Como sair da crise econômica em um cenário de desemprego, queda na renda, contingenciamento dos gastos públicos e a provável retração dos investimentos privados após a pandemia de covid-19? Para responder a essas perguntas, FACTO convidou Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e do Conselho de Administração da Ultrapar. Pontos que, de longa data, são indicados pela indústria permanecem presentes: elevar os investimentos públicos em ciência, tecnologia e inovação, e incentivar setores industriais por meio das compras públicas. Agendas que parecem antagônicas se mostram caminhos complementares para a retomada do crescimento.
Quais segmentos que contribuem para a formação do PIB – consumo das famílias, investimentos privados, gastos públicos e balança comercial – deveriam ser priorizados nas medidas de retomada do crescimento? Há espaço para investimentos privados num momento em que a capacidade instalada da indústria apresenta taxa de ociosidade elevada?
A pandemia de covid-19, que se espalhou por todo o mundo e atacou severamente o Brasil, será responsável por uma intensa retração no PIB brasileiro.
Esse impacto negativo é causado, principalmente, pela forte redução da demanda, tanto interna quanto externa. As medidas de isolamento social provocaram a redução ou suspensão das atividades produtivas, sendo especialmente prejudiciais para os setores de serviço, comércio e indústria. A utilização da capacidade instalada da indústria em maio de 2020 registrou queda de 8,5% em relação a 2019, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Para que haja uma retomada do crescimento da economia como um todo é necessário que se reestabeleçam os níveis de demanda, provocando o reaquecimento do setor produtivo. O consumo das famílias sofreu intensa retração, causada principalmente pela crise no mercado de trabalho e pela incerteza sobre a duração da pandemia. Como consequência, os investimentos privados devem refletir essa retração e apresentar dificuldades para retomar os índices pré-crise. Quanto à balança comercial, a desvalorização cambial e a contração da demanda externa podem provocar resultados indesejados, mas com possibilidade de resultado positivo nas exportações líquidas.
Direcionar os gastos públicos para a mitigação dos efeitos catastróficos da pandemia tem sido a escolha da maioria dos governos internacionais que mostraram algum sucesso na reação à crise. Esse direcionamento é importante porque o contexto é de grande incerteza. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de maio de 2020, os EUA aportaram US$ 6,1 bilhões a mais em seu orçamento de P,D&I em relação a 2019, recursos estes especificamente direcionados para o combate à covid-19.
Medidas de distribuição da renda priorizando as classes C, D e E deveriam ser contempladas prioritariamente no planejamento da retomada?
As estimativas mais positivas sobre o PIB brasileiro de 2020 preveem queda de até 6,5% (Relatório Focus de junho, Banco Central), enquanto as mais negativas, como a do FMI, indicam queda de até 9,1%. É fato que a economia global e, em especial, a brasileira precisarão lidar com cenários emergenciais por um tempo considerável até alcançarem a retomada do crescimento.
As medidas de isolamento social são o principal motivo da diminuição do consumo e não outros fatores estruturais. O País estava em movimento de recuperação de uma longa crise quando o fator externo da pandemia impactou novamente a economia.
Portanto, é necessário que, neste momento, sejam priorizadas medidas emergenciais para amenizar o golpe no consumo das famílias. O impacto nos números de emprego e renda é severo, podendo chegar a 14% de taxa de desemprego ao final deste ano, segundo o IBGE. As empresas sobreviventes no pós-pandemia provavelmente serão mais enxutas e não serão capazes de reabsorver toda a mão de obra dispensada durante a crise.
A priorização de medidas de distribuição de renda para a manutenção do poder de compra de grande parte da população é fundamental, mas não devem ser deixadas de fora do planejamento da retomada outras medidas que possibilitarão uma segunda etapa de recuperação da crise. Como é o caso dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Manter o fluxo de recursos para este setor é uma forma de se preparar para desafios futuros, sejam eles em saúde, clima, sustentabilidade ou da própria economia.
Em sua avaliação, qual visão de futuro orienta a política econômica do governo e em que aspectos ela coincide com a visão das lideranças da indústria nacional?
O atual governo apresentou, em suas propostas para a economia, agendas que são importantes para a indústria e para a melhoria do ambiente de negócios no País. Por exemplo, o aumento da eficiência do Estado, a redução do contencioso tributário, a simplificação do sistema tributário, o incentivo ao empreendedorismo e o encaminhamento do déficit fiscal são medidas que precisam ser levadas adiante. A aprovação da reforma da Previdência foi um passo importante nesse sentido.
Recentemente, novas discussões sobre a recriação da CPMF surgiram e trazem preocupação, pela natureza cumulativa e não-compensável deste imposto.
Como equacionar a necessidade de aumentar os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) em meio ao contingenciamento dos gastos públicos?
O direcionamento dos investimentos públicos em P,D&I para o combate ao novo coronavírus faz todo sentido neste momento. No entanto, se houvesse uma política substancial e perene de financiamento às atividades de P,D&I no País, os avanços no combate à pandemia poderiam ser maiores hoje.
Ainda contamos apenas com os dados de 2017 sobre o investimento em P&D no Brasil, mas tudo indica que de lá para cá não houve melhora significativa. Enquanto o Brasil investiu 1,26% do PIB em P&D, totalizando cerca de US$ 41 bilhões, os Estados Unidos investiram 2,8% do seu PIB em 2018, o que corresponde a US$ 581,6 bilhões. Podemos comparar o Brasil com outros países líderes e veremos que a distância nos números de investimentos em P&D também é enorme. Certamente, a descontinuidade de recursos para o setor de C,T&I ao longo dos anos é um fator que agrava essa distância.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) deveria ser o responsável pelo fluxo constante de recursos para esse setor no Brasil. No entanto, como sabemos, seus recursos têm sido progressivamente contingenciados. Em 2020, sua arrecadação prevista é de aproximadamente R$ 6,5 bilhões, dos quais cerca de R$ 4,3 bilhões estão contingenciados. Esses são recursos que, por definição, deveriam ser direcionados exclusivamente à C,T&I.
Investimentos públicos em P&D criam as condições para que haja mais investimentos privados nesse tipo de atividade. Ao reduzir o risco dos projetos de inovação, o investimento público atrai mais capital privado para essa área; o sucesso da EMPRAPII indica que há forte demanda do setor produtivo por inovação.
Para além do descontingenciamento do FNDCT, é preciso reforçar a importância de políticas de longo prazo para o País. Um planejamento como esse requer um esforço conjunto e ações coordenadas entre o setor produtivo, o governo e outros atores, como universidades, centros de pesquisa e laboratórios. Por isso, a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) encaminhou ao atual Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação um documento que sintetiza nossas recomendações à elaboração de uma Política Nacional de Inovação (PNI). Afirmamos que o alvo para essa futura política deve ser a melhoria do ambiente de inovação para a empresa, que, efetivamente, é quem precisa assumir os riscos e incertezas inerentes à atividade de inovar.
Mesmo ciente dos riscos, o empresário brasileiro entende que a inovação é o caminho mais sólido para ser competitivo. Em pesquisa recente (divulgada em 1º de julho) contratada pela CNI, de 402 empresas (médias e grandes) ouvidas, 83% afirmam que precisarão de mais inovação para crescer ou mesmo sobreviver no mundo pós-pandemia.
Considerando a política de redução do Estado por meio de privatizações, como o uso do poder de compra governamental pode ser um instrumento para alavancar a inovação tecnológica na indústria e, mais especificamente, no setor da química fina?
Mesmo havendo a redução do tamanho do Estado, seu poder de compra ainda é um fator decisivo no mercado interno. Governo federal, governos estaduais e municipais podem direcionar demandas às empresas de modo a encontrar soluções para seus desafios, e, com isso, induzir inovação e competitividade no País.
Em uma estratégia nacional de fomento à inovação, as compras governamentais podem ocupar um lugar de instrumento de inovação orientada à demanda. Além disso, o governo pode tomar a iniciativa de encomendar soluções para problemas reais, usando o instrumento chamado em alguns países de mission oriented innovation. Nesse instrumento, o governo federal definiria grandes linhas de pesquisa voltadas para resolver determinados problemas nacionais, em que a área de ciência, tecnologia e inovação apresentaria projetos voltados para a solução para esses problemas.
Portanto, pensando no setor de química fina, o Estado, demandando soluções para seus produtos e serviços à população, poderia ser um indutor do desenvolvimento de insumos ou medicamentos que são dispendiosos, escassos ou atendem a doenças tipicamente nacionais.
A proteção do mercado interno, inclusive com base no poder de compra governamental, é largamente praticada entre os países da OCDE. Os EUA contam com o Buy American Act e a China concede preferência nas compras públicas a produtos inovadores fabricados em território chinês. Em sua opinião, qual deve ser o posicionamento estratégico do Brasil diante dessas políticas de seus dois maiores parceiros comerciais? Na sua opinião, o Brasil deve se tornar signatário do Acordo de Compras Governamentais patrocinado pela Organização Mundial do Comércio, que veda ao governo preferência às indústrias instaladas no País?
A adesão ao Acordo de Compras Governamentais da OMC pode, em alguma medida, trazer benefícios ao País. No entanto, essa adesão deve ser analisada com muita cautela, principalmente considerando o comportamento dos países signatários frente à competição do mercado internacional.
A transparência quanto aos objetivos dos países para sua estratégia de compras governamentais é condição imprescindível. Sem clareza quanto à estratégia dos demais 48 países envolvidos, o setor produtivo nacional pode se deparar com uma concorrência desleal. Os instrumentos das políticas públicas brasileiras, sejam elas industriais ou de saúde, devem ser preservados, mantendo a integridade de uma estratégia nacional de desenvolvimento.
É importante que não se deixe de lado os avanços nos acordos bilaterais que o Brasil vem firmando e que contemplam as compras governamentais. Por isso, é preciso que a negociação seja gradual e equilibrada, preservando exceções estratégicas para o setor produtivo.