O mercado de trabalho está em constante transformação e traz cada vez mais desafios para a formação profissional. Não por acaso, quatro em cada cinco empresários relatam dificuldade para encontrar profissionais talentosos para as vagas que são abertas, segundo pesquisa do MangroupPower1 (ver gráfico).
O cenário é ainda mais desafiador ao se levar em consideração a constante e acelerada transformação dos perfis profissionais demandados pelo mercado de trabalho devido à expansão da tecnologia, da digitalização e de políticas de ESG (sigla em inglês para o tripé ambiental, social e de governança). O World Economic Forum (WEF) aponta que 44% das competências requeridas atualmente pelo mercado de trabalho deverão ser modificadas até 2027. Diante desse cenário, a falta de mão de obra qualificada tem sido apontada como um dos grandes desafios da indústria brasileira.
No entanto, compreender e sanar o problema de falta de mão de obra qualificada no Brasil requer um olhar mais amplo. A dificuldade em encontrar profissionais com as habilidades requeridas para preencher as vagas abertas abrange desde as lacunas de aprendizado da educação básica até a necessidade de que os trabalhadores desenvolvam competências novas continuamente.
O percentual da população com pelo menos o ensino médio completo passou de 49,2% para 65,2% entre 2012 e 2023, segundo dados do IBGE. Esse resultado reflete a expansão e a consolidação das políticas de ampliação do acesso e permanência nas escolas. Embora o País tenha evoluído em termos de acesso à educação, o Brasil ainda precisa avançar em termos de qualidade. A última edição do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) evidenciou que 12% da população com ensino médio completo eram analfabetos funcionais. Uma educação básica frágil limita o potencial da formação profissional.
Para além da educação básica, é preciso reconhecer que muitos jovens recém-formados desempenharão ocupações que ainda nem existem. A busca por inserção, reinserção e melhor posicionamento no mercado de trabalho perpassa pela necessidade, cada vez maior, de aprendizado contínuo. Estudos acadêmicos têm evidenciado que a pressão por requalificação é consideravelmente maior entre ocupações com menores níveis de educação e habilidades. Isso é especialmente relevante para o caso brasileiro, no qual cerca de 80% dos trabalhadores formais estavam alocados em ocupações que requerem formação até o ensino médio, em 2021.
Percentual de empresários que reportam dificuldade para encontrar talentos
Diante desse contexto, o aprendizado contínuo é crucial para a indústria brasileira. De acordo com dados do Mapa do Trabalho Industrial (MTI), quase 8 milhões de profissionais alocados em ocupações industriais deverão ser requalificados ou aperfeiçoados em quatro anos. A requalificação abrange profissionais em atividades que estão se tornando obsoletas e por isso precisam se requalificar para outras funções no setor produtivo, enquanto o aperfeiçoamento engloba trabalhadores cuja ocupação está incorporando novas competências, complementares às atuais, que precisam ser desenvolvidas para acompanhar as transformações do setor industrial. Além disso, o Mapa também mostra o alto potencial de crescimento de profissões transversais, como áreas de segurança do trabalho, controle de qualidade e logística, reforçando a tendência de que o emprego do futuro estará cada vez mais ligado à capacidade adaptativa dos trabalhadores a diferentes contextos.
Por fim, qualificar a mão de obra exige atenção às reais necessidades do setor produtivo. Isso implica traçar um plano de oferta educacional em carreiras convergentes à demanda existente no mercado de trabalho e desenvolver competências complementares críticas para aqueles que já estão empregados. O relatório do WEF mostra que as competências mais demandadas por empresários em todo o mundo hoje são voltadas para habilidades analíticas, criativas e ligadas à autoeficiência, como resiliência, agilidade e motivação. Olhando para competências almejadas no futuro, ganham relevância significativa habilidades de manipulação e uso de inteligência artificial e big data, e as voltadas à liderança e à influência social.
As mudanças organizacionais e tecnológicas transformam a indústria e requerem dos trabalhadores o desenvolvimento de novas competências nas mais diversas dimensões. Somado a isso, ainda é preciso encarar os gargalos da formação profissional e a necessidade de formar trabalhadores que, muitas vezes, carecem de proficiência em conhecimentos de educação básica e isso, por sua vez, impacta negativamente o desempenho das atividades laborais. Vale notar que o aprendizado contínuo depende de uma educação básica capaz de emancipar os trabalhadores em suas atividades laborais e de aprendizado voltadas a atender às demandas dinâmicas do mercado de trabalho.
Em suma, a estratégia para suprir a demanda por profissionais qualificados deve estar pautada em três pilares fundamentais: uma educação básica ampla e de qualidade, uma formação profissional aderente à demanda dos empregadores e o aprendizado contínuo. Ou seja, a educação para a inserção no mercado de trabalho é apenas o primeiro passo da formação profissional, que deverá ser seguida por sucessivas iniciativas de atualização e aperfeiçoamento da força de trabalho até o fim de sua trajetória laboral.
Notas:
- Ver resultados da Pesquisa de Escassez de Talentos no Brasil, que abrangeu 1020 empregadores entrevistados no Brasil. Disponível em: https://blog.manpowergroup.com.br/pesquisa-escassez-de-talentos-2023.
- Dados do estudo Future of Jobs, disponível em: https://www.weforum.org/reports/the-future-of-jobs-report-2023/.
- Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. O indicador considera somente a população de 14 anos ou mais.
- Indicador é fruto da parceria entre a ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro. Ele é obtido a partir de pesquisa amostral com representatividade em nível nacional. O Inaf tem série histórica de 2001 a 2018. Disponível em: https://alfabetismofuncional.org.br/
- Segundo dados administrativos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2021.
- Dados do estudo do Observatório Nacional da Indústria da CNI. Resultados gerais para o período de 2022-2025 estão disponíveis em: https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/trabalho/mapa-do-trabalho-2022-2025/.