A decisão brasileira unilateral de reduzir em 10% as alíquotas da Tarifa Externa Comum (TEC), que entrou em vigor em novembro de 2021, precisa ser revista baseando-se em aspectos técnicos e considerando os efeitos em todos os setores produtivos. A alegação de que a medida favoreceria a competividade brasileira não se sustenta. Essa experiência liberal em países periféricos sempre se mostrou infrutífera, com consequências negativas aos geradores da riqueza nacional, os produtores, e favorecimento exclusivo aos importadores.
O discurso liberal do século XVII continua em voga. É comum ouvirmos os argumentos de que o tratamento “jurássico” de proteção tarifária no Brasil é bem superior à média mundial, que superprotegemos nossas produções, que não somos competitivos, o que acarretaria um custo adicional ao consumidor e às empresas brasileiras na aquisição de seus insumos.
No entanto, toda a economia contemporânea baseia-se em grandes conglomerados, produção oligopolizada e arranjos de cadeia em nível internacional. Essas e outras características contradizem a tão defendida visão liberal por países que não se preocupam com o desenvolvimento em longo prazo.
Ainda assim, não defendo a manutenção da TEC de modo absoluto. O correto seria estudar o impacto da redução tarifária em cada cadeia produtiva, ou seja, estabelecer uma política industrial de fato, como é feito nos países centrais capitalistas. Nações como a Alemanha e a China, tão diferentes politicamente, possuem políticas de proteção a partir de análise dos impactos.
Também se encontram medidas protetivas em lugares como os Estados Unidos, onde a segurança nacional é considerada o setor mais importante. Além de haver forte regulação na área de saúde e dispositivos para produção estratégica nas áreas agrícola e da saúde em países da Europa e nos próprios Estados Unidos.
No Brasil não se quer fazer isso, pois dá trabalho. É mais fácil fazer algo generalizado, com o discurso de que não podemos ter áreas mais importantes que outras, ainda que as medidas atuais protejam o que sempre foi protegido. Para assegurar o real desenvolvimento de áreas estratégicas, pode-se e deve-se proteger setores que contribuem para a saúde, produção agrícola e inovação, como é praticado por países que tiveram sucesso na sua industrialização.
O caso brasileiro é ainda pior, por ser uma posição unilateral que desconsidera que estamos dentro de um mercado comum, o Mercosul. Há uma clara demonstração de que não há consistência nas relações do Brasil com seus parceiros do tratado.
A nossa presença nesse acordo sempre desagradou os liberais brasileiros, pois impede a subserviência nacional às sociedades ricas.
Além disso, não há nada que sustente tecnicamente a proposição de se reduzirem 10% nos valores atuais da TEC. Trata-se de uma medida política ineficaz. A proposta não atende em momento algum a uma redução de custos para o consumidor ou mesmo para a produção nacional, e seu impacto real é mostrar a ausência de uma política nacional de médio e longo prazos.
No caso específico da química fina, essa redução só traz o que sempre trouxeram as políticas liberais: diminuição da produção nacional, com aumento nos custos, já que a formação de preços do produto importado não se dá pela TEC, mas pelo número de fornecedores, sempre pequeno em escala internacional. Isso afeta a competitividade do Brasil como um todo, e desconsidera a criação de empregos, o pagamento de impostos e o impacto na inovação das empresas brasileiras.
A primeira pergunta que fica é: por que não se trabalha para que as empresas brasileiras tenham tratamentos similares às empresas exportadoras para o Brasil? Se somarmos os impostos que incidem sobre a produção nacional (PIS/COFINS, ICMS diretamente na produção), além de outros custos, como frete interno, veremos que os produtos importados têm maior competitividade que os produtos brasileiros, mesmo com a baixa infraestrutura dos portos nacionais. Isso faz com que a suposta proteção da TEC seja muito inferior aos custos impostos para quem cria riqueza no Brasil.
A segunda pergunta é: qual a razão de não termos continuidade das políticas públicas e de não procurarmos cumprir pelo menos uma etapa completa dessas políticas para que verifiquemos sua efetividade? Mesmo quando a política existe e é um sucesso, ela não agrada, e mudamos novamente.
A resposta é clara, temos que ter política de Estado e não pessoais. Precisamos de trabalho organizado, com propostas bem delineadas e que possam ser defendidas, políticas que possam ser questionadas e mudadas com base técnica, de política pública, e que favoreçam a população brasileira como um todo.
O problema é que sempre achamos que o estrago pode ser revertido. No entanto, o custo é muito grande. Estamos pagando bastante pelas políticas ultraliberais implementadas na área econômica, que deixaram resultados negativos para a população brasileira. Precisamos recuar dessa posição unilateral e negociar algo que seja pelo bem da comunidade em que vivemos, no caso, o Mercosul, fazendo os ajustes necessários. Há diversas cadeias produtivas que precisam de uma política de desenvolvimento, se não quisermos continuar reféns de setores e indústrias com controle 100% externo, que sempre conseguem se defender, tanto na produção quanto na importação.