REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2021 • ANO XV • ISSN 2623-1177
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Reflexão sobre a importância da produção nacional de insumos para a agricultura brasileira
//Artigo

Reflexão sobre a importância da produção nacional de insumos para a agricultura brasileira

Segmento de destaque na economia nacional, o setor agropecuário e agroindustrial do Brasil vem demonstrando capacidade de resposta ao aumento de demanda por produtos agropecuários, seja no mercado interno ou internacional. O Agro brasileiro garante o abastecimento de alimentos para a população brasileira, ao mesmo tempo em que amplia os volumes de exportação. O mesmo ocorre com produtos não alimentícios, como celulose, fibras, madeira e os biocombustíveis.

O valor bruto da produção agropecuária (VBP), referente apenas à produção primária (produtos agropecuários), alcançou R$ 1,032 trilhão, sendo que 68,6% (R$ 708,3 bilhões) decorrem do valor dos produtos agrícolas.

Essa gigantesca produção da nossa agricultura demanda suprimento volumoso de insumos agrícolas, sementes, fertilizantes, defensivos agrícolas.

Assim como é imprescindível um solo bem cuidado, água e nutrientes para o bom desenvolvimento de plantas, a manutenção da sanidade vegetal de todos os cultivos brasileiros requer insumos capazes de propiciar o correto manejo fitossanitário, por meio dos defensivos agrícolas (agrotóxicos) convencionais ou dos produtos fitossanitários com uso autorizado para agricultura orgânica.

Para que esses produtos fitossanitários cheguem em quantidade suficiente e no tempo correto até as fazendas brasileiras, uma vasta cadeia de suprimentos que inclui fabricantes de componentes, ingredientes ativos, formuladores e revendas precisa funcionar como um relógio suíço.

A produção global de diversos bens ocorre de maneira internacionalizada por meio da distribuição das operações em todo o mundo, conforme conceito moderno de cadeia global de valor. Com a produção de agroquímicos não é diferente. A distribuição dos atores dessa cadeia de suprimentos varia espacialmente, podendo um fabricante de componentes estar localizado na Índia, a produção de embalagens no Vietnã, o fabricante do ingrediente ativo (produto técnico, conforme a legislação brasileira) ser localizado na China e o formulador encontrar-se no Brasil.

Cabe reflexão sobre o grau de dependência do setor agropecuário brasileiro em relação aos fornecedores de defensivos agrícolas.

Levantamento realizado pela Coordenação Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2020 demonstrou que, para os ingredientes ativos (I.A), a quantidade de fábricas instaladas e habilitadas a produzir no Brasil é pequena em relação ao total. Das 577 fábricas espalhadas pelo mundo e autorizadas a produzir ingredientes ativos para o Brasil, apenas 28 estão instaladas em território nacional. Os principais países produtores de ingredientes ativos para o Brasil são China (260 fábricas autorizadas) e Índia (60), seguidos pelos Estados Unidos (53) e Japão (37). Sem dúvida, a síntese de I.A. concentra-se na Ásia, curiosamente o grande destino atual de nossas exportações, o que reforça a interdependência complexa existente no setor de agronegócio.

Ao se comparar a produção e importação de produtos técnicos informados pelas companhias aos órgãos reguladores, pode-se verificar que grande quantidade dos produtos técnicos utilizados no Brasil foi sintetizada no exterior. Diga-se ainda que essa distribuição ocorre de maneira bem mais pronunciada do que sugere a análise da distribuição espacial de fábricas citada anteriormente.

Segundo dados encaminhados pelas companhias ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a produção nacional de produtos técnicos foi de 69.510 toneladas de I.A., ao passo que a importação foi de 275.550 toneladas. Ou seja, somente 20% dos produtos técnicos utilizados no País foram sintetizados no território brasileiro.

Voltando a atenção à síntese de produtos técnicos, hoje temos 333 ingredientes ativos cadastrados no banco de dados do sistema Agrofit (Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários) do Ministério da Agricultura. Desses, alguns poucos são produzidos diretamente para o produto formulado, sem a necessidade de registro de produto técnico, como é o caso de alguns produtos inorgânicos, feromônios e ativos microbiológicos. Restam, portanto, 284 ingredientes ativos que constam como produtos técnicos, dos quais apenas 84 possuem algum estabelecimento autorizado a sintetizar no Brasil. Por sua vez, os estabelecimentos autorizados a sintetizar e exportar da China para o Brasil produzem 135 I.A., seguidos por Estados Unidos (88), Brasil (84) e Índia (68).

Salientamos que é possível que um mesmo ingrediente ativo seja sintetizado em mais de um país e, considerando os defensivos agrícolas mais utilizados no Brasil em volume – glifosato, 2,4-D, mancozebe, acefato, atrazina e clorotalonil – podemos verificar nos gráficos a seguir como ocorre a distribuição global das fábricas que estão autorizadas a produzi-los.

Portanto, fica constatado que existe uma concentração de síntese dos ingredientes ativos importantes para a agricultura brasileira na Ásia, com destaque para a China.

Há de se reconhecer que o atual arcabouço regulatório do Brasil é um entrave à instalação de unidades de síntese de I.A. no País. O processo de registro de produtos técnicos requer a produção de lotes para verificação dos teores de impurezas produzidos involuntariamente no processo de síntese. Como o registro de um defensivo agrícola no Brasil é lento e imprevisível, o agente privado vê seu risco aumentado uma vez que precisa dispender investimentos para a construção da fábrica, com o risco de começar a produzir em escala somente após a efetivação do registro, que pode levar mais de seis anos.

É urgente a necessidade de aprimorar a legislação federal de modo a permitir maior agilidade e previsibilidade nas análises de registro de agrotóxicos. Existe uma percepção de parte da sociedade totalmente equivocada, acha-se que a demora na concessão de um pleito de registro é sinônimo de rigor. Um erro já que a demora se deve ao arcabouço regulatório defasado e à dificuldade estrutural dos órgãos envolvidos na avaliação dos agrotóxicos. Conhecimento técnico existe nos três órgãos que atuam na avaliação: MAPA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Ibama.

Algumas iniciativas podem reverter o cenário atual. No curto prazo, faz-se necessário alterar o Decreto nº 4074, de 2002, de modo a tornar mais ágil o registro de agrotóxicos com fins exclusivos para exportação. Uma alteração que poderia permitir a concessão de registros de exportação em prazo não superior a 30 dias, viabilizando economicamente os investimentos em síntese de ingredientes ativos por meio das receitas de exportação, até a concessão dos registros para uso no território nacional.

Uma alteração pontual na legislação, mas que poderá viabilizar a retomada da síntese nas fábricas do Brasil e instalação de novas indústrias no País.

Mas não se pode perder de vista a modernização completa do arcabouço regulatório, que envolve a total revisão da Lei nº 7.802, de 1989, alinhando a legislação brasileira aos procedimentos internacionais mais modernos de avaliação de risco, reduzindo os processos burocráticos e privilegiando as avaliações técnicas no âmbito da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde.

Com o setor Agro em franca expansão, a pesquisa agrícola tropical tem grande capacidade de produção de inovações. Isso tem levado ao aumento de produtividade com sustentabilidade. Além disso, nossa localização pode nos proporcionar vantagens estratégicas para o fornecimento para outros países da América Latina na atualidade e para a África no futuro. Não é absurdo pensar que o Brasil possa vir a se tornar um importante hub de fornecimento global de agroquímicos para a agricultura, beneficiando o mundo com soluções inovadoras, ao mesmo tempo em que garanta maior segurança estratégica no fornecimento de insumos para a agropecuária brasileira.

José Guilherme Tollstadius Leal
José Guilherme Tollstadius Leal
Engenheiro Agrônomo, Secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
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