Esta edição da FACTO dá grande destaque para um tema que tem ficado em papel secundário no discurso e na política econômica do governo, que é a inovação. Os artigos e reportagens reforçam a realidade já bastante conhecida da carência de investimento em pesquisa e desenvolvimento, que leva o Brasil a permanecer na lanterna do ranking mundial. O país ficou em 62o lugar no Índice Global de Inovação, entre 131 nações. Pior é ver a queda de quinze pontos desde 2011, uma evidência clara do desmonte das políticas públicas para a área. Este é o principal alerta que trazemos nas próximas páginas. E aqui reside um ponto em comum na fala de especialistas, pesquisadores e empresários: somente uma estratégia consistente e de longo prazo conduzida pelo Estado nos fará superar esse cenário.
A Matéria Política traça um amplo panorama das mazelas brasileiras e dos caminhos possíveis. Se os recursos para inovação já eram escassos, agora são pífios, visto os enormes cortes orçamentários das universidades públicas. Além disso, muitas são as críticas ao fato de as políticas focarem no fomento às universidades e centros de pesquisa, enquanto o principal motor da inovação são as empresas, como se pode ver na experiência internacional. São elas que têm a visão do mercado e garantem o lançamento de produtos bem-sucedidos, lucrativos, enquanto recebem os inputs das demais instituições com seus conhecimentos da ciência e da fronteira tecnológica.
Os arranjos necessários para encorajar as empresas a investirem em inovação são vários. O Custo Brasil encarece a produção, o transporte, a armazenagem e a venda; configura um ambiente de insegurança jurídica, no qual as empresas nunca sabem o dia de amanhã; cria uma série de dificuldades aos negócios que tornam o País desinteressante para o investimento estrangeiro direto e fazendo muitas empresas nacionais decidirem que o melhor é simplesmente fechar as portas. Algumas mais aguerridas, como as indústrias do Complexo da Química Fina, persistem apesar das adversidades por saberem que estão na base do desenvolvimento econômico. Talvez isso lhes dê a esperança de que, um dia, receberão a contrapartida de seus esforços, capaz de colocá-las em outro patamar de competitividade.
Essa contrapartida são as políticas públicas, que devem contemplar os incentivos governamentais à inovação, mas também estímulos à produção local. Não faz sentido falar em combate à covid-19 sem esse apoio do Estado. Ao mesmo tempo, a situação atual mostrou que as empresas inovadoras são aquelas que melhor atravessam períodos de restrições econômicas. Por todos esses motivos, o Projeto de Fomento ao Setor da Cadeia Produtiva Farmacêutica, elaborado pela ABIFINA e outras entidades do segmento, teve grande receptividade do governo no cenário de pandemia.
Da mesma forma, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) organizou o GT Farma, grupo de trabalho do qual a ABIFINA fez parte e que elaborou sugestões para o desenvolvimento de insumos farmacêuticos e medicamentos no Brasil. O ministério planeja continuar as atividades na Rede Farma-MCTI, que será criada. Aos poucos, o trabalho da ABIFINA vem mostrando impacto positivo nas ações do governo federal.
Outra iniciativa interessante vai na linha do que a reportagem da FACTO aponta, que é a seleção de setores estratégicos para receberem investimentos públicos, diante da impossibilidade de se cobrirem todos os segmentos da economia. O MCTI atualizou em agosto a portaria que define as áreas prioritárias para apoiar projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação entre 2021 e 2023, por meio de parcerias e recursos financeiros, incluindo segmentos da química fina, como os de biotecnologia, nanotecnologia, agronegócio, saúde e nuclear. Agora precisamos da liberação de financiamento e de editais de subvenção. É fundamental e urgente também cumprir a Lei Complementar nº 177/2021, que acabou com os contínuos contingenciamentos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
No campo da legislação, foi sancionado em junho o Marco Legal das Startups, que pavimenta o caminho para se construir um ambiente favorável ao empreendedorismo inovador, como relata artigo de Paulo Alvim, secretário de Empreendedorismo e Inovação do MCTI. Ele mostra os programas criados com foco nas startups, que proporcionam recursos financeiros, metodologias e articulações estratégicas com agentes do ecossistema de inovação.
Já a reportagem do Setorial Saúde aponta a necessidade de mudanças na regulação sanitária para facilitar o registro de medicamentos inovadores. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começou a revisar a norma e a ABIFINA está engajada nos debates, apontando os aspectos que dificultam o processo e desestimulam as empresas a investirem em inovações radicais e, especialmente, incrementais. Estas não são menos importantes. Pelo contrário, são fundamentais para as empresas nacionais, no estágio de maturidade em que estão, criarem pipelines de inovação, mantendo contínuos processos de pesquisa e desenvolvimento.
A regulação dos preços de medicamentos inovadores é também abordada na reportagem. A falta de critérios claros para novas tecnologias provoca uma série de casos omissos e insegurança nas empresas. Vivenciamos ainda outro ponto crucial, que é a “evasão de cérebros”, com doutores e pós-doutores deixando o Brasil para aplicarem seus conhecimentos em países que melhor os valorizem, inclusive a China – que apresenta mais um exemplo do poderíamos ter feito, mas não fizemos.
Criar postos de trabalho e melhores salários é uma necessidade. Mas, antes disso, há ainda o gargalo da educação. Teríamos um número ainda maior de profissionais de alto nível se houvesse mais escolas técnicas, com um ensino que estimulasse o empreendedorismo e com currículos atualizados para as tecnologias do século XXI, o que vale também para as universidades. Para isso, seria interessante criar um mapa das especialidades necessárias ao País, convergente com os setores estratégicos definidos pelo MCTI e outros instrumentos de políticas públicas.
No tema inovação, não se pode deixar de falar na proteção da biodiversidade brasileira, uma fonte imensa de ativos a serem usados no desenvolvimento de novos produtos. Artigo de Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP, defende a retomada de políticas protetivas ao meio ambiente, com a mesma ênfase dada pelo governo à pauta econômica.
A propriedade intelectual também consta necessariamente no pacote de incentivo à inovação. Artigo de Ana Claudia Dias de Oliveira, consultora da ABIFINA, aborda as consequências positivas da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial, que acabou com a extensão de patentes. O julgamento histórico teve sua fundamentação baseada em grande parte nos argumentos da ABIFINA, que defendia essa pauta há vários anos.
A vitória, no entanto, não finalizou nosso trabalho. Agora a entidade busca mecanismos para auxiliar os associados a entenderem como podem aproveitar a mudança em seus processos inovativos. Para isso, a ABIFINA estudou as patentes de 50 medicamentos e identificou que 28% deles estão em domínio público e 48% entrarão nos próximos cinco anos.
O levantamento é importante e inédito: cada medicamento pode possuir mais de uma proteção patentária e a ABIFINA fez essa verificação completa, dando a segurança para as empresas de que podem investir em inovações relacionadas a essas tecnologias, pois estão livres para exploração. Essa é uma contribuição direta aos associados, que se soma à mobilização da entidade para inserir o tema da inovação na agenda do governo, com objetivo de que sejam estabelecidas políticas públicas para a indústria.