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Jan-Abr 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Indústria precisa de incentivo à inovação para investir em novos medicamentos
//Setorial Saúde

Indústria precisa de incentivo à inovação para investir em novos medicamentos

Capacidade industrial instalada, centros de pesquisa, cientistas talentosos e uma das maiores variedades de biodiversidade do planeta formam rara combinação e credenciam o Brasil a ocupar uma das principais posições do mercado internacional de medicamentos. No entanto, essa realidade ainda está longe de se concretizar. Para tal, o País precisa solucionar entraves burocráticos, aperfeiçoar a legislação e estimular pesquisas.

Uma das principais legislações que precisam ser alteradas é a da regulação sanitária para registro de medicamentos que, em sua forma atual, causa entraves à inovação. “A Anvisa está revisando a norma, assim como está em debate com entidades do setor. Essa atualização será importantíssima para que a indústria farmacêutica promova a entrada no mercado de categorias de medicamentos inovadores mais requisitados pelo setor, dando à população acesso a alternativas terapêuticas”, explica a diretora-executiva de Qualidade e Assuntos Regulatórios do Aché Laboratórios Farmacêuticos, Gabriela Mallmann. Para ela, a aproximação das normas brasileiras à legislação internacional facilitaria o incentivo à inovação nas indústrias, assim como permitiria, por exemplo, o uso de moléculas já aprovadas e a introdução de medicamentos com inovação incremental, com eficácia e segurança, sem exigências de novos estudos.

“Entendemos que a solução passa pela liberação dos preços, inclusive no caso de inovações incrementais” 

Roberto Amazonas, diretor do Grupo NC Farma

Outro aspecto apontado como entrave ao aumento de pesquisas no Brasil é a regulação dos preços dos medicamentos. O setor farmacêutico é considerado um dos que mais investe em inovação, apesar das dificuldades inerentes à atividade, pois é um processo complexo, com elevados graus de riscos e incertezas. “O preço dos medicamentos, no Brasil, é controlado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Entretanto, a resolução atual possui mais de dez anos e isso acaba impactando no desenvolvimento de produtos no País”, afirma Gabriela Mallmann. “Seria interessante que as empresas tivessem mais previsibilidade e segurança. Precisamos de uma precificação justa e adequada, especialmente para medicamentos inovadores, levando em consideração a tecnologia embutida, os benefícios e as vantagens terapêuticas”.

Para Camile Giaretta Sachetti, ex-diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde, a atual legislação não possui critérios claros e não contempla as novas tecnologias, em especial as inovações radicais, consideradas “casos omissos”. “O debate se faz necessário para discutir os casos de terapias avançadas e criar categorias que reflitam o novo cenário”. O diretor médico e de portfólio do Grupo NC Farma, Roberto Amazonas, ressalta que, para conseguir inovar, as empresas investem muito tempo e recursos em capacitação de pessoas, pesquisa, desenvolvimento e estudos clínicos, entre outras ações. “No entanto, muitas vezes benefícios terapêuticos como maior adesão ao tratamento e comodidade para o paciente não são levados em conta no momento da precificação dos medicamentos, o que acaba desencorajando as empresas a seguirem inovando. Entendemos que a solução passa pela liberação dos preços, inclusive no caso de inovações incrementais”.

“A Anvisa está revisando a legislação. Essa atualização será importantíssima para que a indústria farmacêutica promova a entrada no mercado de categorias de medicamentos inovadores”

Gabriela Mallmann, diretora do Aché

Walker Lahmann, diretor-executivo da Eurofarma, concorda e lembra que a regulamentação de preço hoje em vigor foi criada para atender a um cenário diferente do atual. “As empresas brasileiras amadureceram e investem quantias significativas em inovação, tanto incremental quanto radical. A questão passa pela segurança jurídica e por regras de precificação claras e sedimentadas, para que as empresas possam avaliar se um produto será ou não viável economicamente. Felizmente em julho de 2021 foi iniciada uma consulta pública para revisão da regulamentação da CMED”.

História da inovação

A indústria farmacêutica nacional recebeu forte impulso a partir de 1999, quando foi implantada a política de medicamentos genéricos, que levou empresas aqui instaladas a se prepararem para atender à crescente demanda. De acordo com Roberto Amazonas, os genéricos foram muito importantes para a evolução do padrão técnico das farmacêuticas nacionais, e alteraram o patamar de qualidade do setor. “Os genéricos, incluindo os de alta complexidade, nos trouxeram um grande know-how técnico no desenvolvimento de produtos, fazendo com que as empresas nacionais apostassem cada vez mais em inovações, fossem elas incrementais ou radicais. Foi um marco, que colocou a indústria brasileira no mesmo nível das empresas internacionais”.

O segundo salto de qualidade aconteceu em 2004, com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PICTE) e, depois, o lançamento, pelo BNDES, do Pró-Farma. “Houve um crescimento dos investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento), com novas formulações e inovações incrementais. Entre 2011 e 2014, foi lançado o Programa Brasil Maior, que encontrou o segmento já inserido no Complexo Industrial da Saúde e o estimulou mais”, explica o superintendente da área de inovação da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Rodrigo Rocha Secioso de Sá. “Ainda há caminho a percorrer, mas atualmente é possível perceber as empresas brasileiras consolidando suas estratégias de inovação, usando a biotecnologia”,

O fundador e presidente do Laboratório Cristália, Ogari de Castro Pacheco, ressalta que inovação tem que ser sinônimo de ganho terapêutico para pacientes e médicos. “Caso contrário, pode até ser novidade, mas não podemos reputar como um progresso real. Mudar o sabor do xarope não pode ser considerado uma inovação”, afirma. No entanto, o diretor de Desenvolvimento Farmacotécnico, Analítico e de Embalagens do Aché, Edson Bernes, acha que uma fase de inovações radicais consistentes já pode ser observada no País e que projetos complexos, que envolvem novas moléculas sintéticas, extratos e produtos biológicos, estão sendo desenvolvidos. “Farmacêuticas brasileiras estão pesquisando tecnologias totalmente disruptivas. Tudo isso cria um ambiente fértil e motivador para o desenvolvimento do segmento”.

Futuro da inovação

O futuro parece estar nos medicamentos de origem biotecnológica – e as farmacêuticas brasileiras estão se preparando para investir cada vez mais nesse campo, por meio de transferências de tecnologias. Nesse sentido, o Brasil tem em sua biodiversidade uma grande aliada. “No momento, apenas 5% da flora mundial já teve seu valor farmacológico avaliado. Se considerarmos que o Brasil detém mais de 20% da biodiversidade do planeta, teremos uma clara noção da riqueza que temos em nosso território. E o melhor: com grande potencial para inovações radicais”, revela Rodrigo de Sá. O diretor de Novos Negócios e Parcerias Estratégicas do Aché, João Vissoci, concorda que as empresas devem voltar seus esforços de pesquisa para produtos biotecnológicos elaborados a partir da biodiversidade. “O meio ambiente nos permitirá criar moléculas sintéticas inovadoras, que darão destaque a nossas empresas no mercado internacional”.

“As empresas brasileiras investem quantias significativas em inovação, tanto incremental quanto radical. A questão passa pela segurança jurídica e por regras de precificação claras e sedimentadas”

Walker Lahmann, diretor da Eurofarma

Mas o avanço não virá apenas das matérias-primas da natureza. A Tecnologia da Informação tem muito a contribuir. Novos aplicativos e softwares facilitarão diagnósticos e tratamentos. “A revolução digital vai além e nos trará dispositivos, patches e comprimidos que integrem os dados de tratamento dos pacientes e disponibilizem as informações de forma rápida e confiável”, comemora o diretor do Aché. “A adoção massiva de tecnologias da indústria 4.0, com a consequente enorme quantidade de dados oriundos da digitalização e conectividade crescentes, gerará valor para todo o Complexo Industrial da Saúde, não apenas por redução de custos, mas por aceleração de busca por inovações radicais”, corrobora o superintendente da Finep. Segundo a ex-diretora do Decit, Camile Sachetti, o setor será revolucionado por bioinformática, sequenciamento genético, big data e terapias avançadas, entre outras novidades. Ela é taxativa: “Para a sobrevivência do setor, principalmente o nacional, será necessária uma mudança disruptiva em seu modelo de negócios tradicional”.

“Precisamos incrementar os investimentos. Nossa nação destina somente 1,27% do PIB para P&D, enquanto países como Coreia ou Israel chegam a 4,5%”

Rodrigo de Sá, superintendente da Finep

A construção de parcerias entre empresas privadas e universidades e centros de pesquisa é um dos elementos centrais do bom desempenho de farmacêuticas sediadas no exterior. Uma boa alternativa são os Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs), organizações sem fins lucrativos de administrações públicas ou privadas, que possuem como principal objetivo a criação e o incentivo a pesquisas científicas e tecnológicas. Atuam em conjunto com a iniciativa privada, fazendo pesquisas e discutindo propostas que adicionem valor aos produtos. No entanto, mesmo essa iniciativa não escapa de dificuldades. “Os ICTs possuem processos complexos e regras que desincentivam uma cooperação mais intensa, em especial no âmbito da negociação de direitos de propriedade”, alerta o superintendente da Finep. “Por mais que existam ferramentas específicas para incentivar parcerias, como o Programa Finep Conecta ou instrumentos financeiros de incentivo ICT-Empresa, também da Finep, ainda estamos distantes das nações mais desenvolvidas. Precisamos também incrementar os investimentos. Nossa nação destina somente 1,27% do PIB para P&D, enquanto países como Coreia ou Israel chegam a 4,5%”, lamenta Rodrigo de Sá.

De acordo com Camile Sachetti, as universidades públicas no Brasil ainda têm arcabouços jurídicos que dificultam o ingresso de recursos privados e a consequente prestação de contas das pesquisas realizadas em parceria com empresas privadas. “São necessárias mudanças que permitam essa integração, de forma transparente e auditável. A transformação deve vir de uma vontade coletiva, das autoridades e dos órgãos de controle. O Estado deve ser o indutor e o articulador de uma política de ciência e tecnologia que defina as prioridades de pesquisa para o País, contrapartidas envolvidas, linhas de fomento público e privado e metas claras”.

Ogari Pacheco, do Cristália, acredita que a troca de conhecimentos entre empresas e universidades ainda tem que avançar, mas melhorou em comparação com o passado recente. “Ainda deve crescer, mas já foi pior. Nossa empresa mesmo é um exemplo de sucesso. Desenvolvemos, em parceria com a UFRJ, uma proteína que estimula a recuperação dos axônios dos neurônios em casos de lesão da medula – e já conseguimos resultados robustos”.

Avanços legais

Uma esperança de avanço veio da recente aprovação da Lei Complementar no 177/2021, que proibiu o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDCT), o que pode significar mais recursos públicos para fomento à inovação em empresas. Para Rodrigo de Sá, tão importante quanto os cerca de R$ 7 bilhões de arrecadação do fundo são a previsibilidade e a perenidade de recursos para aplicação em atividades de pesquisa e inovação. “Foi um marco histórico para o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, permitindo que o dinheiro público funcione como uma alavanca para investimentos privados”.

“Inovação tem que ser sinônimo de ganho terapêutico para pacientes e médicos. Caso contrário, pode até ser novidade, mas não podemos reputar como um progresso real”

Ogari Pacheco, presidente do Cristália

O Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação é outro ponto que pode contribuir para melhorar o cenário. Pensada para criar um ambiente mais favorável à pesquisa, desenvolvimento e inovação nas universidades, nos institutos públicos e nas empresas, a Lei nº 13.243/2016 trouxe regras mais claras para que a relação entre empresas e universidades aconteça de forma mais eficiente. “Um número maior de editais, focados em especial na área de saúde, seria uma maneira de fomentar mais projetos que envolvam a colaboração entre empresas e centros de pesquisa”, afirma Edson Bernes, diretor de Desenvolvimento Farmacotécnico, Analítico e de Embalagens do Aché. O diretor da Finep crê que o marco traz avanços significativos e amplia as possibilidades de cooperação, mas pondera que há questões culturais. “Não basta incrementar a cooperação. Temos que aumentar o volume investido”.

Outros incentivos

O que mais poderia ser feito para estimular a inovação na área farmacêutica? Segundo Walker Lahmann, da Eurofarma, há uma série de ações que poderiam ser adotadas. “Hoje existem linhas de crédito para financiar inovações, mas suas estratégias de concessão podem ser aprimoradas. Outra medida benéfica seria a desoneração de algumas tarifas como a de royalties referentes a tecnologias trazidas para o Brasil ou, ainda, retirar os tributos incidentes sobre pesquisas realizadas no exterior, mas que tragam conhecimento e expertise para o Brasil”.

“Com o Programa Genomas Brasil, haverá incentivos para empresas interessadas em suprir a demanda de mercado interno do setor de biológicos, em especial a do SUS”

Camile Giaretta Sachetti, ex-diretora do Decit

Uma das novas oportunidades de crescimento para a indústria farmacêutica nacional surgiu com a decisão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) nº 9.279/1996, veredito que acabou com a extensão do prazo de patentes para além dos 20 anos fixados em lei e possibilitou que várias substâncias entrassem em domínio público. João Vissoci, do Aché, acredita que o novo cenário resultará em muitos benefícios para os pacientes, na medida em que poderá suscitar o aparecimento de novos medicamentos genéricos, e para as empresas, que acelerarão o desenvolvimento de inovações incrementais. “Talvez isso proporcione o aparecimento de alternativas terapêuticas mais cômodas aos pacientes, com novas apresentações farmacêuticas”. Roberto Amazonas, do Grupo NC Farma, corrobora e dá exemplos: “A prorrogação das patentes configurava uma distorção de um benefício que era para estimular pesquisa e inovação. Na prática, mantinha elevados, por mais tempo, os preços de vários medicamentos. A queda do artigo 40 ampliará o acesso da população a produtos genéricos seguros e eficazes em diversas classes terapêuticas como, por exemplo, diabetes e coagulação sanguínea”.

“Inovações radicais consistentes já podem ser observadas no País e projetos complexos, que envolvem novas moléculas sintéticas, extratos e produtos biológicos, estão sendo desenvolvidos”

Edson Bernes, diretor do Aché

Os produtos biológicos representam a maioria dos gastos públicos com medicamentos, portanto, cabe ao governo priorizar programas e ações que direcionem a pesquisa farmacêutica para essa área, até para garantir a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). “Recentemente o Brasil instituiu o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, que tem como objetivo promover o desenvolvimento desse setor no País. Se o programa seguir o caminho previamente proposto, haverá incentivos para empresas interessadas em suprir a demanda do mercado interno, em especial a do SUS”, explica Camile Sachetti.

Os biossimilares são considerados produtos inovadores. No entanto, sua produção ainda precisa ser incentivada. João Vissoci acha que deve haver uma atenção especial à regulamentação relacionada a esse tipo de produto. “A regulação deve estar sempre atualizada, de forma a não inviabilizar o desenvolvimento feito por empresas nacionais”. Para o presidente do Laboratório Cristália, Ogari Pacheco, os biossimilares são a versão biotecnológica dos genéricos. “São produtos que darão mais oportunidades de tratamento para a população, com a garantia de que possuem as mesmas propriedades terapêuticas que os medicamentos originais”

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