REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
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DESAFIOS À RECUPERAÇÃO DA PRODUTIVIDADE
//Matéria Política

DESAFIOS À RECUPERAÇÃO DA PRODUTIVIDADE

E m 2019 a produção industrial brasileira recuou 1,1%, e, pela primeira vez nas últimas quatro décadas, as vendas externas da indústria caíram para menos da metade da receita total com exportações. Os setores mais afetados foram os de média e alta tecnologia, que incluem, entre outros, a química fina. Eles responderam por apenas 32% das vendas externas da indústria de transformação, a menor participação desde 1995. Esses dados evidenciam a dupla dimensão – quantitativa e qualitativa – do processo de desindustrialização que há décadas avança no País, e lançam um alerta quanto à urgência de se instituir uma política econômica capaz de refrear a desagregação de valor nas exportações. Nesta reportagem, analistas econômicos e executivos do setor industrial discutem as políticas públicas em curso e sugerem medidas de estímulo à competitividade.

DE VOLTA AO LIVRE MERCADO

A aposta da equipe econômica do atual governo, expressa em declarações públicas e em medidas recentes como a adesão do Brasil à OCDE e ao acordo de compras GPA (Government Procurement Agreement) da Organização Mundial do Comércio (OMC), segue na direção de facilitar o acesso de empresas estrangeiras ao nosso mercado interno, sem exigências de reciprocidade. A ideia, a exemplo das políticas adotadas na década de 1990, é abrir ao máximo a economia brasileira, na expectativa de que os parceiros comerciais retribuam com facilidades de acesso a seus respectivos mercados.

Segundo Carlos Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, a integração com a OCDE “nos colocaria num patamar moderno e seguro para fazer negócios, respeitado inclusive por países não membros da organização. A decisão do Brasil vai  impulsionar as reformas domésticas necessárias para nos enquadrarmos em padrões internacionais relativos a normas de segurança jurídica, sustentabilidade, financiamento e comércio”.

Na mesma linha de pensamento, Denise Naranjo, diretora de Assuntos de Comércio Exterior da Abiquim, afirma que “o ingresso do Brasil pode e deve ser uma alavanca para diversas reformas modernizadoras da estrutura econômica brasileira, gerando um ambiente de negócios seguro para as relações entre agentes públicos e privados e que permita retirar o País da armadilha do baixo desenvolvimento”.

Contudo, o processo de adesão à OCDE não significa, por si só, a garantia de um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável para o Brasil – adverte Naranjo. “Ele é apenas o ponto de largada e traduz o apoio da comunidade internacional ao nosso compromisso de avançar na pauta econômica, com mais cooperação internacional, e no comprometimento do governo com um futuro melhor para o País. É fundamental haver equilíbrio entre a entrada do Brasil na OCDE, entendida como um processo que somente será concluído ao longo dos próximos anos, e o abandono de dispositivos de proteção autorizados pela OMC”.

A adesão do Brasil ao GPA e a participação do País no acordo de facilitação de comércio da OMC, celebrado em Bali em 2013, seguem, de acordo com a diretora da Abiquim, a mesma lógica de concentrar esforços por maior alinhamento interno com as práticas internacionais. “É indispensável, nesse contexto, que o governo dialogue com o setor privado sobre as oportunidades e os desafios de mais essa frente de ação no cenário internacional”.

A coordenadora de Estudos do Comércio Exterior no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, economista Lia Valls, assinala que o Brasil já participa, há muito tempo, de vários comitês da OCDE. “A ideia de se tornar membro está relacionada a uma série de boas práticas prescritas pela organização e seria uma forma de o Brasil garantir uma melhora no seu grau de investimento, dado que, presumidamente, os países membros têm avaliações mais positivas nesse quesito. O que se pode entender como desvantagem, por outro lado, seria o poder da OCDE de constranger algumas medidas governamentais, mas em geral se considera que essas medidas configurem um constrangimento positivo, por estarmos em um ambiente de negócios mais propício”.

Segundo Valls, o fato de o Brasil não ter mais tratamento diferenciado dentro da OMC, por exigência dos EUA, não faz muita diferença, pois, na prática, quase não usamos esta prerrogativa. “O tratamento diferenciado confere alguma vantagem quando se investigam práticas desleais. Ele tem uma dimensão política – é a ideia de pretender um grau maior de liberdade na construção das políticas nacionais. A China, por exemplo, não abre mão de ser classificada como país em desenvolvimento”.

É precisamente esse o aspecto crucial da questão, no ponto de vista de Luiz Belluzzo, economista e professor aposentado da Unicamp. “A entrada na OCDE vai prejudicar o Brasil, porque perderemos prerrogativas de país em desenvolvimento. Estamos abrindo mão de tudo, assumindo uma posição subalterna em relação às transformações que ocorreram. Vamos perder a capacidade de fazer política industrial e comercial. O mundo está em transformação, protocolos que foram criados nos anos 1980 não funcionam mais, as instituições e regras que lhes dão suporte, como OCDE e OMC, estão em desgaste. Até os alemães, tão conservadores em matéria de política fiscal, estão caindo fora”.

Belluzzo evoca a história econômica brasileira para fundamentar sua posição. “Façamos um pequeno recuo no tempo. Até o final da década de 1970, o Brasil foi o mais industrializado entre os países em desenvolvimento do Terceiro Mundo, hoje chamados de emergentes. Sofremos alguns traumas, muitos dos quais não eram vistos como tais. O primeiro deles foi a crise da dívida externa, que nos lançou numa hiperinflação e numa situação de forte desequilíbrio do comércio exterior. Ficamos na dependência de administrar aquela situação dramática, tanto no plano do balanço de pagamentos quanto no plano fiscal, durante um longo período até 1994, quando o Plano Real estabilizou a moeda e controlou a inflação. A partir da estabilização, tivemos uma combinação nefasta de valorização cambial e taxas de juros elevadíssimas para segurar o câmbio, que persistiu até 1999, já com a indústria brasileira bastante combalida”.

Nos anos 1990, consumou-se uma equivocada opção estratégica, na avaliação do economista. “A partir do Plano Real, o Brasil se ajustou à globalização financeira e adotou a ideia de que era preciso abrir a economia para oxigenar o setor privado. Este, uma vez exposto aos sopros da competitividade global, segundo essa tese, ganharia competitividade, o que era uma ingenuidade absurda. Basta olhar a experiência chinesa. No mesmo momento em que o Brasil regredia e via dissolver a sua estrutura industrial, tivemos a ascensão da China, que se tornou a maior beneficiária da formação das cadeias globais. A China se valeu da globalização para concentrar a produção industrial no seu território e hoje tem 150 milhões de empregados na manufatura, muito mais que todos os outros países somados. Eles incorporaram investimento estrangeiro, mantiveram a competitividade da sua taxa de câmbio e implementaram políticas industriais muito ativas, através do uso das suas empresas públicas para impulsionar a competitividade privada. Lá funcionou uma arquitetura do crescimento que nós jogamos fora”.

Segue esta mesma linha a apreciação do vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA, Nelson Brasil. Ele acredita que, se o governo brasileiro vier a assinar o tratado da OCDE, “estaremos regredindo numa relevante área para o nosso autônomo desenvolvimento industrial”. Ele recorda que, em 1989, a ABIFINA atuou em parceria com a CNI junto à chancelaria brasileira para a tomada de decisões relativas ao comércio externo na rodada final do GATT. “Conseguimos que na criação da OMC fossem excluídos de nosso termo de adesão os temas Compras Governamentais e Propriedade Intelectual. Desse fato resultou a possibilidade de usarmos o poder de compra do Estado para permitir o surgimento de empresas nacionais sem constrangimentos comerciais por parte de empresas com patentes industriais no exterior”.

CUSTO BRASIL: AINDA UM ENTRAVE

Embora o conjunto de desvantagens competitivas estruturais que se convencionou chamar de Custo Brasil tenha sido atenuado até certo ponto pelas políticas e reformas implementadas nos últimos anos, o ritmo das mudanças ainda não satisfaz as expectativas do setor industrial.

“O próprio governo reconhece o peso do Custo Brasil sobre a indústria, que chega a R$ 1,5 trilhão” – afirma Carlos Abijaodi. “Um estudo mostrou que sofremos prejuízos nas seguintes áreas: tributação, financiamento, relações de trabalho, logística e infraestrutura, segurança jurídica, inovação, qualidade da prestação de serviços públicos, burocracia para abertura e fechamento de negócios, insumos básicos e capital humano. Hoje o governo tem ciência do problema e está trabalhando para reduzir esse custo. Uma das prioridades é realizar as reformas. Estamos nos empenhando em aprovar a reforma tributária, que vai não só reduzir tributos como também trazer segurança jurídica, maior transparência, redução de custos no trabalho e no pagamento de tributos sobre salários”.

No setor químico, segundo a diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Coviello, “os maiores obstáculos são os altos custos com matérias-primas (que podem representar até 80% dos custos de produção de uma planta petroquímica) e energia (cerca de 20%). Atualmente, o preço do gás para a indústria brasileira é cerca de duas a três vezes maior que o das concorrentes na Europa e nos Estados Unidos. Outros desafios são a complexidade excessiva do sistema tributário, a ineficiência da infraestrutura existente, a insegurança jurídica e a burocracia do ambiente de negócios brasileiro”.

Entre as medidas recentes para reduzir o Custo Brasil na área química, Coviello destaca o Programa Novo Mercado de Gás, “que deve modificar o cenário do setor de óleo e gás nacional, possibilitando a atração de investimentos em infraestrutura e, principalmente, a elevação da oferta de energia, dois pontos fundamentais para a competitividade do País e da indústria química. No entanto, efetivamente o programa federal só trará resultados em termos de ganhos de competitividade dentro de três anos. Por essa razão, nosso pleito hoje é o de que se antecipem todos os passos para acelerar esse novo mercado, em especial a possibilidade de as indústrias diversificarem seu portfólio de supridores de gás por meio do mercado livre”.

Os elevados custos logísticos também constituem um item relevante do Custo Brasil, ao menos no setor químico, segundo a diretora de Assuntos Técnicos da Abiquim, Andrea Cunha. “Temos uma matriz de transportes muito focada na malha rodoviária, que não é de boa qualidade. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil poderia economizar 0,7% do PIB em custo de transporte rodoviário de carga com uma melhor estruturação do setor. Além disso os custos logísticos dos competidores, sejam de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, são menores. Na Europa, por exemplo, esse custo para a indústria química está entre 3,4% e 4% do faturamento, enquanto no Brasil ele atinge 7% do faturamento”.

O economista Luiz Belluzo prefere conduzir essa reflexão sob a ótica macroeconômica. Ele entende que, antes de avaliar o andamento das ações governamentais nessa área, é preciso definir o que é o custo Brasil. “Do que estamos falando, dos custos trabalhistas ou dos custos fiscais? Realmente o nosso sistema fiscal é extremamente negativo para a competividade do setor produtivo, porque tributa muito o lucro das empresas e pouco os dividendos. Isso tem que mudar. Temos que transferir o ônus tributário o máximo possível das empresas para as pessoas físicas, instituindo um sistema em que a lucratividade das empresas seja estimulada, especialmente como condição para a alavancagem de créditos destinados à realização de investimentos”.

Por outro lado, segundo Belluzo, é equivocada a ideia de que os custos trabalhistas no Brasil são altos. “Os salários são muitos baixos em termos relativos e a recente reforma trabalhista será um desastre para a economia brasileira, porque vai reduzir o poder de compra dos salários. É preciso criar uma relação positiva entre o aumento da produtividade e o aumento dos salários, mas, no atual cenário de desorganização da indústria brasileira, não faremos esse avanço”.

Mais uma vez recorrendo à análise comparativa, Belluzzo conclui que “a melhor receita para o aumento da produtividade – como está sendo provado particularmente na China – é uma taxa de investimento razoável, o que implica a aquisição de novas gerações de bens de capital. Para isso precisamos ter financiamento a custo razoável, mas agora querem acabar com o BNDES, alegando que a taxa subsidiada do Banco é que provoca o aumento da taxa de juros. De onde tiraram isso? Qual a lógica? Nenhuma. É preciso dar subsídios porque a taxa de juros para financiamento nos bancos privados é muito alta”.

INVESTIMENTO PRODUTIVO E INOVAÇÃO

De fato, por melhor que seja a expectativa frente ao programa econômico do governo Bolsonaro, não há quem enxergue na presente conjuntura oportunidades favoráveis para investimentos produtivos de longo prazo. A começar pelas dificuldades de financiamento, os obstáculos se sobrepõem. Segundo o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, embora a Selic esteja baixando, não houve uma redução correspondente nos spreads bancários. “Esse conjunto todo precisa ser reorganizado de forma a reduzir custos para a indústria”.

Carlos Abijaodi lamenta que os recursos do BNDES tenham sido reduzidos e já não atendam como antes as necessidades das empresas. “Bancos privados oferecem financiamentos de curto prazo que também não atendem. Os países desenvolvidos têm sempre um Eximbank, um banco que funciona no apoio às exportações de produtos de maior valor agregado, como máquinas e veículos de alta tecnologia, que demandam financiamento de longo prazo. Essas linhas de crédito, hoje escassas no Brasil, normalmente envolvem, além do Eximbank, os bancos nacionais de desenvolvimento”.

Para Luiz Belluzzo, a pouca disponibilidade de financiamento à indústria resulta de uma estratégia desastrada de governo. “Há uma fábula que está sendo propagada segundo a qual o mercado de capitais privado pode substituir o setor público. Não há nenhuma experiência no mundo que confirme isso, nem mesmo nos EUA do século 19. Alexander Hamilton criou um banco para financiar a indústria nascente dos EUA, que foi protegida com tarifas e outros instrumentos. Hoje está muito claro que é preciso ter crédito direcionado para a indústria, como fizemos lá atrás, não só nos governos Getúlio e Juscelino como também durante o governo militar”.

O mercado de capitais privado, se deixado solto, corre para a financeirização – assegura Belluzzo. “Quando se tira o direcionamento do crédito, crescem o risco e a incerteza, sobretudo hoje em dia, com a aceleração das mudanças tecnológicas. Um sistema de crédito público bem administrado e bem fiscalizado é fundamental para reduzir a incerteza e gerar investimento industrial. Não se pode permitir esse jogo de empurra, em que o mercado força a retirada do BNDES a pretexto de ocupar ele mesmo esse espaço. Não ocupa. Não tem setor privado no mundo que se disponha a bancar investimentos de vinte ou trinta anos. Os chineses sabem disso, eles têm bancos públicos de desenvolvimento”.

Na opinião de Lia Valls, o mais importante indutor do investimento produtivo é a demanda. “O empresário investe se houver expectativa de crescimento. Passamos por uma recessão, nosso crescimento ainda é muito baixo. É um cenário, do ponto de vista macroeconômico, que não estimula o investimento. Pode ser que, numa perspectiva de médio prazo, alguns setores projetem para o Brasil um cenário mais favorável, considerando que há uma agenda de governo procurando melhorar a produtividade e o ambiente de negócios. Mas, por enquanto, ainda há grande incerteza”.

Sobretudo em períodos de incerteza, a participação do Estado nos programas de investimento em inovação tecnológica se torna indispensável. Abijaodi afirma que, no Brasil, 72% do investimento em P&D é feito pela indústria. “A CNI confere prioridade máxima a essa questão, pois é dessa forma que podemos agregar valor aos nossos produtos. Não queremos fornecer apenas insumos, temos que exportar também produtos acabados com agregação de valor. Para isso, faz-se necessário combinar política de estímulo à oferta, por meio de incentivos, financiamentos, isenção de impostos na pesquisa e desenvolvimento, com política de demanda, por exemplo pela indução de compras públicas, encomendas tecnológicas e outras medidas que possam estimular agregação de valor através da inovação”.

Trata-se, apenas, de seguir o exemplo das economias mais sólidas, observa o diretor da CNI. “EUA e Europa abrem linhas de financiamento, dão apoio às indústrias para que possam trabalhar e voltar a produzir, porque isso representa empregos, salários, condições de sobrevivência. Aqui no Brasil, precisamos realmente melhorar nosso ambiente econômico através das reformas estruturais que estão em curso. A área de pesquisa e desenvolvimento não vai alcançar o ritmo esperado se continuarmos presos a essa estrutura tarifária e essa malha tributária a que estamos submetidos”.

O setor químico tem algumas demandas pontuais no que tange ao apoio do Estado nessa área. De acordo com Andrea Cunha, entre os instrumentos e ações relevantes para fortalecer a inovação, destacam-se os seguintes: programas de financiamento e fomento de startups relacionadas ao setor químico, para acelerar o desenvolvimento de tecnologias no Brasil incorporando as boas práticas de programas já existentes, como o Start-Up Brasil; funding permanente para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT); linhas de crédito para instalação de plantas piloto que promovam saltos de escala das plantas de laboratório para escala comercial; linhas de financiamento específicas para o segmento estruturadas de forma a promover a integração entre pesquisadores e empresas; desenvolvimento de uma plataforma de química no Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, criando a oportunidade de desenvolver os segmentos de fontes renováveis (bioenergia) e biotecnologia; e fortalecimento do sistema brasileiro de inovação em pesquisa aplicada, por meio do apoio à Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e aos Institutos Senai de Inovação.

Luiz Belluzzo salienta que a competividade não é algo que possa crescer do dia para a noite. “Ela vai avançando ao longo da experiência. É preciso coordenar programas de investimento público em infraestrutura com o direcionamento da demanda das empresas que produzem no mercado interno, oferecendo ao mesmo tempo estímulos para ciência e tecnologia”. Porém, ele reconhece que, no Brasil, a dinâmica da inovação tecnológica esbarra com uma dificuldade antiga. “Um problema que a China resolveu, e nós não, é a integração entre empresas e universidades. Pesquisa sem a ação do Estado não vai. Isso está mais que provado nos EUA, onde toda a pesquisa formidável dos chamados gênios da garagem aconteceu porque o Estado investiu nas áreas militar e espacial. No Brasil seria possível fazer isso, porque temos as estruturas de conhecimento e a capacidade de pesquisa. Já existe um aparato pronto na universidade pública, por isso é importante integrá-la a esse processo. A questão é como se produz a integração com as empresas”.

FALTA POLÍTICA INDUSTRIAL?

Mais uma vez o Brasil se encontra diante do dilema de instituir ou não uma política econômica orientada para o desenvolvimento industrial. O diretor da CNI destaca que a indústria “é importante para o crescimento e o desenvolvimento do País, porque é onde se concentram a melhor qualificação dos empregos, os maiores investimentos e a maior participação nos tributos. Praticamente 32% dos tributos federais são oriundos da indústria”. De acordo com Nelson Brasil, “a falta de uma política industrial forte e bem gerida pelo governo federal é o fato mais relevante” no contexto de desagregação de valor nas nossas exportações.

A Abiquim reivindica um tratamento especial por parte do governo. Segundo Fátima Coviello, “muitos países já reconheceram ser essencial que a política econômica dê atenção ao setor químico, e muitos exemplos de política industrial, como os da China e Índia, que visam aumentar a competitividade de suas indústrias no mercado internacional, gerar empregos de qualidade e promover o crescimento sustentável da indústria, poderiam ser seguidos pelo Brasil”.

Não há consenso sobre qual visão sistêmica deve nortear as ações governamentais nessa área. Para Lia Valls, “o mais importante é estabelecer regras estáveis para se criar um ambiente que inspire confiança ao empresário e lhe permita apostar. Não sou a favor de instrumento específico de política industrial – subsídio, por exemplo – que se aplique de forma genérica a todos os setores”.

Valls sustenta que a política econômica deve levar em conta todos os setores, “lembrando que serviços respondem por quase 80% do PIB brasileiro. Se os serviços não crescem, o Brasil não cresce. A indústria é extremamente importante e, inclusive, demanda serviços mais sofisticados, mas, antes de tudo, temos que ter um ambiente propício ao desenvolvimento, por meio das chamadas políticas horizontais”. Ela defende medidas de facilitação comercial, argumentando que “o comércio tem duas vias: é importante ter acesso a insumos mais baratos e também ampliar a abertura comercial para facilitar esse acesso de forma rotineira. Isso permite ao país participar mais das chamadas cadeias de valor e alcançar maior integração internacional”.

Na opinião de Luiz Belluzzo, não haverá ambiente econômico propício sem o fortalecimento do Estado. “Será necessário criar uma articulação para conseguirmos recuperar nossa posição no cenário da indústria global, e isso passa pela definição de uma relação clara entre o gasto fiscal e empresas públicas, porque elas são instrumentos de coordenação. Na Inglaterra estão querendo reestatizar empresas – não numa perspectiva de mercado versus Estado, mas simplesmente porque as empresas públicas são o Estado dentro do mercado. É justamente para articular com o setor privado, eis o segredo do sucesso da China. Nas atuais circunstâncias, antes de definir políticas específicas, há que montar essa arquitetura, ou impedir que ela seja destruída”.

“Não existe uma oposição entre Estado e mercado, como determina a visão tosca do liberalismo econômico” – insiste Belluzzo. “Pode haver algum desarranjo, algum conflito, por isso é preciso conceber a arquitetura institucional de modo que o mercado contemporâneo seja levado em conta. Além disso, os incentivos devem ter um direcionamento muito claro para os investimentos e o avanço tecnológico das empresas, criando relações profícuas entre Estado e setor privado”.

Os fatos econômicos recentes falam por si, observa o economista. “Vejamos o que está acontecendo agora, nesta crise. Se não entram os bancos centrais para anunciar que vão intervir no mercado monetário, tudo vai abaixo, pois o setor privado não é capaz de restaurar o equilíbrio por si mesmo. Durante o período em que tudo vai bem, os agentes do mercado acreditam que seus ativos são reais e podem ser convertidos em dinheiro sem nenhuma perda. Mas, quando começa a derrocada, fica evidente que o único dinheiro real é o dinheiro administrado pelo Estado. O mesmo vale para as políticas de estímulo à indústria. Elas precisam de coordenação e só o Estado é capaz de fazer essa parte”.

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