REVISTA FACTO
...
Mai-Ago 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
2024
75 74
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
PEDRO WONGTSCHOWSKI: VENCER DESAFIOS FUTUROS DEPENDE DE INVESTIMENTOS EM INOVAÇÃO
//Entrevista Pedro Wongtschowski

PEDRO WONGTSCHOWSKI: VENCER DESAFIOS FUTUROS DEPENDE DE INVESTIMENTOS EM INOVAÇÃO

Como sair da crise econômica em um cenário de desemprego, queda na renda, contingenciamento dos gastos públicos e a provável retração dos investimentos privados após a pandemia de covid-19? Para responder a essas perguntas, FACTO convidou Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e do Conselho de Administração da Ultrapar. Pontos que, de longa data, são indicados pela indústria permanecem presentes: elevar os investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação, e incentivar setores industriais por meio das compras públicas. Agendas que parecem antagônicas se mostram caminhos complementares para a retomada do crescimento.

Quais segmentos que contribuem para a formação do PIB – consumo das famílias, investimentos privados, gastos públicos e balança comercial – deveriam ser priorizados nas medidas de retomada do crescimento? Há espaço para investimentos privados num momento em que a capacidade instalada da indústria apresenta taxa de ociosidade elevada? 

A pandemia de covid-19, que se espalhou por todo o mundo e atacou severamente o Brasil, será responsável por uma intensa retração no PIB brasileiro.

Esse impacto negativo é causado, principalmente, pela forte redução da demanda, tanto interna quanto externa. As medidas de isolamento social provocaram a redução ou suspensão das atividades produtivas, sendo especialmente prejudiciais para os setores de serviço, comércio e indústria. A utilização da capacidade instalada da indústria em maio de 2020 registrou queda de 8,5% em relação a 2019, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Para que haja uma retomada do crescimento da economia como um todo é necessário que se reestabeleçam os níveis de demanda, provocando o reaquecimento do setor produtivo. O consumo das famílias sofreu intensa retração, causada principalmente pela crise no mercado de trabalho e pela incerteza sobre a duração da pandemia. Como consequência, os investimentos privados devem refletir essa retração e apresentar dificuldades para retomar os índices pré-crise. Quanto à balança comercial, a desvalorização cambial e a contração da demanda externa podem provocar resultados indesejados, mas com possibilidade de resultado positivo nas exportações líquidas. 

Direcionar os gastos públicos para a mitigação dos efeitos catastróficos da pandemia tem sido a escolha da maioria dos governos internacionais que mostraram algum sucesso na reação à crise. Esse direcionamento é importante porque o contexto é de grande incerteza. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de maio de 2020, os EUA aportaram US$ 6,1 bilhões a mais em seu orçamento de P,D&I em relação a 2019, recursos estes especificamente direcionados para o combate à covid-19.

Medidas de distribuição da renda priorizando as classes C, D e E deveriam ser contempladas prioritariamente no planejamento da retomada?

As estimativas mais positivas sobre o PIB brasileiro de 2020 preveem queda de até 6,5% (Relatório Focus de junho, Banco Central), enquanto as mais negativas, como a do FMI, indicam queda de até 9,1%. É fato que a economia global e, em especial, a brasileira precisarão lidar com cenários emergenciais por um tempo considerável até alcançarem a retomada do crescimento.

As medidas de isolamento social são o principal motivo da diminuição do consumo e não outros fatores estruturais. O País estava em movimento de recuperação de uma longa crise quando o fator externo da pandemia impactou novamente a economia. 

Portanto, é necessário que, neste momento, sejam priorizadas medidas emergenciais para amenizar o golpe no consumo das famílias. O impacto nos números de emprego e renda é severo, podendo chegar a 14% de taxa de desemprego ao final deste ano, segundo o IBGE. As empresas sobreviventes no pós-pandemia provavelmente serão mais enxutas e não serão capazes de reabsorver toda a mão de obra dispensada durante a crise. 

A priorização de medidas de distribuição de renda para a manutenção do poder de compra de grande parte da população é fundamental, mas não devem ser deixadas de fora do planejamento da retomada outras medidas que possibilitarão uma segunda etapa de recuperação da crise. Como é o caso dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Manter o fluxo de recursos para este setor é uma forma de se preparar para desafios futuros, sejam eles em saúde, clima, sustentabilidade ou da própria economia.  

Em sua avaliação, qual visão de futuro orienta a política econômica do governo e em que aspectos ela coincide com a visão das lideranças da indústria nacional?

O atual governo apresentou, em suas propostas para a economia, agendas que são importantes para a indústria e para a melhoria do ambiente de negócios no País. Por exemplo, o aumento da eficiência do Estado, a redução do contencioso tributário, a simplificação do sistema tributário, o incentivo ao empreendedorismo e o encaminhamento do déficit fiscal são medidas que precisam ser levadas adiante. A aprovação da reforma da Previdência foi um passo importante nesse sentido. 

Recentemente, novas discussões sobre a recriação da CPMF surgiram e trazem preocupação, pela natureza cumulativa e não-compensável deste imposto. 

Como equacionar a necessidade de aumentar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) em meio ao contingenciamento dos gastos públicos? 

O direcionamento dos investimentos públicos em P,D&I para o combate ao novo coronavírus faz todo sentido neste momento. No entanto, se houvesse uma política substancial e perene de financiamento às atividades de P,D&I no País, os avanços no combate à pandemia poderiam ser maiores hoje. 

Ainda contamos apenas com os dados de 2017 sobre o investimento em P&D no Brasil, mas tudo indica que de lá para cá não houve melhora significativa. Enquanto o Brasil investiu 1,26% do PIB em P&D, totalizando cerca de US$ 41 bilhões, os Estados Unidos investiram 2,8% do seu PIB em 2018, o que corresponde a US$ 581,6 bilhões. Podemos comparar o Brasil com outros países líderes e veremos que a distância nos números de investimentos em P&D também é enorme. Certamente, a descontinuidade de recursos para o setor de C,T&I ao longo dos anos é um fator que agrava essa distância.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deveria ser o responsável pelo fluxo constante de recursos para esse setor no Brasil. No entanto, como sabemos, seus recursos têm sido progressivamente contingenciados. Em 2020, sua arrecadação prevista é de aproximadamente R$ 6,5 bilhões, dos quais cerca de R$ 4,3 bilhões estão contingenciados. Esses são recursos que, por definição, deveriam ser direcionados exclusivamente à C,T&I.

Investimentos públicos em P&D criam as condições para que haja mais investimentos privados nesse tipo de atividade. Ao reduzir o risco dos projetos de inovação, o investimento público atrai mais capital privado para essa área; o sucesso da EMPRAPII indica que há forte demanda do setor produtivo por inovação. 

Para além do descontingenciamento do FNDCT, é preciso reforçar a importância de políticas de longo prazo para o País. Um planejamento como esse requer um esforço conjunto e ações coordenadas entre o setor produtivo, o governo e outros atores, como universidades, centros de pesquisa e laboratórios. Por isso, a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) encaminhou ao atual Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação um documento que sintetiza nossas recomendações à elaboração de uma Política Nacional de Inovação (PNI). Afirmamos que o alvo para essa futura política deve ser a melhoria do ambiente de inovação para a empresa, que, efetivamente, é quem precisa assumir os riscos e incertezas inerentes à atividade de inovar.

Mesmo ciente dos riscos, o empresário brasileiro entende que a inovação é o caminho mais sólido para ser competitivo. Em pesquisa recente (divulgada em 1º de julho) contratada pela CNI, de 402 empresas (médias e grandes) ouvidas, 83% afirmam que precisarão de mais inovação para crescer ou mesmo sobreviver no mundo pós-pandemia.

Considerando a política de redução do Estado por meio de privatizações, como o uso do poder de compra governamental pode ser um instrumento para alavancar a inovação tecnológica na indústria e, mais especificamente, no setor da química fina?

Mesmo havendo a redução do tamanho do Estado, seu poder de compra ainda é um fator decisivo no mercado interno. Governo federal, governos estaduais e municipais podem direcionar demandas às empresas de modo a encontrar soluções para seus desafios, e, com isso, induzir inovação e competitividade no País. 

Em uma estratégia nacional de fomento à inovação, as compras governamentais podem ocupar um lugar de instrumento de inovação orientada à demanda. Além disso, o governo pode tomar a iniciativa de encomendar soluções para problemas reais, usando o instrumento chamado em alguns países de mission oriented innovation. Nesse instrumento, o governo federal definiria grandes linhas de pesquisa voltadas para resolver determinados problemas nacionais, em que a área de ciência, tecnologia e inovação apresentaria projetos voltados para a solução para esses problemas.

Portanto, pensando no setor de química fina, o Estado, demandando soluções para seus produtos e serviços à população, poderia ser um indutor do desenvolvimento de insumos ou medicamentos que são dispendiosos, escassos ou atendem a doenças tipicamente nacionais.

A proteção do mercado interno, inclusive com base no poder de compra governamental, é largamente praticada entre os países da OCDE. Os EUA contam com o Buy American Act e a China concede preferência nas compras públicas a produtos inovadores fabricados em território chinês. Em sua opinião, qual deve ser o posicionamento estratégico do Brasil diante dessas políticas de seus dois maiores parceiros comerciais? Na sua opinião, o Brasil deve se tornar signatário do Acordo de Compras Governamentais patrocinado pela Organização Mundial do Comércio, que veda ao governo preferência às indústrias instaladas no País?

A adesão ao Acordo de Compras Governamentais da OMC pode, em alguma medida, trazer benefícios ao País. No entanto, essa adesão deve ser analisada com muita cautela, principalmente considerando o comportamento dos países signatários frente à competição do mercado internacional. 

A transparência quanto aos objetivos dos países para sua estratégia de compras governamentais é condição imprescindível. Sem clareza quanto à estratégia dos demais 48 países envolvidos, o setor produtivo nacional pode se deparar com uma concorrência desleal. Os instrumentos das políticas públicas brasileiras, sejam elas industriais ou de saúde, devem ser preservados, mantendo a integridade de uma estratégia nacional de desenvolvimento. 

É importante que não se deixe de lado os avanços nos acordos bilaterais que o Brasil vem firmando e que contemplam as compras governamentais. Por isso, é preciso que a negociação seja gradual e equilibrada, preservando exceções estratégicas para o setor produtivo.

Pedro Wongtschowski
Pedro Wongtschowski
Doutor em engenharia, conselheiro de diversas instituições e membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
Anterior

A CRISE SANITÁRIA E SUAS LIÇÕES PARA O BRASIL

Próxima

PROGRAMA NACIONAL DE BIOINSUMOS: MENOS DEPENDÊNCIA DE IMPORTADOS E MAIS MATÉRIA-PRIMA

PROGRAMA NACIONAL DE BIOINSUMOS: MENOS DEPENDÊNCIA DE IMPORTADOS E MAIS MATÉRIA-PRIMA