Ao longo de toda esta edição da FACTO, as fontes ouvidas e os artigos assinados sustentam o mesmo argumento: é altamente necessária a ação do Estado para que o Brasil supere a crise econômica agravada pela covid-19. A história mostra que as políticas públicas cumprem esse papel. Para gerar empregos na crise de 1929, os Estados Unidos criaram o New Deal, programa sustentado pela ação direta do Estado. Mais tarde, o país financiou a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial por meio do Plano Marshall. E estamos falando da nação mais liberal do planeta.
Neste momento, a história se repete e os países desenvolvidos estudam pacotes de incentivo à recuperação econômica. Por aqui, assistimos à lentidão do governo em seguir esses passos. Na matéria política, especialistas enxergam um dilema a ser ultrapassado, que é a necessidade de contingenciamento dos gastos públicos, por um lado, e a urgência da ação estatal para incentivar a economia, por outro.
Fato é que a retomada dos investimentos privados dependerá de um conjunto de estímulos por parte do governo para que as empresas resgatem a confiança e possam vislumbrar alguma segurança para operar no longo prazo. Uma das áreas que mais demandam papel ativo do Estado e com maior capacidade de nos lançar na rota do desenvolvimento econômico é a inovação, como aponta a entrevista com Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e do Conselho de Administração da Ultrapar.
No Especial Covid-19, fica evidente que as instituições de pesquisa e as empresas brasileiras têm capacidade de responder ao desafio da inovação quando criadas condições favoráveis. É assim que Bio-Manguinhos e Instituto Butantan participam de estudos internacionais para o desenvolvimento de uma vacina para a doença e se organizam para iniciar a produção. Já no Setorial Saúde, vemos a importância de uma estratégia de saúde pública com um olhar global para a sociedade, uma vez que a crise da covid-19 provocou outro efeito colateral, que foi reprimir a demanda no atendimento de pacientes portadores de câncer e de doenças raras e crônicas.
Apesar da hesitação do governo, é possível notar movimentos setorizados no sentido de se rascunhar políticas públicas. A ABIFINA, em conjunto com outras entidades, encontrou o canal de diálogo aberto para discutir propostas de incentivos para os segmentos farmoquímico e farmacêutico.
ABIFINA, Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac) e Grupo FarmaBrasil formularam e entregaram ao governo o documento “Propostas da indústria brasileira de insumos farmacêuticos e medicamentos – Aprimorando caminhos e estratégias rumo ao adensamento da cadeia produtiva brasileira”.
Mostramos nesta edição os detalhes desse movimento, que já provocou a criação do grupo de trabalho GT-Farma pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O objetivo é formular uma proposta de política de desenvolvimento tecnológico e de incentivo à inovação para a área.
A triste realidade que assola a população brasileira acabou por se transformar na oportunidade de ouro para o País estruturar seu parque fabril de química fina. Estamos aprendendo (ou admitindo) na dor que a autonomia na produção de itens básicos, especialmente na área da saúde, deve ser construída. O Brasil não pode prescindir de fabricar seus próprios insumos farmoquímicos, ficando à mercê dos fornecedores internacionais.
A mesma reflexão se instala no segmento agroquímico, como revela o artigo do deputado federal Paulo Ganime, vice-presidente da Frente Parlamentar Mista pela Inovação na Bioeconomia. Ele fala sobre a criação do Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O objetivo é aproveitar o potencial da biodiversidade brasileira para que empresas inovem em produtos nacionais. Com isso, será possível reduzir a dependência dos produtores rurais de insumos importados e ampliar a oferta de matéria-prima para o setor.
Segundo o Ministério da Agricultura, a iniciativa atende a consumidores e produtores que buscam produtos de menor impacto econômico e ambiental. A cesta de bioinsumos inclui inoculantes, promotores de crescimento de plantas, biofertilizantes, extratos vegetais, defensivos feitos a partir de micro-organismos benéficos, produtos fitoterápicos ou tecnologias com ativos biológicos na composição.
Esse pode ser um caminho para sustentar o crescimento do agronegócio. Marcos Fava Neves, engenheiro agrônomo e conselheiro da Ourofino Agrociência, alerta em seu artigo que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estão preocupadas com a manutenção do abastecimento de alimentos no mundo durante a crise do coronavírus. Segundo maior produtor mundial de alimentos, o Brasil tem papel central nesse desafio. Mas, para isso, deve estruturar projetos para melhorar as variáveis de custos, diferenciação e ações coletivas.
A sinalização positiva do governo para a indústria com esses projetos ainda incipientes não pode ser atravessada por ações no sentido contrário, como pode acontecer se o Brasil de fato aderir ao Acordo de Compras Governamentais da OMC. A coordenadora de Comércio Exterior e Cadeia Química da ABIFINA, Fernanda Costa, redigiu um artigo, com a colaboração de Bruna Oliveira, trainee da entidade, para explicar os prós e contras do acordo, que estabelece o tratamento igual a fornecedores nacionais e internacionais nas compras públicas. Ela alerta que, se o Brasil entrar no acordo sem excluir setores estratégicos, as políticas públicas estabelecidas, como a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), serão comprometidas.
As incertezas do momento ainda são grandes, mas parece que, aos poucos e com grande persistência, demos alguns passos à frente. A ABIFINA segue em seu papel de cobrar a construção de políticas públicas capazes de reerguer o parque produtivo brasileiro da química fina. Deverão ser políticas baseadas em uma visão desenvolvimentista, tendo a liderança do Estado, apoiado pelo setor privado.