REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2023 • ANO XVII • ISSN 2623-1177
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Reindustrialização ganha força no debate político
//Matéria Política

Reindustrialização ganha força no debate político

A discussão sobre a necessidade da reindustrialização brasileira voltou forte à agenda política nacional. O tema ocupa espaço central nas falas do governo, sob o termo neoindustrialização, conforme apresentado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin em recente declaração. Associações de indústria aproveitam a brecha para propor ao Poder Público medidas de estímulo à cadeia produtiva nacional, como o documento Plano de Retomada da Indústria, com as propostas prioritárias da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para os 100 primeiros dias de governo. A retomada da indústria não é trivial, mas se faz necessária para reduzir a dependência brasileira de produtos e insumos importados, fortalecer a capacidade de inovação da indústria nacional, especialmente da química fina, e aumentar a segurança sanitária.

O cenário geopolítico internacional é propício à discussão. Apesar de encerrada oficialmente, a pandemia deixou clara a vulnerabilidade das cadeias produtivas globais em momentos de crise mundial. Setores como o da química fina mostraram-se essenciais durante a maior emergência sanitária recente. Diante disso, especialistas ouvidos pela FACTO defendem que o Complexo Industrial da Química Fina precisa de atenção prioritária em qualquer política industrial a ser adotada.

“O setor químico é fundamental como estratégia de fortalecimento de cadeias produtivas locais, com efeitos de transbordamentos consideráveis, gerando emprego de alta qualificação e renda mais elevada, fortalecendo o mercado interno e contribuindo para a trajetória de neoindustrialização e desenvolvimento econômico do País”

Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC)

Encolhimento industrial

O cenário é desafiador, aponta Juliana Trece, economista do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), devido ao drástico encolhimento da indústria de transformação nacional, setor estratégico por estar na ponta inicial da cadeia produtiva. Recentemente a economista publicou, com Claudio Considera, também economista do FGV IBRE, estudo que revela uma redução prematura da participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto brasileiro. “O Brasil tem apresentado forte perda de participação da produção nacional no total da oferta do País de produtos característicos da indústria de transformação. Isso significa que a importação de produtos característicos dessa indústria tem ganhado relevância ao longo dos anos no total desses produtos ofertado no País. A partir de dados do Sistema de Contas Nacionais do Brasil, divulgados pelo IBGE, observa-se que a importação dessa categoria de produtos aumentou de relevância em 5,7 pontos percentuais (p.p.) na oferta a preços básicos, entre 2000 e 2020”, explica.

De acordo com ela, o Complexo Industrial da Química Fina apresenta perda mais significativa. “Na análise específica de produtos característicos do setor da química fina, observa-se que este padrão se repete de forma ainda mais acentuada. Enquanto a oferta dos produtos característicos do total da indústria de transformação foi composta por 19,1% de importados em 2020, a de produtos característicos apenas do setor da química fina representou 37,3% do total da oferta desses produtos em 2020; um aumento de 13,9 p.p. entre 2000 e 2020”. Para fazer esse cálculo, ela explica que se baseou nos códigos CNAE referentes às atividades que compõem a química fina, em uma agregação aproximada. No gráfico, é possível ver a evolução da porcentagem de importados na oferta nacional total de produtos da química fina.

Riscos da dependência

Especialistas apontam os riscos do encolhimento da produção nacional nesse setor, considerado estratégico para o País.

Juliana Trece

“Pelo fato de a indústria da química fina ser composta por segmentos de extrema necessidade, como é o caso de farmoquímicos e farmacêuticos, a ampliação da inserção da importação destes tipos de produtos na oferta brasileira evidencia o aumento da dependência externa e a necessidade de se repensar a indústria no País de forma a garantir a segurança e o abastecimento local”, argumenta a economista do FGV IBRE.

Composição da oferta a preços básicos dos produtos característicos do setor da química fina (em %)

Os riscos dessa alta dependência externa ficaram mais evidenciados nos últimos três anos e mostram a necessidade de o Brasil ter uma indústria capaz de atender à demanda nacional, enfatiza Uallace Moreira. “A pandemia da covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia têm demonstrado a importância de se ter cadeias internas produtivas fortes em setores como saúde e fertilizantes, tanto do ponto de vista econômico como social, estando estreitamente ligada à segurança nacional. Por exemplo, a dependência da produção de medicamentos, insumos ou equipamentos médicos estrangeiros em casos de necessidade, como de uma pandemia ou um conflito internacional, pode significar, como significou, a vida de milhares de brasileiros. Assim como no setor de fertilizantes, a escassez deixa em evidência a exposição do País à vulnerabilidade da oferta internacional, inclusive afetando até mesmo o nível de preços no mercado nacional”, disse.

O segmento farmoquímico é um dos que mais sofre com a dependência de insumos importados, e também um dos que traz mais vulnerabilidade ao País, alerta Peter Andersen, CEO do Grupo Centroflora. “O cenário atual apresenta uma preocupante dependência de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) importados, que já tem mostrado seus efeitos nocivos à saúde da população brasileira. É o que vimos, durante a pandemia, com a falta de diversos insumos farmacêuticos”. Andersen lembra que esse processo vem acontecendo há décadas. Para ele, caso o quadro não se reverta, as consequências podem ser devastadoras. “Sofremos os impactos da transferência da indústria de intermediários químicos e de fabricação de IFAs do Ocidente para o Oriente, iniciada na década de 1980, em especial para Índia e China, onde os custos e o controle de impactos ambientais são menores.

Peter Andersen

Sem uma mudança de rumos para a produção de IFAs nacionais, corremos o risco de em pouco tempo acabarmos com a pouca produção local, e perpetuarmos essa dependência nociva de ingredientes importados para a fabricação de medicamentos.

Isso, mais cedo ou mais tarde, levará ao desabastecimento desses produtos à população e vai pôr em xeque a habilidade do governo em garantir o acesso à saúde básica aos brasileiros”.

Retomada de investimentos

Por trás do fenômeno da desindustrialização brasileira está o baixo investimento, tanto público quanto privado, aponta Juliana Trece. “A histórica baixa taxa de investimentos nacional, em comparação à maior parte dos países, é um dos principais aspectos que contribuíram para a deterioração da indústria nacional, por dificultar a ampliação tecnológica necessária frente aos rápidos avanços em tecnologia que têm se observado nos últimos anos. O setor público brasileiro enfrenta dificuldades para financiar investimentos de infraestrutura como realizava no passado e, portanto, a parcela mais relevante dos investimentos deve vir do setor privado”, explica. A dificuldade, no entanto, é o País atrair investimentos privados. “Para isso, é necessária a redução do nível de incerteza tanto econômico quanto político. Mas, com base na última década, em que se observou uma das maiores crises econômicas do Brasil, entre 2014 e 2016, além de forte polarização política, atrair investimentos privados a ponto de elevar consideravelmente a taxa de investimentos parece ser um grande desafio”, lamenta.

Uallace Moreira afirma que o novo governo está atento à questão. O caminho para a reindustrialização, ou neoindustrialização, como o governo tem chamado, passa pela retomada dos investimentos públicos. “A nossa confiança é que o investimento público em ciência, tecnologia e inovação será retomado e voltará a crescer. Nesse sentido, os instrumentos existentes deverão ser aperfeiçoados e novos deverão ser instituídos”, promete. Para isso, uma das primeiras medidas é o reequilíbrio fiscal. “O governo acaba de apresentar proposta para reequilibrar as contas públicas e permitir a queda dos juros. A responsabilidade fiscal é pedra fundamental para a retomada do crescimento do País”, enfatiza. O secretário destaca ainda a importância de Estado e setor privado atuarem em prol de um mesmo objetivo. “A articulação entre o setor privado e o governo é essencial para fomentar a ciência, tecnologia e inovação. Por exemplo, na crise da covid-19, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), 72% das pesquisas direcionadas para o desenvolvimento da vacina contra a covid receberam recursos provenientes de fundos públicos, promovendo uma articulação entre governo e setor privado em prol da vida e da inovação. Essa parceria entre Estado e setor privado é primordial para o desenvolvimento da ciência, da inovação e tecnologia”, argumenta.

Peter Andersen também defende a aproximação entre governo e indústria, pois, como aponta, o processo de reindustrialização demanda tempo. “A produção de IFAs dentro do Brasil é um tema que precisa da união do governo, indústria química, indústria farmacêutica e indústria farmoquímica, que, juntos, precisam construir uma solução que atenda às necessidades nacionais. É preciso ter em mente que a estruturação para a produção desses ativos no País demanda fortes investimentos e, pelo menos, dez anos de horizonte. Por isso, a hora de agir é agora, enquanto o problema é contornável e os desabastecimentos ainda não são tão frequentes como poderão ser no futuro”, alerta.

Política industrial

O deslocamento de indústrias para países asiáticos não é um fenômeno apenas brasileiro, mas mundial. Estados Unidos e nações europeias também sentiram os efeitos, durante a pandemia, do desarranjo das cadeias globais. Como resposta, muitos voltaram a elaborar políticas industriais ativas, focadas na defesa de interesses estratégicos, na busca por autonomia produtiva, na transição energética e em uma agenda de sustentabilidade. Peter Andersen acredita que esse é um caminho a ser perseguido pelo Brasil, mas há obstáculos. “Diversos países ocidentais estão desenvolvendo estratégias agressivas para reduzir essa dependência, e o Brasil ainda está numa fase embrionária, de tentar juntar os diferentes atores que poderiam mudar esta realidade”, afirma. “O grande desafio de uma política industrial voltada à produção de IFAs é, primeiro, a conscientização de que se trata de uma política de Estado, e não de um governo ou com vieses ideológicos”, complementa. Na sua visão, os últimos governos não deram a devida importância ao tema.

Uallace Moreira também defende a importância de o Brasil ter uma política industrial. “Todos os países que almejam manterem-se ou tornarem-se desenvolvidos adotam estratégias de política industrial”, afirma. Segundo ele, o governo atual está trabalhando pela elaboração de uma nova política industrial, com vistas ao desenvolvimento do País. “A política industrial deve servir de ferramenta para fortalecer e aprimorar a indústria nacional, em cooperação com as indústrias regional e global. Também deve considerar todas as iniciativas já existentes em termos de leis, programas e ações vigentes, de forma que estejam coordenadas e, se necessário, aperfeiçoadas. A política precisa ainda da participação do setor produtivo, tanto na sua concepção quanto na sua implementação, monitoramento e avaliação”, argumenta.

São dois os objetivos principais do governo, de acordo com Moreira: fortalecer o que já existe e fomentar a inovação. “A intenção é que a nova política industrial possa estar alicerçada em pilares que tenham como objetivo fortalecer a cadeia produtiva interna, aquecendo setores produtivos estratégicos onde o Brasil já tem capacidades produtivas internas construídas, com resultados duradouros que possam persistir no longo prazo, mesmo com eventuais mudanças de governo”, explica. “O objetivo é que, dentre os resultados, possamos ter maior volume de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no setor da química fina no Brasil, bem como a ampliação da produção com maior valor agregado, no mercado doméstico e no exterior. A finalidade é criar as possibilidades para o catch-up tecnológico do Brasil, essencial para o País superar a armadilha da renda média. Ou seja, a promoção e o fomento à inovação são elementos chave para o êxito de uma neoindustrialização. Na verdade, inovação e desenvolvimento sustentável são aspectos chaves de uma trajetória de neoindustrialização do Brasil”, complementa.

O avanço tecnológico é de fundamental importância para permitir ao País fabricar, em território nacional, insumos essenciais para a produção de medicamentos. Nesse aspecto, Peter Andersen defende que a transferência de tecnologia para a produção de IFAs e, especialmente, de intermediários seja prioridade na elaboração de uma política industrial nacional. “Não podemos esquecer a necessidade de desenvolvermos também a indústria química de fornecimento dos intermediários para garantir a fabricação dos IFAs em solo brasileiro. Das poucas empresas que ainda resistem às dificuldades regulatórias e mercadológicas, bem como à falta de incentivo à indústria nacional, nenhuma hoje produziria IFAs se não tivesse acesso à importação de intermediários”, alerta.

Também na visão do CEO do Centroflora, outro ponto a ser abrangido em uma nova política é o incentivo ao estabelecimento de parcerias com produtores de países da América Latina.

“O nearshoring é um plano possível, levando em consideração que toda a América vai sofrer com a eventual carência de importação de IFAs e intermediários. Ações alinhadas com esses parceiros, com o objetivo de aproveitar o pequeno parque farmoquímico da região, são de fundamental importância”, acredita.

Uallace Moreira garante que esse é um tema que está no radar do Executivo. “O governo brasileiro está atento e acompanhando os movimentos de deslocamentos de plantas industriais e, principalmente, de centros de P&D, no sentido de que o País possa estar cada vez mais bem inserido nos fluxos de comércio internacionais, principalmente com redução da nossa dependência externa, e com aumento das nossas exportações, especialmente aquelas de maior conteúdo tecnológico. O estreitamento de laços com parceiros regionais pode ser uma estratégia importante para fortalecer a economia local e deve ser mais bem explorado”, defende.

Ainda segundo ele, outras pautas relativas à química fina integram a atual agenda política do governo, como a sustentabilidade e a Agenda 20230.

“A sustentabilidade, em todas as suas vertentes, tem papel central nas políticas do novo governo, inclusive na política industrial. Precisamos superar mazelas nas diversas frentes abraçadas pela Agenda 2030. O Brasil tem todas as condições para tornar-se referência neste tema em razão de nossas potencialidades na geração de energia limpa, investindo ao mesmo tempo na criação de mais empregos e de melhor qualidade e na inclusão social. A química fina é e será cada vez mais essencial nesse processo, seja no uso sustentável de recursos, seja na geração de empregos”, afirma.

Geraldo Alckmin se reúne com representantes da química fina

O vice-presidente do Brasil e também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participou em maio de audiência com grupo de empresários do Complexo Industrial da Química Fina (CIQF), em iniciativa liderada pela ABIFINA. O encontro teve como objetivo debater propostas para o fortalecimento da indústria nacional e a consequente reindustrialização do País.

Na ocasião foram apresentados os eixos prioritários que refletem a visão estratégica da Associação para a retomada do desenvolvimento industrial e abrangem áreas-chave para o crescimento sustentável do setor da química fina. A comitiva era formada por representantes dos diversos segmentos que compõe o quadro de associados da entidade, abarcados também nas propostas expostas.

Na ocasião foram apresentados os três eixos prioritários que refletem a visão estratégica da entidade para a retomada do desenvolvimento industrial e abrangem áreas-chave para o crescimento sustentável do setor da química fina. O CIQF é considerado um pilar estratégico para a economia nacional e para a promoção da saúde e do bem-estar dos brasileiros, pois dele se origina uma extensa variedade de produtos fundamentais, como fármacos, medicamentos, vacinas, defensivos agrícolas e para a saúde animal. Todos os segmentos representados pela ABIFINA estão contemplados nas propostas apresentadas.

Eixo 1  Fortalecimento da produção local

Engloba a elaboração de políticas que impulsionem a competitividade e a sustentabilidade da indústria nacional, incluindo o desenvolvimento de produtos estratégicos, parcerias público-privadas e cooperação tecnológica.

Eixo 2  Incentivo à responsabilidade socioambiental

Reúne ações para o fortalecimento da cadeia produtiva com matérias-primas sustentáveis, por meio da preservação da biodiversidade e da adoção de práticas responsáveis.

Eixo 3  Promoção do comércio exterior, desenvolvimento científico e inovação

Abrange iniciativas voltadas ao fortalecimento de redes de pesquisa, à formação de recursos humanos especializados e à revisão dos marcos regulatórios. Nesse eixo estão incluídos também a promoção de um ambiente regulatório eficiente e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras.

A ABIFINA aproveitou a oportunidade para reforçar a importância da existência de espaços de diálogo que possibilitem a articulação entre os setores público e privado, em especial o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), reestruturado em abril, e o Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), recriado no mesmo mês.

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