REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Caminhos para a retomada do crescimento industrial e a redução do Custo Brasil
//Matéria Política

Caminhos para a retomada do crescimento industrial e a redução do Custo Brasil

Após um ano marcado pela pandemia da covid-19, a perspectiva para a economia brasileira em 2021 é de baixo crescimento. Em 2020 o PIB nacional recuou 4,1% – a maior queda em 24 anos – e a produção industrial encolheu 4,5%. No final do ano, houve uma pequena recuperação, porém insuficiente para indicar uma tendência de reversão desse quadro. No intuito de estimular a reativação da economia, o governo federal apresenta propostas de redução do Custo Brasil por meio de uma agenda de reformas que não dependem apenas do Executivo, mas também do Legislativo, o que torna o processo mais lento. O governo defende ainda uma ampla abertura comercial que, a seu juízo, propiciaria um ambiente de negócios mais livre e competitivo para as empresas brasileiras. Ocorre que esse caminho já foi trilhado nos anos 1990, resultando na desindustrialização da economia e na fragilização de importantes cadeias produtivas.

Custo Brasil: avanços e retrocessos

A competitividade da indústria brasileira tem sido prejudicada por um conjunto de fatores, aos quais se acrescenta, na atualidade, uma profunda incerteza quanto aos rumos da economia. Para Nelson Marconi, professor e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV, “precisamos ter um norte, uma sinalização de qual vai ser a estratégia de desenvolvimento do País. Isso não temos, e a indefinição acaba influenciando no custo por desestimular a inovação e o desenvolvimento de novos produtos, inibindo o investimento das empresas e incentivando as importações”. A desagregação da cadeia produtiva da indústria nos últimos anos foi muito grande, afirma Marconi. “É necessário reverter isso e a redução do Custo Brasil pode ajudar, mas se, por outro lado, não tivermos uma política clara de incentivo ao desenvolvimento tecnológico, essa redução será insuficiente”.

Segundo Dante Alario, presidente técnico-científico da Biolab, “o Custo Brasil impõe muitos entraves ao setor produtivo, não sendo diferente para a indústria farmacêutica e farmoquímica. São eles a descontinuidade das políticas de saúde, insegurança jurídica e imprevisibilidade, alto peso regulatório, instabilidade econômica e cambial, altos custos para abertura de negócios, restrição de crédito, juros elevados, limitações nas habilidades da força de trabalho, dificuldades logísticas e de infraestrutura, alto custo dos insumos utilizados na produção, custos tributários elevados etc”.

O arcabouço regulatório é um componente especialmente sensível nesse conjunto, destaca Alario. “O setor de medicamentos e de insumos farmacêuticos no Brasil, devido às suas particularidades, é altamente regulado e a regulação sanitária e de mercado tem um peso muito importante para as empresas produtoras nacionais. A atualização e adequação das normativas tanto da autoridade sanitária (Anvisa) quanto da autoridade reguladora de preços de medicamentos (CMED) é essencial para que as empresas continuem atuando e investindo em desenvolvimento e pesquisa”.

Precisamos ter um norte, uma sinalização de qual vai ser a estratégia de desenvolvimento do País

Nelson Marconi

No setor agroquímico, a pluralidade das instâncias regulatórias gera uma lentidão no processo de registro que se contrapõe ao dinamismo do mercado. “O marco regulatório é algo que impacta o custo, na medida em que não se tem uma previsibilidade nos registros dos produtos – no caso, defensivos agrícolas”, explica João Lammel, consultor da Ourofino Agrociências. “Isso prejudica o planejamento e o investimento. Não temos como saber se o registro vai sair em quatro ou cinco anos. A média é de cinco anos e, para alguns produtos, pode levar até mais que isso, porque o processo passa pelo Ibama, pela Anvisa e pelo Ministério da Agricultura”.

A tributação progressiva sobre a agregação de valor é outro fator que pesa sobre o setor agroquímico. “Há uma distorção tributária que desfavorece a produção local”, comenta Lammel. “O Brasil tem uma política tributária na área de defensivos agrícolas que estimula a importação de produtos acabados, sem agregação de valor local. No caso de produtos formulados, há uma ociosidade da indústria, entre outros motivos pelo fato de que produtos prontos para uso do agricultor podem ser importados com alíquota zero. Se, ao contrário, tivéssemos um diferencial a favor da produção em solo brasileiro, seria menor a evasão de divisas e haveria incentivo a uma indústria local de fornecimento de matéria-prima na cadeia química, com impacto positivo na expansão dos serviços, na geração de empregos e, consequentemente, na indução do desenvolvimento tecnológico através de acordos e convênios entre empresas, universidades e centros de pesquisa”.

O Brasil tem uma política tributária na área de defensivos agrícolas que estimula a importação de produtos acabados, sem agregação de valor local

João Lammel

De acordo com o professor Paulo Feldmann, da FEA/USP, todo o setor produtivo é afetado por distorções tributárias. “A carga tributária é mal distribuída e onera as empresas brasileiras de forma errada, prejudicando-as frente à maioria dos outros países. Nosso sistema tributário é anacrônico e injusto, e é um dos componentes importantes do Custo Brasil”. Além disso, ele destaca a baixa competitividade da nossa infraestrutura. “O que mais pesa, de longe, é o transporte, que no Brasil é ineficiente e muito caro porque depende do modal rodoviário. Isso é completamente obsoleto até em comparação com outros países da América Latina. A Argentina, por exemplo, tem uma malha ferroviária maior que a brasileira e transporta suas cargas predominantemente por este modal. Outro item é a distribuição de energia elétrica, também ineficiente e cara, o que é um absurdo, porque a predominância dos recursos hídricos na nossa matriz energética deveria resultar em energia barata”.

A falácia do livre comércio

Em tempos de acirramento do protecionismo e guerra comercial entre as grandes potências mundiais, o Brasil retoma a narrativa do livre comércio como uma solução mágica para suas dificuldades econômicas. Nenhum dos entrevistados acredita que tal política, adotada de forma unilateral, sem reciprocidade, possa conduzir à retomada do desenvolvimento.

A abertura comercial tem que ser considerada levando em conta o alto custo da matéria-prima imposto pela desvalorização do Real, além dos custos trabalhistas e tributários, assinala João Lammel. “Não é apenas uma questão de alíquota. Se, na aquisição das principais matérias-primas utilizadas na cadeia industrial, o Brasil suporta custos bem mais altos que outros países, numa eventual abertura comercial isto precisa ser levado em consideração. Caso não sejam cotejados todos esses componentes do Custo Brasil, a abertura pode agravar a desindustrialização. Se o governo baixar a alíquota de importação sem baixar o Custo Brasil, o resultado será o estrangulamento da indústria brasileira”.

Dante Alario, igualmente incisivo na sua crítica, adverte: “A possibilidade de uma abertura comercial ampla e unilateral por meio de uma redução drástica das tarifas de importação e novos acordos internacionais, sem que anteriormente a isso sejam alinhadas e corrigidas questões como o Custo Brasil, que impedem as empresas instaladas no País de concorrerem em condições de equidade com as empresas instaladas em outros países, agravará ainda mais o processo de desindustrialização e impactará negativamente na economia, no desenvolvimento do País, nos postos de trabalho e nas condições sociais do Brasil”.

A história econômica recente do País confirma a ineficácia desse instrumento. Alario recorda que a indústria nacional de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) ficou drasticamente reduzida após a abertura comercial unilateral implementada no início da década de 1990. “Hoje, em plena pandemia da covid-19, o Brasil está arcando com as consequências por não sediar uma indústria de IFA nos moldes anteriores e capaz de atender a demanda nacional de insumos farmacêuticos. Boa parte das empresas farmacêuticas nacionais depende da importação de IFAs num cenário de instabilidade do Real em relação ao Dólar, que pressiona com aumentos substanciais os preços desses insumos no mercado internacional, elevando ainda mais os custos de produção da indústria farmacêutica local”.

O caso da indústria farmacêutica é preocupante, como evidenciam as dificuldades que o Brasil vem enfrentando para superar os desafios da pandemia. De acordo com a professora Julia Paranhos, coordenadora do Grupo de Economia da Inovação do IE/UFRJ, “uma abertura comercial ampla e unilateral tende a intensificar a dependência externa de IFAs e medicamentos importados, acelerando ainda mais o processo de desindustrialização na indústria farmacêutica. Uma drástica redução de tarifas de importação acentuará as disparidades entre as empresas nacionais e estrangeiras e ampliará as desvantagens competitivas das empresas nacionais, em especial na farmoquímica, onde a China e a Índia são fortíssimos competidores”.

Não bastasse a inclinação do governo brasileiro em direção a uma abertura comercial incondicional, temos ainda pela frente a possibilidade de adesão do País ao Acordo de Compras Governamentais da OMC, pré-requisito para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Paranhos lembra que esse acordo prevê a não discriminação entre fornecedores domésticos e estrangeiros nas licitações públicas, além da proibição da utilização de margem de preferência para produtores nacionais em compensações tecnológicas. “Ou seja, veda importantes mecanismos de uso do poder de compra do Estado para estímulo à produção local. Tais mecanismos foram importantes avanços implementados nos últimos anos no Brasil, em especial para a indústria farmacêutica”.

A desvalorização do Real, no presente contexto, não melhora a competitividade da indústria farmacêutica nacional, dada a fragilidade da sua cadeia produtiva

Paulo Feldman

Em recente pesquisa realizada sobre o desenvolvimento da indústria farmoquímica no Brasil, observa Paranhos, “concluímos que, ainda que seja possível estabelecer exceções pontuais às obrigações gerais, a fim de preservar políticas públicas em setores considerados estratégicos, esse acordo pode ter um efeito bastante danoso, por exemplo, ao instrumento das Políticas de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) e à Lei 12.349/10, que define margens de preferência para produtos produzidos no País, importantes mecanismos de estímulo à produção local de medicamentos e IFAs. Portanto, no meu ponto de vista, a abertura comercial ampla e unilateral vai, além de limitar a atuação das políticas públicas, levar a uma situação semelhante à abertura econômica do começo da década de 1990, em que muitas empresas farmacêuticas e farmoquímicas fecharam as portas”.

Não há quem enxergue no acordo de compras da OMC uma boa oportunidade para países emergentes. Segundo Nelson Marconi, “abrir mão da possibilidade de usar nossa condição de país em desenvolvimento, priorizando as indústrias locais nas compras públicas, vai prejudicar ainda mais o setor farmacêutico nacional. Não tem lógica. Todos os países sabem que um dos componentes importantes da política industrial é o instrumento das compras governamentais, e estamos fazendo o contrário, retrocedendo. Isso vai agravar o processo de desindustrialização”.

Em plena pandemia da civid-19, o Brasil está arcando com as consequências por não sediar uma indústria de IFA nos moldes anteriores e capaz de atender a demanda nacional

Dante Alario

Paulo Feldmann explica que são os países mais desenvolvidos que se beneficiam de um acordo comercial refratário a mecanismos de preferência para a produção local. “Para eles é uma maravilha. Os países mais inteligentes não abrem seus setores econômicos estratégicos à concorrência externa, ou só abrem quando atingiram um grau mínimo de desenvolvimento que lhes confira vantagens competitivas. Precisamos cuidar melhor das nossas empresas, estabelecendo em contrapartida, é claro, o comprometimento com redução de custos e com o atendimento ao mercado brasileiro de forma adequada. Se as empresas são protegidas, têm que dar algo em troca”.

A desvalorização do Real, no presente contexto, não melhora a competitividade da indústria farmacêutica nacional, dada a fragilidade da sua cadeia produtiva. Ao contrário, “vai ficar cada vez mais difícil comprar produtos importados e o Brasil precisa deles, vide o desequilíbrio entre oferta e procura por imunizantes no mercado internacional”, observa Feldmann. “A vacinação está atrasada porque não se consegue comprar imunizantes. Não está só difícil de encontrar, o preço também está caro. E a tendência é de piora desse quadro, com maior desvalorização do Real, ao menos enquanto durar a pandemia. Seria completamente diferente se tivéssemos uma indústria local”.

Nova chance para os genéricos

O acesso a medicamentos pela população de baixa renda tem sido imensamente dificultado no Brasil por um dispositivo da Lei de Propriedade Intelectual – art. 40, parágrafo único – que permite a extensão do prazo de exclusividade de patentes para além dos vinte anos regulamentares, como forma de compensar o titular pela insegurança jurídica decorrente da demora na análise de pedidos de patente. A pedido da Procuradoria Geral da República, esse dispositivo poderá ser suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. Se isto ocorrer, ampliam-se as oportunidades de produção nacional de medicamentos genéricos.

Segundo Dante Alario, a suspensão dos efeitos desse dispositivo “é essencial para a saúde dos brasileiros, mais ainda nesta época de pandemia em que a saúde está em grande evidência e suscita preocupações. Esta é uma autêntica jabuticaba legal, só existe no Brasil. Mas tudo está caminhando. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem diminuído substancialmente o atraso nos exames de patentes (backlog) e isso tem sido primordial para gerar segurança jurídica, bem como para promover inovação e geração de renda”.

Julia Paranhos destaca que o fim do mecanismo de extensão do prazo de vigência de patentes permitirá a entrada de produtos genéricos no mercado ao fim dos vinte anos de proteção, abrindo novas oportunidades de produção local para a indústria farmacêutica e farmoquímica. “Muitos desses produtos com patentes estendidas são comprados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que pode representar um importante mercado para as farmacêuticas nacionais e uma economia para os cofres públicos. Nós realizamos um estudo no GEI/IE/UFRJ, em 2019, no qual estimamos que o SUS deixará de gastar R$ 3,9 bilhões somente na aquisição de nove medicamentos, caso o mecanismo seja extinto”.

Na opinião de Sergio Frangioni, diretor geral da Blanver Farmoquímica e Farmacêutica, outro aspecto importante envolvendo o registro de medicamentos é a precificação da propriedade intelectual em inovação incremental, que envolve, entre outros órgãos, o CMED e o SUS. “Hoje esse instrumento só vale para a inovação radical, cujo processo de desenvolvimento é mais complexo. Mas a maioria dos países desenvolvidos começou fazendo inovação incremental, e aqui no Brasil não temos o estímulo da precificação neste grau de inovação. Nossa empresa, por exemplo, deixou de lançar produtos oriundos de inovação incremental porque não teve condições de precificar”.

“Não queremos reserva de mercado, mas, simplesmente, isonomia com nossos concorrentes”

Sergio Frangioni

Para Dante Alario, a solução para esse problema é “liberar os medicamentos com inovação incremental do controle de preços, utilizando metodologia de Sandbox regulatório. O setor farmacêutico é mundialmente conhecido como um dos que mais investem em inovação. Em decorrência das particularidades inerentes ao processo de inovação na indústria farmacêutica, a parametrização dos resultados em uma fórmula predeterminada pode constituir um limitador para futuras inovações”.

A inovação incremental realizada no País enfrenta dificuldades também no âmbito regulatório, ressalta Alario. “A regulamentação deve garantir o acesso da população a produtos com qualidade, eficácia e segurança, porém sem afetar negativamente ou desencorajar as iniciativas de fabricantes empenhados em desenvolver novos produtos. Sem dúvida, um dos principais desafios da Anvisa é remover obstáculos à introdução de novos medicamentos no mercado brasileiro. Para o setor de fármacos (IFAs), a isonomia regulatória ainda é uma meta não alcançada, visto que exigências praticadas pela Anvisa em alguns pontos se apresentam mais rígidas para os fabricantes locais do que as praticadas em outros países, colocando assim os fármacos brasileiros em desvantagem competitiva”.

Embora veja com bons olhos a participação da Anvisa em fóruns internacionais, tais como o Conselho Internacional de Harmonização de Fármacos para Uso Humano (ICH, na sigla em inglês), e o Esquema de Cooperação de Inspeção Farmacêutica (PIC/s), pelo reconhecimento internacional que daí deriva, Alario entende que essa participação não deve travar o desenvolvimento das indústrias farmacêuticas nacionais ao incorporar normas e regras de países mais avançados que o Brasil.

Há riscos envolvidos numa eventual adesão precipitada aos protocolos do ICH. Segundo Julia Paranhos, a Anvisa, como membro deste que é o principal fórum mundial de harmonização de requisitos técnicos, comprometeu-se a empreender esse processo com as principais agências regulatórias internacionais. “No entanto, apontamos a necessidade de estudos específicos para avaliar as possíveis alterações no marco regulatório antes que tais medidas sejam tomadas. Elas devem estar articuladas às políticas e aos objetivos de fortalecimento da produção local e das empresas nacionais, considerando-se as especificidades das empresas farmacêuticas e farmoquímicas. Por exemplo, o movimento do Brasil de acompanhar as tendências do ICH pode ser danoso ao comércio e à integração produtiva com a Argentina e com outros países do Mercosul e da América Latina, caso ele o faça sozinho. Vale lembrar que estes são os principais destinos dos produtos farmacêuticos brasileiros exportados”.

Sergio Frangioni destaca que vários aspectos afetam a isonomia entre produtores de IFAs no Brasil e fora do País. Um deles, que é altamente relevante, é a instituição da Carta de Adequação do Dossiê de Insumo Farmacêutico Ativo (Cadifa), uma nova exigência processual que “está aí para as empresas brasileiras cumprirem, mas não necessariamente para as empresas estrangeiras. O que pedimos à Anvisa é que priorize as Cadifas das empresas nacionais e os pós-registros de IFAs nacionais. Não queremos reserva de mercado, mas, simplesmente, isonomia com nossos concorrentes. Existem procedimentos e normas que nós temos que seguir, e somos auditados pela agência. É justo que as empresas que exportam para cá também sejam auditadas e, se não seguirem a norma, penalizadas com a suspensão de suas vendas para o mercado brasileiro até que a agência constate o cumprimento da mesma”.

Políticas para retomada do crescimento

A retomada do crescimento brasileiro passa, necessariamente, por um firme compromisso com a inovação tecnológica. Segundo Jaime Rabi, diretor da Microbiológica, “as políticas públicas têm incentivado a engenharia reversa para a substituição das importações, mas não incentivam a inovação, que é fonte de renovação permanente e modernização. Acredito que os resultados estão muito aquém das necessidades do País. O foco do desenvolvimento industrial tem sido buscar o sucesso imediato garantido, tendo o objeto de desenvolvimento e as formas de fabricação já previamente estabelecidos. O ‘curtoprazismo’ garante o sucesso temporário, pois não há risco na imitação. Risco limitado, aprendizado limitado. O fato é que, com foco na imitação, a indústria, que é a plataforma de lançamento dos produtos da ciência, não é capaz de dar conta dos novos desafios como o que vivemos neste momento”.

Os custos e os riscos envolvidos tornam fundamental a participação do Estado na criação de um ambiente propício à inovação. “A intervenção estatal para fins de política industrial, como proposta pioneiramente por Celso Furtado, tem sido amplamente utilizada por liberais e socialistas para promover o desenvolvimento tecnológico das sociedades”, salienta Rabi. “Se a nossa Constituição reza que a saúde é direito do cidadão e obrigação do Estado, então uma política de Estado para o setor é perfeitamente compreensível”.

Para Dante Alario, uma política consistente de fomento à inovação não pode prescindir da integração das agências reguladoras com universidades e centros de pesquisa, tendo em vista promover a capacitação técnica dos servidores e a aplicação de inovações na área de tecnologia da informação, garantindo maior celeridade desses órgãos. “A capacidade do órgão regulador de ‘coevoluir’ junto ao setor produtivo e outros atores do ecossistema de inovação no Brasil é um fator crítico para o desenvolvimento industrial”.

“Se a nossa Constituição reza que a saúde é direito do cidadão e obrigação do Estado, então uma política de Estado para o setor é perfeitamente compreensível”

Jaime Rabi

Numa perspectiva mais abrangente, porém igualmente identificada com a centralidade do papel do Estado, João Lammel afirma que, para o Brasil reconquistar uma posição relevante entre os países industrializados, “teria que formular um plano estratégico de médio e longo prazo, considerando as principais fortalezas e virtudes do País. Estamos falando, no caso da química fina, de pensar a cadeia de suprimentos na sua totalidade e atacar o Custo Brasil reduzindo a burocracia, estabilizando os marcos regulatórios, investindo em infraestrutura de portos, ferrovias, rodovias, hidrovias e telecomunicações”.

“A abertura comercial ampla e unilateral vai levar a uma situação semelhante à abertura econômica do começo da década de 1990, em que muitas empresas farmacêuticas e farmoquímica fecharam as portas”

Julia Paranhos

No intuito de compreender as causas do processo de desindustrialização que culminou na atual vulnerabilidade econômica do País, e assim propiciar uma visão mais clara das distorções a serem corrigidas, o professor Paulo Feldmann propõe uma reflexão sobre o panorama geopolítico de três décadas atrás. “Aconteceu que em 1990 os EUA resolveram lançar uma espécie de cartilha para o mundo todo – o Consenso de Washington, com participação dos principais organismos internacionais, como Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Está tudo descrito no livro do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, ‘Os malefícios da globalização’. Naquela época, o Brasil e outros países estavam muito endividados, e o Consenso oferecia a possibilidade de negociações facilitadas com o FMI e empréstimos do Banco Mundial. A condição para a rolagem dessas dívidas era que os países abrissem seus mercados, abolindo quaisquer restrições às importações, e adotassem o modelo do Estado mínimo, ampliando o poder do mercado. ‘Parem de planejar, pois o mercado resolverá tudo’, dizia o Consenso de Washington. Como a América Latina tem relações muito estreitas com os EUA, por uma razão geopolítica de proximidade, seguimos a cartilha. Os países asiáticos, menos suscetíveis à influência dos EUA, ignoraram o Consenso e seguiram tocando suas atividades, por isso avançaram tanto. Nos últimos trinta anos, o PIB per capita desses países cresceu 86%, enquanto na América Latina cresceu apenas 18%. Essa diferença tem sido muito estudada, e hoje observamos que ela é o resultado das decisões tomadas nos anos 1990″.

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