REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2023 • ANO XVII • ISSN 2623-1177
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Agenda Política para uso do gás natural como matéria-prima: Novo Programa Gás para Empregar
//Artigo

Agenda Política para uso do gás natural como matéria-prima: Novo Programa Gás para Empregar

O gás natural é uma mistura variada de hidrocarbonetos na qual o metano e o etano são os principais componentes. Uma de suas grandes vantagens é a variedade na utilização, pois pode ser utilizado em diversos segmentos da atividade econômica, incluindo a indústria, o comércio, o setor residencial e o de transporte, bem como o próprio setor energético, que pode utilizar o gás como um combustível primário para seus processos de transformação. Ele é o combustível fóssil mais nobre que os outros, como a gasolina e o óleo diesel, pois gera bem menos poluentes, podendo-se afirmar que faz parte do processo de transição energética. A combustão de gases combustíveis em equipamentos corretos é praticamente isenta de poluentes como óxidos de enxofre, partículas sólidas e outros produtos tóxicos, permitindo que o consumidor utilize o gás de forma direta. Além disso, como o gás possibilita uma combustão com elevado rendimento térmico, pode-se obter reduções na intensidade de consumo de energia na indústria, no comércio ou em residências.

O Brasil produz cerca de 50% da demanda interna de gás natural, importa o restante principalmente da Bolívia, e complementa a demanda local com gás natural liquefeito (GNL). De acordo com dados recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), do total produzido internamente, praticamente metade, 72,2 milhões de m³/dia, é reinjetada na boca dos poços do pré-sal, principalmente pela falta de infraestrutura de escoamento desse gás.

O gás natural pode ser usado como uma matéria-prima estratégica para a indústria química, sua grande consumidora, sendo usado na fabricação de diversos produtos como, por exemplo, plásticos, lubrificantes e fertilizantes.

O metano pode ser utilizado para fazer o metanol, que é um dos componentes do biodiesel e o etano pode ser usado em polietileno, que terá uma variedade de aplicações como embalagens de shampoos e alimentos. Do eteno, pode-se fazer o óxido de eteno, que produz surfactantes, componentes de limpeza, detergentes, e outras inúmeras aplicações. De acordo com o relatório EIA 2018 (Annual Energy Outlook, na sigla em inglês), o consumo de gás natural para geração de calor e energia crescerá 40% até 2050 e o consumo para a indústria química aumentará em 50%, embora cerca de 75% do consumo total de gás natural no mundo ainda sejam consumidos para aplicações de calor e energia.

Nos últimos anos, a indústria química brasileira tem perdido participação no atendimento à demanda interna por meio da produção local, apesar do crescimento do consumo de produtos químicos no País. Esse importante setor industrial enfrenta um acentuado processo de desindustrialização, decorrente de vários fatores como a ausência de políticas públicas de longo prazo, preço do gás natural e matérias primas, custo tributário e da logística. Como consequência disso, existe uma carência de produção local de vários produtos estratégicos, o que faz com que o País seja dependente de insumos e produtos importados. Esse problema estrutural tem levado a um déficit comercial crescente, desde o início da década de 1990, de US$ 1,2 bilhão para o salto de US$ 65 bilhões em 2022.

Vale registrar que parte expressiva do déficit químico é de produtos derivados diretamente do gás natural, que é utilizado como matéria-prima na produção de fertilizantes nitrogenados, metanol, isocianatos, dentre outros produtos químicos. Hoje o Brasil é o maior importador de fertilizantes, a despeito de ter uma das agropecuárias mais competitivas do mundo, seguido dos EUA, União Europeia, Índia, com a demanda crescendo o dobro da taxa global. Esse cenário vem piorando ao longo dos últimos anos, com políticas que desoneraram a importação dos produtos e mais recentemente com o conflito entre Rússia e Ucrânia. Cabe destacar que cerca de 50% da produtividade agrícola está ligada ao uso de fertilizantes na lavoura, sendo que o gás tem um peso de 80% nos custos de produção.

Uma importante discussão diz respeito à reinjeção de gás. Se essa prática fosse reduzida aos padrões mundiais para cerca de 20% e a diferença em gás fosse internalizada, o Brasil poderia obter diversas oportunidades em toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de produtos e equipamentos a serviços técnicos especializados. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a oferta de gás pode ser 19 milhões de m³/dia maior que o previsto, se a reinjeção for menor. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM), o PIB do País poderia ser aumentado em R$ 401,3 bilhões, com potencial de gerar 2,7 milhões de novos empregos e aumento na arrecadação de tributos.

Com certeza esses movimentos podem atrair excelentes oportunidades em investimentos em novas Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) e em rotas de escoamento de gás das plataformas do pré-sal, gasodutos de distribuição, bem como na indústria química. Deve-se destacar também a atenção que o País deve ter ao shale gas, a exemplo do que ocorreu no Centro-Oeste dos Estados Unidos em meados de 2000 e mais recentemente em Vaca Muerta, na Argentina.

Uma política pública forte que propicie condições competitivas para o gás natural, cujo preço de US$ 15 a 20/MMBTU é quase quatro vezes maior que nos EUA, representa um passo fundamental para a volta da produção em plantas industriais com ociosidade elevada, ou até paralisadas.

Muitas ações no âmbito do gás natural têm sido propostas e discutidas ao longo dos anos, como o estudo “Gás para Desenvolvimento”, realizado pelo BNDES em 2019, e a Nova Lei do Gás, de 2021, que tratou da questão da reforma do marco legal da indústria do gás natural, em linha com o Novo Mercado de Gás, programa lançado em 2019 pelo Governo Federal. Recentemente, no dia 17 de março de 2023, na última reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão responsável por assessorar o presidente da República em assuntos relacionados à formulação de políticas nacionais e diretrizes energéticas, foi anunciado pelo ministro Alexandre Silveira, do Ministério de Minas e Energia (MME) o Programa Gás para Empregar. O programa aborda importantes propostas como uma política de precificação, a construção de uma nova infraestrutura, o papel da Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA) como fonte geradora de possibilidades na construção de gasodutos, a redução de reinjeção do gás natural nos campos offshore e recoloca o gás natural dentro da agenda de reindustrialização, com consequente elevação do emprego, renda, segurança energética e alimentar. Por fim, esse projeto estratégico do governo atual se destaca com propostas de modelos de negócios para garantir o suprimento de gás natural, sendo determinante nas decisões de investimentos em todos os elos dessa cadeia produtiva, com impactos positivos na indústria química e no compromisso do Brasil na transição energética. Que assim seja.

Suzana Borschiver
Suzana Borschiver
Professora titular da Escola de Química da UFRJ e membro do Conselho Nacional de Políticas Energéticas do Ministério das Minas e Energia.
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