O novo governo brasileiro que se inicia precisa ser uma frente ampla não apenas em sua composição, mas também na sua estratégia de atuação. Há um grande trabalho a ser feito: definir e articular projetos que envolvam diferentes entes governamentais para conseguirmos realmente incentivar o setor industrial e para a economia voltar a crescer. Precisamos pensar em tributos, ciência e tecnologia, regulatório sanitário, sustentabilidade. Sem a articulação entre todas essas áreas, de nada adianta colocar esforços no Complexo Industrial da Saúde, por exemplo. Ainda assim, a escolha da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, para o ministério da Saúde já indica um bom começo.
Foi com esse olhar amplo que a ABIFINA elaborou a Agenda Setorial e Temática para o Complexo Industrial da Química Fina entregue à equipe de transição do governo que se inicia. São mais de 50 proposições. Trabalhamos em três eixos capazes de estimular o desenvolvimento: produção local; ciência, tecnologia, inovação, regulação sanitária e propriedade intelectual; e responsabilidade socioambiental.
Para ter uma produção local relevante, o Brasil precisa de políticas de Estado de longo prazo. Elas devem ser destinadas a desenvolver a cadeia de produtos estratégicos de química fina (em especial os intermediários químicos), incentivando a melhoria da infraestrutura, o aumento da capacidade produtiva e a sua competitividade.
O fortalecimento da produção local é discutido nesta edição da FACTO no artigo de Patrícia V. Marrone, com a colaboração de Francisco Balestrin, Eduardo Mario Dias, Sergio Luiz Pereira e Maria Lídia Scoton. Eles ressaltam como os países estão repatriando elos das cadeias produtivas da saúde para terem maior autonomia. A Índia selecionou 57 insumos farmacêuticos ativos estratégicos, a Suécia monitora o risco de escassez de antibióticos e os EUA focam em produtos médicos relacionados a urgências, emergências (catástrofes, eventos climáticos e ataques terroristas) e novas epidemias.
É disso que precisamos no Brasil: definir os insumos farmacêuticos prioritários e investir em políticas públicas para desenvolver sua produção. A ABIFINA propõe o uso das compras públicas e da cooperação tecnológica, que se articula com o eixo seguinte da Agenda.
No eixo de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), reiteramos a necessidade da destinação correta do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), assim como a ampliação dos editais de fomento e provimento de infraestrutura tecnológica. A matéria política da presente edição explora esse tema, com a pergunta: o que esperar do próximo governo para o desenvolvimento da área?
A reportagem Setorial Saúde mostra o que o Brasil é capaz de fazer tendo as condições mínimas necessárias. Com sua expertise, o Butantan iniciou a fase de estudos clínicos de sua ButanVac, imunizante contra a covid-19. A Universidade Federal de Minas Gerais e a Fiocruz também testam a nova vacina SpiN-TEC, enquanto a Universidade de São Paulo desenvolve uma formulação em spray nasal. Os casos mostram nossa capacidade de criar plataformas que coloquem o Brasil entre os desenvolvedores de tecnologias.
Do ponto de vista da ABIFINA, o avanço em C,T&I depende de uma regulação sanitária e um sistema de propriedade intelectual que permitam o avanço da inovação nacional da cadeia produtiva farmacêutica. O assunto deu a tônica do XIII Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (SIPID). A matéria de cobertura do evento detalha as discussões sobre dispositivos que visam ampliar o prazo de vigência de patentes no Brasil.
Para o pesquisador da Fiocruz Jorge Bermudez, palestrante no evento, a proteção excessiva cria um apartheid no acesso a medicamentos em países pobres, indo contra o interesse público. Já a pesquisadora e economista Julia Paranhos alertou para o risco presente nas cláusulas dos acordos comerciais bilaterais e afirmou que “não é a extensão da patente que determina se o produto inovador vai ser introduzido no Brasil. É a demanda do sistema de saúde, e temos uma demanda significativa”.
No que tange à sustentabilidade, contemplada no terceiro eixo de nossa Agenda, a posição da ABIFINA é favorável a políticas para estimular a preservação ambiental, a adoção de práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e o uso da biodiversidade brasileira pela indústria.
O artigo de Renata Amaral nesta edição chama atenção para o tema. Segundo o texto, sustentabilidade e crise climática “são a espinha dorsal das negociações internacionais dos grandes players e parceiros comerciais do Brasil”. Além disso, o País tem a oportunidade, neste momento, de se tornar um dos grandes fornecedores de energia limpa para o mundo.
A Agenda Setorial e Temática da ABIFINA se preocupa ainda com pautas transversais que pesam no Custo Brasil, como a reforma tributária e a desoneração da folha de pagamentos, além do comércio exterior.
A abertura comercial indiscriminada e sem contrapartidas feita nos anos recentes – muito discutida na última reunião de nosso Conselho Administrativo – tornou-se um massacre da nossa indústria. Ficou muito difícil competir com os produtos importados. O governo que acaba prometeu uma abertura lenta e gradual, mas fez o contrário: reduziu tributos de uma hora para outra.
Estamos diante da chance de um recomeço. Para isso, o novo governo deve assumir a complexidade que envolve o desenvolvimento industrial e encarar o esforço de articulação. Precisa “sair das caixas” de ministérios e secretarias para criar uma política industrial ampla e transversal, que traga previsibilidade e segurança jurídica para o setor da química fina nacional.