inovar. Os especialistas fazem parte de uma iniciativa lançada em 2022, em Recife (PE), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Complexo Econômico Industrial da Saúde (iCEIS), que hoje reúne mais de 100 pesquisadores. O objetivo é desenvolver tecnologias que impulsionem o Sistema Único de Saúde (SUS).
O pós-pandemia tem sido bastante promissor para o cenário nacional em tudo o que se refere ao Complexo Econômico e Industrial da Saúde brasileiro. A ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, juntamente com o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico e Industrial da Saúde, Carlos Gadelha, articulam diversas ações para que o avanço seja consistente. Exemplos disso são a reestruturação do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Geceis) e o lançamento de programas e instrumentos para desenvolvimento do CEIS, como as publicações recentes das portarias ministeriais dos Programas de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) e de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs).
O que vemos é uma política de Estado inovadora orientada por missões, na qual a saúde pauta toda a área de Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) e de neoindustrialização. Essa política visa promover o desenvolvimento local de soluções inovadoras voltadas aos desafios em saúde a fim de estimular o desenvolvimento socioeconômico sustentável do Brasil e a redução da dependência internacional de insumos e produtos, visando garantir a promoção da sustentabilidade, soberania e viabilidade financeira do Sistema Único de Saúde (SUS) e a ampliação do acesso à saúde.
É estratégico para o Brasil considerar o poder de compra do Estado e as necessidades do SUS, e planejar como sair do atual cenário de judicialização dos medicamentos de alto custo, que poderá comprometer a viabilidade financeira do SUS caso o País não passe a produzir nacionalmente seus medicamentos.
Essa política de Estado que uniu intrinsecamente a saúde e a CT&I também junta, por meio de alianças estratégicas em saúde, empresas, Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs), instituições públicas e entidades privadas sem fins lucrativos. Todos com o propósito de empreender projetos de benefícios mútuos, a partir da união de recursos tangíveis e intangíveis, voltados para atividades de pesquisa e desenvolvimento que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores, além da transferência e da difusão de tecnologias em saúde.
O Brasil está se preparando para uma revolução na área de saúde e, com isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) instituiu uma nova Política de Inovação na Saúde, dividida em três eixos, que nortearão as estratégias do órgão, sendo estes Capacidade e Cultura de Inovação, Tecnologia e Transformação Digital e Regulação e Acesso à Saúde.
Dentre os desafios que o Brasil precisa enfrentar, temos o impacto financeiro no SUS da judicialização para acesso a medicamentos biotecnológicos e terapias gênicas aplicadas ao tratamento de doenças raras. Trata-se do processo por meio do qual cidadãos recorrem ao Sistema Judiciário para garantir o acesso a tratamentos e medicamentos, muitas vezes de alto custo, que não estão disponíveis ou são de difícil obtenção pelo SUS.
Historicamente, tem havido um aumento significativo no número de casos de judicialização da saúde no Brasil, refletindo desafios no acesso a medicamentos e tratamentos especializados. Os medicamentos para doenças raras, especialmente os de terapia gênica, tendem a ser muito caros, o que aumenta o apelo à Justiça.
No Brasil, há um interesse particular em doenças tropicais negligenciadas e enfermidades raras, áreas nas quais o País pode contribuir significativamente para a pesquisa global devido ao seu diversificado perfil genético, que oferece um terreno fértil para pesquisas inovadoras, graças à sua biodiversidade e perfil epidemiológico únicos.
O País tem aumentado seus recursos em pesquisa e inovação, incluindo biotecnologia e terapia gênica. Muitas vezes, esses investimentos são impulsionados por colaborações entre universidades, instituições de pesquisa e setor privado. Contudo, conseguir financiamento suficiente e com garantias de continuidade a longo prazo é um desafio constante. A pesquisa em terapia gênica é cara, e os financiamentos são limitados.
Existem centros de excelência no Brasil que estão na vanguarda da pesquisa em terapias gênicas. Além disso, colaborações internacionais têm desempenhado um papel crucial na expansão do conhecimento e na transferência de tecnologia. No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios em termos de regulamentação e infraestrutura. Navegar pelas complexas regulamentações éticas e governamentais é um desafio. Os procedimentos de aprovação para ensaios clínicos podem ser longos e complicados, especialmente para novas tecnologias. Além disso, a terapia gênica levanta questões éticas complexas, como manipulação genética e acesso equitativo a tratamentos. Há também a necessidade de gerenciar as expectativas dos pacientes e da sociedade.
A natureza interdisciplinar da terapia gênica exige colaboração entre diversas áreas, o que pode ser desafiador em termos de comunicação e coordenação. Universidades e instituições brasileiras têm investido na formação de profissionais altamente qualificados, preparando uma nova geração de cientistas com especialização em biotecnologia e terapia gênica, sendo o financiamento o maior desafio contínuo para garantir que os avanços sejam acessíveis e beneficiem uma ampla camada da população, superando as barreiras socioeconômicas e de infraestrutura.
A nova política do Ministério da Saúde está contribuindo significativamente para o desenvolvimento das pesquisas em terapias gênicas e doenças raras de várias maneiras. No eixo Educação e Capacitação, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, estão sendo desenvolvidas iniciativas para sensibilizar e esclarecer sobre doenças raras. Isso inclui ações de educomunicação e cursos autoinstrucionais oferecidos na plataforma UniverSUS Brasil, produzidos pela Sociedade Brasileira de Genética Médica, para capacitar profissionais de saúde no manejo inicial de pessoas com doenças raras.
No eixo Regulamentação e Avaliação de Produtos de Terapia Avançada, a Anvisa, desde 2018, tem um papel central na regulação dos processos de desenvolvimento, autorização e fiscalização de produtos e serviços que contribuem para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com doenças raras. A agência prioriza a avaliação de produtos destinados às doenças raras, com prazos de análise mais curtos, e já registrou produtos de terapia avançada no Brasil para essas enfermidades, além de aprovar ensaios clínicos de investigação.
No eixo Assistência e Tratamento de Doenças Raras, o Ministério da Saúde tem investido em assistência a doenças raras, incorporando novos tratamentos ao SUS, publicando protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas e habilitando serviços de referência para essas doenças. Esses esforços incluem a incorporação de exames de diagnóstico e aconselhamento genético.
No eixo da Promoção de Políticas Públicas de Qualidade, a Coordenação-Geral das Pessoas com Doenças Raras, criada em 2019, trabalha na criação de políticas públicas de qualidade para pessoas com doenças raras, incluindo a articulação com diferentes órgãos governamentais e organizações da sociedade civil. Iniciativas como parcerias com universidades para o desenvolvimento de cursos de extensão e criação de materiais educativos são exemplos de como o Governo está buscando ampliar o cuidado e a informação sobre essas condições.
Essas ações mostram um comprometimento crescente do Governo brasileiro com a melhoria do diagnóstico, tratamento e qualidade de vida das pessoas com doenças raras, além de impulsionar pesquisas e inovações nessas áreas.
As universidades são fundamentais para impulsionar pesquisa, educação e políticas relacionadas ao tratamento de doenças raras, contribuindo para abordagens globais na área da saúde. As pesquisas e estudos realizados pelas universidades têm um impacto significativo na formulação de políticas públicas e abordagens globais no tratamento dessas enfermidades. Isso inclui geração de conhecimento científico, desenvolvimento de tratamentos e tecnologias, formação e educação de profissionais de saúde, influência em políticas públicas e colaborações internacionais na defesa e na conscientização, assim como nas contribuições para diretrizes clínicas.
Para 2024, com o avanço contínuo da pesquisa, espera-se que novas descobertas genéticas e terapêuticas surjam, oferecendo tratamentos mais eficazes e personalizados para doenças raras. A terapia gênica deve continuar a evoluir, com aprimoramentos na entrega de genes e na segurança dos tratamentos, tornando-os mais eficientes e acessíveis. As tecnologias de edição genética, como CRISPR-Cas9, devem avançar, permitindo intervenções mais precisas no DNA para corrigir mutações genéticas causadoras de doenças. A biologia sintética, que combina biologia e engenharia para criar sistemas biológicos novos e artificiais, pode trazer inovações significativas no tratamento de doenças raras. A utilização de inteligência artificial para análise de dados genéticos e biomédicos deve crescer, possibilitando a identificação de novos alvos terapêuticos e a personalização dos tratamentos.
Espera-se um aumento no desenvolvimento de terapias personalizadas, focadas no perfil genético individual dos pacientes, melhorando a eficácia e reduzindo efeitos colaterais. Provavelmente haverá um aumento no número de ensaios clínicos, bem como parcerias entre universidades, institutos de pesquisa e a indústria farmacêutica. Mudanças na regulamentação e no desenvolvimento de políticas públicas para apoiar a pesquisa e o acesso a novas terapias são esperadas, à medida que o campo evolui. A conscientização sobre doenças raras e a importância da pesquisa genética deve aumentar, juntamente com iniciativas educacionais para profissionais de saúde e o público.
A colaboração entre a academia e a indústria farmacêutica é essencial para transformar descobertas científicas em terapias práticas e acessíveis, suportadas pelos instrumentos governamentais. A indústria tem a oportunidade de investir em pesquisas promissoras e ajudar a levar essas inovações ao mercado, beneficiando pacientes em todo o mundo.
Somos coordenadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Complexo Econômico Industrial da Saúde, o Instituto do CEIS (iCEIS), sediado na Universidade Federal de Pernambuco, na cidade de Recife e presente ativamente em todos os estados do Nordeste. A missão do INCT é ser um ecossistema de inovação e desenvolvimento tecnológico em rede para atender à demanda nacional por produtos e serviços de saúde, contribuindo com a neoindustrialização orientada pela missão da saúde, com foco no desenvolvimento territorial da região Nordeste.
Em outras palavras, somos uma organização global, com atuação local, que realiza inovação e desenvolvimento tecnológico sob demanda, nas áreas da farmácia e engenharia biomédica, promovendo dentro do ambiente universitário a qualificação profissional para uma indústria forte, sempre dialogando com o desafio global do clima, por meio da estratégia de incentivo à indústria descarbonizada, à bioeconomia e ao desenvolvimento territorial sustentável.
Podemos concluir que o Brasil está emergindo como um líder no campo da terapia gênica e no tratamento de doenças raras. Este é um convite para que a indústria farmacêutica se junte a nós nesta jornada emocionante, colaborando para transformar a pesquisa em soluções práticas que podem melhorar a qualidade de vida de milhões.
Em caso de dúvidas, entre em contato: [email protected].