A ABIFINA está em franca campanha para fortalecer o parque industrial farmoquímico brasileiro. Associada a outras entidades, elaborou um documento detalhado com propostas para os diversos segmentos da química fina, com destaque para os insumos farmacêuticos ativos (IFAs). Estabeleceu diálogo com áreas do governo e integra o Grupo Técnico (GT) Farma, instituído pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para tratar do tema. Tem constante atuação para que o regulatório sanitário seja uma ferramenta de estímulo à fabricação nacional, uma vez que o fomento a certos processos pode colocar os produtores do País em pé de igualdade com os estrangeiros. Nesse ponto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) precisa estar aberta a novos avanços, sob pena de ir na contramão dos esforços do governo e do setor produtivo neste momento.
De acordo com a Anvisa, o fabricante de IFAs, para obter a qualificação de seu produto, precisa apresentar uma carta de intenção atrelada a um pedido de registro de medicamento por uma empresa farmacêutica e só posteriormente dar entrada no protocolo de pedido de Carta de Adequação de Dossiê de IFA (Cadifa). A ABIFINA e a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi) pediram à agência que dispense a exigência da carta, dessa forma desvinculando a qualificação de IFA do registro de medicamento.
Para o setor, a desvinculação não só é necessária como óbvia. A Cadifa viabiliza o acesso aos mercados nacionais e estrangeiros, pois funciona como uma chancela da qualidade e adequação do IFA às mais avançadas normas sanitárias internacionais. Um fabricante pode ter interesse em se qualificar mesmo sem fornecer para uma determinada farmacêutica no momento. A empresa pode estar se preparando para exportar. E depender de terceiros para obter a documentação acaba com sua estratégia de negócio. Dessa forma, o pedido das entidades tem o objetivo de dar maior autonomia ao segmento e fortalecê-lo.
As associações receberam com surpresa a resposta negativa da Anvisa, sob a alegação de que “a alteração da RDC 359/2020 para atendimento ao pleito da ABIFINA e Abiquifi foi considerada inviável pela Gerência Geral de Medicamentos (GGMED), tendo em vista que vai de encontro ao objetivo da referida resolução de dar celeridade à análise e concessão dos registros de medicamentos.”
Em resposta à negativa da agência, ABIFINA e Abiquifi lembraram em ofício que a própria Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 359/2020 não estabelece que o pedido da Cadifa seja vinculado ao registro de medicamento. A norma determina apenas o envio da carta de intenção. O envio prévio de uma carta assinada pelo fabricante farmacêutico consta apenas como orientação no Manual de Submissão da Cadifa, sem criar obrigatoriedade.
A Anvisa diz que, se aceitasse o pleito das entidades, estaria dispensando “esforços para analisar e aprovar um insumo ativo para o qual não há previsão de que seja empregado em medicamento a ser comercializado. Assim, é entendimento da Anvisa de que tal procedimento, além de não contribuir para a celeridade na aprovação dos registros de medicamentos, poderia resultar no emprego de força de trabalho para avaliação de produtos que não virão a ser consumidos em curto e médio prazo, ou que poderão ser destinados apenas para o mercado externo, o que não beneficiaria a população brasileira.”
Deve-se comentar que não estamos falando de insumos sem previsão de uso e sim de insumos já utilizados no Brasil, inclusive em medicamentos exportados. Sem mencionar o detalhe de que produtos destinados “apenas” para o mercado externo beneficiam enormemente a população, pois mantêm as fábricas operantes, promovendo emprego e renda.
Outro aspecto a ser destacado é que negar o peticionamento independente do registro de medicamento significa aceitar a dependência externa de IFAs e a vulnerabilidade sanitária do País. Atualmente, os principais fornecedores de insumos farmacêuticos para o Brasil são empresas da China e da Índia, países onde os fabricantes conseguem qualificar seus DMFs [Drug Master Files] com maior facilidade. A proposta da ABIFINA e da Abiquifi pretende incentivar os fabricantes de medicamentos no Brasil a escolherem as farmoquímicas nacionais (cujos IFAs foram chancelados pela Cadifa) como seus fornecedores, em detrimento das estrangeiras.
A decisão da Anvisa vai de encontro ao posicionamento dos países desenvolvidos atentos ao desenvolvimento da indústria local de IFAs. Europa e Estados Unidos estimulam a fabricação nacional dos insumos dos quais são dependentes para acabar ou reduzir as importações a um nível considerado menos arriscado. A pandemia de covid-19 mostrou de forma inequívoca que um país autônomo e soberano não pode prescindir da autossuficiência em produtos estratégicos para a saúde.
A recusa da Anvisa em desvincular a qualificação de IFA do registro de medicamento vem desde o processo de reformulação do marco regulatório, quando ABIFINA e Abiquifi registraram o mesmo pleito em consulta pública. As entidades insistem na defesa do tema, pois sabem que a Cadifa é uma importante certificação internacional, no cenário em que a Anvisa está harmonizada com as mais importantes agências sanitárias do mundo. Hoje, a forma pela qual a obtenção do documento é conduzida acaba gerando uma barreira de entrada no mercado para os fabricantes nacionais e um privilégio para os fornecedores estrangeiros.
Merece ser reconhecida e louvada a constante abertura da Anvisa ao diálogo, o que levou a ótimos resultados nos últimos anos com o aperfeiçoamento do marco regulatório dos segmentos da cadeia produtiva farmacêutica, fornecimento de orientações às empresas do setor e adesão a órgãos internacionais. Tudo isso aumenta a segurança sanitária de insumos e produtos e valoriza o mercado brasileiro. Porém, neste tema em especial, a Anvisa precisa ultrapassar o olhar técnico focado nas dificuldades operacionais. É necessário visualizar o impulso significativo que a mudança trará para a indústria farmoquímica brasileira. Trata-se de assumir um entendimento mais amplo dos benefícios econômicos e sociais da medida.