REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Política externa e meio ambiente
//Artigo

Política externa e meio ambiente

O reconhecimento da responsabilidade internacional dos países por danos ambientais é um dos maiores desafios da atualidade para o Direito Internacional Ambiental. Este impõe limites ao exercício da soberania, enquanto afirmação dogmática da onipotência do Estado sobre seu território e pessoas. Enquanto a doutrina clássica costumava afirmar que a soberania era um poder indivisível e inalienável, não submetido a nenhum outro poder, seja de ordem interna ou externa, o Estado Moderno trouxe consigo a certeza de que essa noção de poder absoluto padece de incoerências.

O poder soberano, como é sabido, deve realizar o bem comum, observando sempre o respeito aos princípios permanentes do Direito e da Moral. Sendo assim, todo Estado democrático de direito está condicionado a realizar o bem comum, força legítima e limitadora do poder do Estado. Essa é a razão pela qual a produção normativa do Estado está condicionada à observância dos direitos fundamentais e aqueles consagrados nos tratados e convenções internacionais, como os relativos à proteção do meio ambiente, enquanto patrimônio comum da humanidade, ainda que situado no território de apenas um dos Estados.

Foi graças à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, celebrada em 1972, em Estocolmo, com a presença de 113 países, além de organismos da ONU e várias organizações não-governamentais, como Greenpeace e Earthwatch, que a pressão sobre governos e indivíduos assumiu escala mundial. Muitas outras convenções se seguiram, dentre elas aquelas celebradas durante a Eco-92 e, na sequência, o Protocolo de Kyoto, também em 1992, e o Acordo de Paris, em 2015.

Os problemas relativos à mudança do clima devem, portanto, estar sempre na agenda principal das políticas macroeconômicas. Os bancos centrais, agências reguladoras, ministérios da economia e finanças cada vez mais inter-relacionam estabilidade macroeconômica, regulação financeira e sustentabilidade fiscal aos riscos ambientais. Organizações internacionais multilaterais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o G-7 e o G-20, mantêm como prioridades os temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas. Tanto nos EUA como na União Europeia, os problemas ambientais estão no centro das reformas econômicas voltadas ao crescimento e à recuperação dos prejuízos causados pela pandemia.

A ODCE, em seu relatório anual publicado recentemente, propõe um esquema amplo de reformas para promover o crescimento em longo prazo para os seus 37 países-membros, sem perder de vista os emergentes, inclusive o Brasil. No que diz respeito especificamente ao Brasil, o documento estima que mais de três quartos da população brasileira estão expostos a níveis nocivos de poluição do ar, semelhante ao risco de boa parte dos países examinados pela Organização. A ODCE, ao se debruçar sobre a política econômica e social brasileira, sugere que o País assuma “nova prioridade” relativamente à sua política ambiental, preservando os recursos naturais e acabando com o desmatamento. Isso é, o País precisa reforçar a proteção efetiva dos seus recursos naturais, incluindo os da floresta tropical amazônica.

A Organização recomenda ao governo brasileiro que “evite o enfraquecimento do atual quadro de proteção legal, incluindo as áreas protegidas, e o Código Florestal”, e que se concentre no uso sustentável do potencial econômico da Amazônia. Segundo a OCDE, medidas adotadas pelo governo brasileiro para ajudar a economia a passar pela crise da covid-19 atingiram a cifra de US$ 105 bilhões, mas apenas uma fração desse montante (US$ 351 milhões, ou seja, 0,3%) foi destinada ao meio ambiente. Além disso, o Brasil ainda não respondeu ao convite para participar do Programa Internacional de Ação sobre o Clima, cujo objetivo é o de acelerar a atuação dos países na descarbonização de suas economias, o que pode servir de obstáculo à entrada do País no organismo.

Se uma das prioridades do Brasil, em termos de política externa, é ser aceito na ODCE, com vistas a efetivamente integrar-se à economia mundial, os indicadores são pessimistas. Correções e ajustes na política ambiental do Brasil devem ser feitos com urgência. O combate aos ilícitos na Amazônia – como queimadas, destruição da mata e da biodiversidade e o garimpo ilegal – deve ser mais eficiente e eficaz.

Da mesma forma, o combate à corrupção deve estar entre as metas de política pública do País. Caso contrário, não terá lugar na OCDE, haja vista que, em 27 anos de atividades, pela primeira vez, o Grupo Anticorrupção da Organização criou um subgrupo específico – integrado por EUA, Itália e Noruega – para acompanhar o que acontece no Brasil, desde que a Operação Lava Jato foi desmantelada.

No contexto de relatórios, tratados, convenções, decisões judiciais e arbitrais, erigiu-se, paulatinamente, um sistema de responsabilidade internacional dos Estados por danos ao meio ambiente. A partir disso, foram estabelecidas normas de caráter tanto internacional quanto de aplicação interna nos países, para que práticas negativas ao ambiente sejam evitadas, desestimuladas e, na sua ocorrência, amplamente responsabilizadas.

Notícias recentes demonstram as preocupações que o tema tem gerado e sua atualidade, não só no Brasil como na quase totalidade dos países do mundo. Nos EUA, durante o governo de Donald Trump, um grupo de crianças e adolescentes ajuizou ação contra o governo americano, alegando que as práticas e orientações por este transmitidas tinham afetado diretamente o clima, causando aquecimento global. Claramente, os jovens perceberam que a sua própria Constituição tem sido esquecida, uma vez que os direitos a vida, dignidade, igualdade, liberdade e felicidade – tanto seus quanto das gerações futuras – estão em xeque e pleiteiam, assim, sua responsabilização, como forma de sanção.

A história da humanidade é permeada por ações impensadas e catastróficas do homem, o qual, na maioria das vezes, impulsionado pela ganância, põe o planeta em perigo por interesses pouco ou nada republicanos.

Maristela Basso
Maristela Basso
Professora de Direito Internacional da USP e assessora especial de Relações Internacionais do Governo do Estado de São Paulo
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