REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2022 • ANO XVI • ISSN 2623-1177
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O futuro da economia em um mundo instável
//Entrevista Renato Baumann

O futuro da economia em um mundo instável

Se os efeitos da pandemia e da crise econômica global já colocavam enormes incertezas para a indústria brasileira, a guerra entre Rússia e Ucrânia acaba por impor ao Brasil um esforço ainda maior para encontrar meios de incentivar o investimento produtivo. O economista Renato Baumann, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), analisa esse cenário. Ele vê uma tendência de retração da demanda por produtos brasileiros no médio prazo por um lado, mas, por outro, é possível que parte dos recursos financeiros globais seja direcionada para o Brasil em decorrência do conflito Rússia-Ucrânia. Aqui tem um ponto de atenção: o investimento direto na indústria depende do avanço em condições estruturais no País. Outra fonte possível de oportunidades é a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual o especialista vê prós e contras.

Estamos em um cenário de desarranjo das cadeias globais de suprimento, inflação elevada, Custo Brasil e outros fatores prejudiciais à economia. O que mais poderá impactar a indústria nacional no curto prazo?

A invasão russa acrescentou um conjunto de novos componentes. O impacto nos custos relacionados ao petróleo é um deles. Outro é a menor oferta de algumas commodities, como o milho, o trigo e também minerais importantes na cadeia produtiva mais sofisticada. É o caso do paládio, níquel e cobre, sem falar nos fertilizantes. Vemos ainda novos determinantes no mercado financeiro internacional.

A economia brasileira – como a de outros produtores de commodities – deverá absorver algum benefício com o aumento dos preços de certas exportações e ganhar espaço em alguns mercados, mas certamente esse cenário terá impacto inflacionário interno, e não apenas via combustíveis.

No momento, não há certeza sobre o tempo e a magnitude do conflito, mas é razoável esperar que aumentos sucessivos das taxas de juros nas economias centrais terão efeito redutor em seu ritmo de crescimento, com diminuição da demanda agregada por nossos produtos.

A falta das propaladas reformas, os custos e as dificuldades no acesso a insumos importados na economia fechada, e as turbulências do período eleitoral certamente também concorrerão para ampliar o grau de incerteza sobre a atividade industrial.

O que podemos esperar da economia em relação à pandemia?

As análises de curto prazo antes do conflito Rússia-Ucrânia enfatizavam os impactos sobre os custos de produção devido à dificuldade de acesso a insumos e às limitações de transporte no mundo.

Além disso, a expectativa, em médio prazo, era de que economias emergentes pudessem se beneficiar com o processo de relocalização de plantas produtivas, o que ainda não se materializou com a intensidade pretendida. O quadro geral não mudou, apesar dos sinais de melhora gradual nos problemas do acesso a insumos e nas restrições ao transporte de mercadorias.

Qual deve ser a prioridade das políticas de apoio à inovação tecnológica? Que instrumentos seriam mais eficazes?

Fica difícil se pensar em políticas de inovação tecnológica com os cortes de recursos orçamentários recentes nas áreas de educação e pesquisa, que têm provocado o encerramento de tantos projetos. Ainda mais quando as estatísticas mostram uma redução comparativa de formandos nas áreas exatas, o grande calcanhar de Aquiles quando se pensa no incentivo à competitividade a médio e longo prazos.

Como o senhor avalia as oportunidades de financiamento aos investimentos industriais no Brasil?

Alguns analistas têm enfatizado a persistência de um volume expressivo de liquidez no mercado internacional, o que tem motivado os ajustes nas taxas de juros pelas autoridades monetárias, como comentei antes. O objetivo é reduzir um pouco a oferta de recursos e seu impacto sobre o nível de preços. Outro aspecto é que o conflito russo-ucraniano poderá, por diversas razões e ao menos no curto prazo, motivar um desvio de recursos para economias emergentes, como a brasileira.

No Brasil, é esperada a divulgação de leilões de grandes projetos e, caso sua modelagem financeira seja considerada adequada, atrairão volumes expressivos de recursos em infraestrutura.

Já na indústria, a maior parte dos investimentos diretos externos tem sido em aquisição de unidades já existentes, nos diversos setores. Esse processo é mais intenso quando há expectativas positivas em relação ao desempenho futuro da economia e à estabilidade política e jurídica do País. Também quando os ativos ficam mais baratos, em função das paridades cambiais.

Estamos nesse caminho?

A segunda condição parece razoavelmente assegurada, em vista dos movimentos recentes no mercado de divisas e do baixo dinamismo da economia. A primeira, mais determinante, certamente será objeto de análise mais cuidadosa, sobretudo com a proximidade das eleições.

Quando há liquidez, bons projetos conseguem ser financiados. No Brasil, essa não parece ser uma condição suficiente, já que, além das considerações anteriores, permanece em aberta a agenda relativa às condições estruturais, o que compreende o desafio de construir projetos tecnicamente sólidos, conseguir equacionar o tema das garantias e diversas outras questões.

O governo elaborou, em apenas um ano, o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado em março último. Por outro lado, o setor de insumos farmacêuticos, após dois anos de pandemia, ainda não foi objeto de uma política de desenvolvimento industrial. Por que isso acontece?

No pós-invasão russa, o discurso oficial é de prioridade máxima à substituição de importações de fertilizantes, inclusive levando a projetos contestados, como a exploração em terras indígenas. Mas a iniciativa do Plano de Fertilizantes é anterior ao conflito. Certamente, em mais de dois anos de pandemia, deveria ter havido maior proatividade na produção de vacinas.

Quais as vantagens e desvantagens da integração do Brasil à OCDE?

Em artigo recente na Revista Tempo do Mundo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) [número 25, 2021], argumentei que a acessão à OCDE pode ajudar os países no desenho e implementação de políticas para melhorar a qualidade de vida da população, modernizar e reformar o Estado, assim como fortalecer as certezas em relação à estabilidade jurídica, o que contribui para estimular os investimentos e promover o crescimento. É esperado que o ingresso de um país na organização funcione como uma espécie de “selo de qualidade” na economia, e isso pode facilitar a obtenção de recursos a custos mais baixos.

Um “modelo básico” implícito na advocacia da acessão àquele organismo provavelmente compreende: abertura comercial; expectativa de que os ajustes político-institucionais aumentarão a confiança dos investidores; e confiança de que o “selo de qualidade” de um membro pleno estimula os investidores externos e reduz os custos de captação de recursos. Como consequência, poderá haver variação positiva na ampliação da capacidade produtiva, crescimento da produção e aumento de bem-estar social.

Quais são as contrapartidas desses benefícios?

Esses benefícios potenciais não são isentos de custos. A OCDE é uma instituição cuja principal “arma” é o constrangimento: os países são constantemente comparados com os demais em relação a uma quantidade grande de variáveis. Aqueles na cauda da distribuição são instados fortemente a promover os ajustes necessários em direção próxima à adotada pelos demais.

Assim, do ponto de vista interno, será preciso ajustar legislações e práticas relativas à concorrência, à inovação, às questões ambientais, de comércio exterior e outras, de modo a aproximá-las dos demais sócios.

Outro desafio é ter condições para contribuir e, eventualmente, influenciar as recomendações técnicas por parte da organização. Um dos argumentos para formalizar a candidatura a membro pleno é não apenas ter acesso às consideradas melhores práticas. Afinal, isso poderia ser conhecido através das publicações da instituição. Mais relevante é poder influenciar suas recomendações a partir das realidades de economias menos desenvolvidas, o que requer ser membro pleno e atuante, um exercício nada trivial.

Por fim, mas não menos importante, caso o Brasil tenha – como pareceu ter por algum tempo – pretensões de ser um ator importante na governança global, contribuindo com visões de parte do mundo em desenvolvimento, o fato de ser membro pleno da OCDE imporá à diplomacia o desafio de equilibrar essa condição com atividades paralelas em outros grupos de países.

Renato Baumann
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