O Brasil precisa acompanhar as transformações que estão acontecendo no mundo. Isso é vital, entre outras coisas, para que sua indústria continue a existir. Após a pandemia e, agora, com a guerra na Ucrânia, os países desenvolvidos começaram a implantar a política de repatriar investimentos e produção de itens estratégicos, de forma a minimizar os impactos nas suas cadeias produtivas em momentos de crise global. No nosso segmento, além do esforço, da força de vontade e da capacidade, é preciso haver a liderança do Estado, como vemos naqueles países. A ABIFINA sempre alertou para o perigo da dependência externa e a necessidade de termos uma política industrial de Estado, sólida e perene.
Continuamos a cumprir, esperançosos, nosso papel de estudar, propor e cobrar soluções para o Complexo da Química Fina. Com o BNDES, discutimos no fim de abril as ações previstas pela área de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do banco. A reindustrialização – ou neoindustrialização, na forma adotada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin – foi a pauta. A ideia por trás do novo termo é que as políticas públicas foquem setores com maior potencial para crescer e incorporem aspectos como descarbonização, inclusão social e novas tecnologias.
Na articulação setorial, participamos do relançamento da Frente Parlamentar da Química, também em abril, no Congresso Nacional. Neste ciclo, o grupo ambiciona levar a indústria brasileira de química de 6ª maior no mundo para o 4º lugar. Para isso, precisamos de maior oferta de gás natural a preços mais baixos. Essa é mais uma frente na qual os principais países do mundo já se adiantaram.
O artigo da professora Suzana Borschiver, da UFRJ, argumenta que grande parte do déficit do setor químico brasileiro é de produtos derivados diretamente do gás natural, usado como matéria-prima na fabricação de fertilizantes nitrogenados, metanol, isocianatos e outros. O Brasil é o maior importador de fertilizantes do mundo, apesar de ter a mais importante indústria agropecuária. Segundo Suzana, metade da produtividade agrícola está ligada ao uso de fertilizantes e, na produção destes, o gás natural tem um peso importante, respondendo por 80% dos respectivos custos. Portanto, esse é mais um ponto que merece ser observado nas políticas públicas.
Na química fina, pesa ainda a dependência da importação de intermediários, cuja escassez faria a indústria de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) parar.
O cenário atual deixou claro que transferir a produção desses segmentos para Índia e China pode ser barato no curto prazo, mas sairá caro na primeira crise de abastecimento, uma vez que não haverá substitutos nacionais.
A matéria política desta edição aborda a necessidade de restabelecimento da política industrial, incluída a química fina. A oferta da indústria de transformação teve 19,1% de importados em 2020. Analisado apenas o setor da química fina, a parcela de venda de importados representou 37,3% do total no período.
Precisamos romper o ciclo de baixos investimentos e geração de incertezas no ambiente de negócios que precarizam a indústria.
Até o momento, o governo teve avanços, como a elaboração do arcabouço fiscal, a recomposição dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e a recriação do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), com destaque agora para o aspecto econômico. Estes são passos importantíssimos, e a política industrial deve andar junto com eles, sob pena de não alcançarmos nossos objetivos como país.
Em paralelo às deficiências históricas, enfrentamos o problema crescente da pirataria, tema de artigo do advogado Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP). Ele relata que o primeiro levantamento feito pela entidade, em 2014, verificou perdas de R$ 100 bilhões em quinze setores produtivos, incluindo sonegação de impostos. No ano passado, a cifra pulou para inacreditáveis R$ 410 bilhões. A ABIFINA abraça essa causa, promovendo campanhas de conscientização para o público e sensibilizando o governo para a necessidade de reforçar os órgãos de fiscalização.
Seguindo na pauta desta edição, o artigo da consultora da ABIFINA Ana Claudia Dias de Oliveira explica as patentes de segundo uso, os critérios de concessão no Brasil e as tentativas de estender o tempo de validade da proteção. A especialista promove ainda uma discussão sobre a pertinência desse instituto. A propriedade intelectual segue em nossa agenda prioritária, em defesa dos interesses nacionais.
Já a reportagem do Setorial Saúde discute o desenvolvimento do parque industrial para garantir a autonomia brasileira. As empresas nacionais seguem investindo em pesquisa e desenvolvimento para ter competitividade.
Ainda assim, faltam segurança jurídica, revisão de normas, articulação governamental para gerar incentivos à inovação e desoneração tributária para a internalização de novas tecnologias.
Todos os aspectos abordados nesta edição da FACTO estão, de alguma forma, presentes no Plano de Retomada da Indústria, liderado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e para o qual a ABIFINA contribuiu. A diretora de Desenvolvimento Industrial e Economia da CNI, Lytha Spindola, é a entrevistada desta edição e detalha pontos importantes, inclusive as prioridades para os 100 primeiros dias de governo apontadas pela entidade. Algumas medidas foram implantadas e muitas outras receberam sinalização positiva.
A ABIFINA continua empenhada na sua agenda estratégica para fortalecer o Complexo Industrial da Química Fina e garantir as condições de autonomia para o Brasil. Acreditamos que este seja um novo momento, com dificuldades particulares, mas com oportunidades para as empresas nacionais. Para aproveitá-las, precisamos saber elaborar as políticas certas e levá-las adiante, independentemente do governo da vez. Em última instância, esse é nosso trabalho.