Como aproveitar o potencial da biodiversidade brasileira para reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados e ampliar a oferta de matéria-prima para o setor? Em maio deste ano, foi lançado o Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que visa trazer competitividade, inovação e sustentabilidade ao setor agrícola e destravar o desenvolvimento de produtos a partir da biodiversidade brasileira. A pesquisa em biotecnologia cresce de 15 a 20% ao ano e pode colaborar com a produção de alimentos e com o desenvolvimento econômico do Brasil.
No país detentor de mais de 20% da biodiversidade do mundo, o setor da bioeconomia avançada pode atrair, em um horizonte de 20 anos, um volume de investimentos da ordem de US$ 400 bilhões e gerar um aumento real no PIB de US$ 160 bilhões, segundo estudo da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI). Essas tecnologias disruptivas aplicadas ao cultivo, com a parceria entre fazendas ou empresas privadas com a EMBRAPA ou outras instituições de pesquisa, permitem o aumento da produtividade e longevidade da colheita ou a economia de R$ 22 bilhões e de 150 toneladas de gás carbônico apenas por substituir o uso de fertilizante nitrogenado no plantio de 35 milhões de hectares de soja.
Em linha com o lançamento de maio e com a consulta pública aberta para discussão de algumas de suas normas, o programa do Ministério foi tema no seminário virtual de julho da Frente Parlamentar Mista pela Inovação na Bioeconomia. Uma vez que a pesquisa de produtos biológicos e microbiológicos traz tecnologias inovadoras à lavoura, os parlamentares, os membros do Executivo e os especialistas do setor produtivo presentes ao evento reforçaram que o programa tem potencial de estimular o desenvolvimento tecnológico através da criação de um ecossistema de inovação, englobando startups, propriedades agrícolas e centros de pesquisa. Tal dinâmica é fundamental para que a economia se recupere com base em seus maiores potenciais, reduzindo um entrave importante: a falta de infraestrutura e de mão de obra especializada, alinhadas aos potenciais regionais. Tanto a ausência de infraestrutura quanto a disponibilidade de pessoal qualificado, além de aumentarem o custo logístico, podem inviabilizar completamente uma operação.
A ratificação do protocolo de Nagoia, já aprovada na Câmara dos Deputados e aguardando votação no plenário do Senado, é mais um indicativo de que o uso sustentável da biodiversidade brasileira é um dos caminhos mais prováveis para a recuperação econômica da crise mundial pela qual o País passa neste momento. Essa ratificação é apenas o primeiro passo para que possamos participar dos debates acerca de como ele será implementado por cada país e de como ocorrerá a sua internacionalização, sem deixar que as peculiaridades brasileiras sejam ignoradas nessas negociações. Com a ratificação e a internacionalização do protocolo, a exploração de nossos recursos biológicos passará a trazer recursos financeiros às regiões de grande potencial, atuando, por exemplo, na preservação da Amazônia, a exemplo de como a Alemanha explora suas próprias florestas. E, mesmo no estado do Rio de Janeiro, que não dispõe de uma área rural extensa, há a possibilidade de desenvolver culturas específicas adaptadas ao clima e à geografia locais, como é o caso da produção de lúpulo em Nova Friburgo ou de louro em Paty do Alferes, ambas a partir de parceria tecnológica com a EMBRAPA.
No evento de julho, os secretários Marcos Montes e Fernando Camargo, do Ministério da Agricultura, salientaram a importância do Programa Nacional de Bioinsumos, com o objetivo de aproveitar o potencial da biodiversidade brasileira para reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados e para ampliar a oferta de matéria-prima para o setor. Cleber Soares, diretor de inovação do MAPA, reforçou que o ministério tem trabalhado para aplicar e fortalecer a cadeia desse produto. Bioinsumos são produtos ou tecnologias de origem vegetal, animal ou microbiana usados na produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agropecuários. O objetivo ao dar bases biológicas para o agronegócio é estimular não apenas a aquisição e o desenvolvimento por parte dos produtores rurais, como estimular a entrada de novos atores do setor industrial. O Brasil é um dos maiores importadores de fertilizantes à base de potássio e a política lançada pelo MAPA almeja, também, diminuir essa importação de forma a modernizar, dar ênfase e buscar mais a ciência, a tecnologia e a inovação.
Um ponto trazido pelo presidente executivo da ABBI, Thiago Falda, foi a necessidade de fomentar políticas que ofereçam garantias de proteção intelectual para o desenvolvimento e a inovação, permeando a pesquisa em micro-organismos que resulte em desenvolvimento tecnológico. A política não tem a mesma velocidade de evolução que a tecnologia e nenhum investidor vai apostar em inovação sem garantias de proteção de sua produção intelectual. Para Christian Lohbauer, presidente da CropLife, bioinsumos representam o futuro e uma excelente alternativa para a defesa vegetal e a produção de alimentos de qualidade. No entanto, ele pediu também às autoridades isonomia nas regulamentações dos produtos bio oriundos das diferentes unidades de produção, garantindo a segurança necessária e a competitividade ao trabalho em pesquisa. Lohbauer também ressaltou que é preciso assegurar a qualidade e a competência dos produtos brasileiros para os mercados interno e externo.
O debate sobre a importância dos bioinsumos para o agronegócio e da bioeconomia para a sociedade precisa ser levado à população, eliminando barreiras sobre o assunto. O Brasil precisa de mão de obra qualificada e, para isso, é necessário dar visibilidade ao potencial do setor e que este seja trabalhado de forma pujante para que o País possa colher seus frutos o mais breve possível. Para que isso aconteça, não basta o desejo de ter, à força, uma produção interna. É necessário reduzir entraves para o desenvolvimento de pesquisas, garantir a segurança alimentar, trabalhar na infraestrutura do País para que o funcionamento desse ecossistema se torne viável e garantir que a população tenha educação de qualidade e alinhada com os potenciais locais. A biodiversidade propícia já está disponível. Agora é preciso fornecer instrumentos para que ela seja aproveitada de forma responsável, sem comprometer nem a segurança e qualidade dos alimentos, nem a viabilidade dos negócios pelo excesso de burocracia.