O secretário executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), Ricardo Santana, conta à Facto as mudanças em curso nas diretrizes para a formação de preços no mercado farmacêutico. Formado em Administração de Empresas e pós-graduado em Internacionalização de Pequenas e Médias Empresas pela Universidade Católica de Brasília, ele antecipa que uma nova resolução será editada até novembro para medicamentos de inovação incremental, biológicos e com preço teto único. Em sua avaliação, isso poderá estimular as atividades de pesquisa e desenvolvimento, uma vez que irá conferir maior transparência à atuação da Cmed.
A orientação, tanto do Ministério da Saúde como do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dr. William Dib, é a modernização da Resolução nº 2, de 5 de março de 2004. Essa norma define os critérios de precificação das seis categorias de medicamentos utilizadas pela Cmed. Estamos trabalhando dentro da plataforma da AIR – Análise de Impacto Regulatório, pois agora é uma obrigação de todos os órgãos federais orientarem-se por essa metodologia. Ela nos apontou mais de 100 problemas a serem melhorados, ou seja, assuntos pontuais de diversos comunicados (textos produzidos e distribuídos pela Cmed ao setor regulado com esclarecimentos e orientações sobre certos assuntos não contemplados em resoluções) e diversos manifestos do setor privado.
Quais são as prioridades e o cronograma de trabalho para podermos dar as respostas de que o mercado precisa neste momento? Uma delas é a inovação incremental. A inovação incremental é um tema a ser tratado até o fim de novembro, isso já contando com a publicação no Diário Oficial.
A primeira pergunta que temos que fazer é: o que é inovação incremental? A segunda pergunta é: o que consideraremos inovação incremental? E, por fim, com essas informações, como precificamos? São essas perguntas que estão sendo debatidas. Já nos reunimos com as principais representações setoriais sobre esse assunto.
Para que cheguemos a um material que atenda ao setor produtivo e à sociedade, vamos passar por uma consulta pública de 45 dias. Vamos seguir todo o rito da AIR.
Então ainda não se chegou à definição de inovação incremental para efeito da nova norma?
Há vários autores que tratam da inovação incremental e que são fontes de consulta. Estamos debatendo o tema exaustivamente. O que é e como se precifica? Quais são as melhores práticas no mundo? O que temosdisponível para fazer uma adequação? É um material riquíssimo a ser adaptado a nossa realidade.
A ideia é ter uma resolução específica para esse tipo de medicamento?
A metodologia da AIR não só permite, como sugere que os assuntos sejam tratados individualmente. A gente pode trabalhar por etapa. Falei de inovação incremental. Eu trago também para essa conversa os biológicos e o preço teto único. A ideia é que, ao final de novembro, a gente tenha uma resolução que aponte as diretrizes desses três itens, cada um com sua peculiaridade. Fizemos escolhas, validadas pelo nosso Comitê Técnico Executivo, o CTE, formado pelos Ministérios da Economia, da Justiça, da Saúde e da Casa Civil. É em cima desses três pontos que estamos atuando arduamente para cumprir o prazo de ter a resolução no final de novembro.
Quais são as questões específicas dos biológicos e do preço teto único?
Sobre o preço teto único, vou explicar de forma macro, porque estamos estudando ainda. Apresentações e produtos com mesmo princípio ativo e com valores discrepantes é algo que precisa ser moralizado. O preço teto único vem para isso, para organizar o ajuste de preço entre produtos/apresentações com o mesmo princípio ativo. Destaco essa questão tendo sempre uma luz vermelha acesa, que é o consumidor. A Anvisa faz um papel fundamental no que diz respeito à segurança, à eficácia e à qualidade dos medicamentos. Nós, da Cmed, vemos a parte econômica, fechando esse ciclo, promovendo um preço acessível para a população brasileira, respeitando os cofres públicos.
Em relação aos biológicos, quais são as peculiaridades em discussão?
Dentro de um mesmo lote de biológico, existem diferenças. É isso que temos que precificar. Ou seja, como se precifica um mesmo lote com diferenças? Olha a complexidade disso.
“Quais são as prioridades e o cronograma de trabalho para podermos dar as respostas de que o mercado precisa neste momento? Uma delas é a inovação incremental. A inovação incremental é um tema a ser tratado até o fim de novembro, isso já contando com a publicação no Diário Oficial”
É possível estimar o quanto essa nova resolução incentivará o mercado, tanto no aspecto de pesquisa e desenvolvimento, como no de produção?
A Cmed tem os membros do Comitê, as multinacionais que querem trazer investimento estrangeiro direto e as empresas que já estão aqui gerando emprego e arrecadando.
É preciso buscar esse equilíbrio. Quando conseguirmos ter regras claras sobre inovação incremental, automaticamente estaremos estimulando centros de P&D.
O senhor comentou 100 itens passíveis de mudanças. Além dos comentados, que outros o senhor destaca?
Margem de comercialização de medicamentos em hospitais é um assunto bastante judicializado. Hoje os hospitais não podem ter lucratividade em cima de medicamentos usados no atendimento. Pela pessoa jurídica, o hospital é provedor de serviços, não de produtos. Estamos trabalhando um mecanismo que dê previsibilidade e transparência para o consumidor, para que saia do hospital sabendo quanto pagou por um medicamento.
Outro ponto é a margem de distribuição (ou do distribuidor). Se olhamos toda a cadeia, quem mais pratica o desconto de forma explícita e que é evidente ao consumidor é o varejo. Certamente você já foi abordado, ao comprar um medicamento, sobre o percentual que a farmácia pode oferecer. Isso é comum, mas não é normal. Existe contestação forte dos distribuidores sobre essa dinâmica, que segundo eles, é inadequada.
Mas o que acontece, a margem de lucro do distribuidor é “achatada” pelo varejista?
Isso é o que estamos averiguando. Precisamos olhar para todo o processo para identificar possíveis falhas e trabalhar uma correção. De novo: olhando sempre para o consumidor. Mas, como disse, iremos trabalhar até final de novembro para entregar uma nova resolução sobre aqueles três pontos – inovação incremental, biológicos e o preço teto único. Os outros temas, por enquanto, apenas estão em nosso radar.
Que tratamento receberão os medicamentos isentos de prescrição, genéricos e de referência?
Nos MIPs (medicamentos isentos de prescrição), seguimos o que prega a medicina: soluções simples para problemas simples, soluções complexas para problemas complexos. Conseguimos consolidar mais de 70 comunicados em uma única Resolução, a 2/2019. Vamos receber os relatórios de comercialização de todas as indústrias, num monitoramento ativo para saber o preço que está chegando na ponta.
Parece que essa decisão, de flexibilizar a regulação e apertar no monitoramento em um setor bastante concorrencial foi acertada há alguns meses. A iniciativa trouxe transparência para o mercado.
O que cabe hoje no universo desse primeiro lote de MIPs liberado sob a nova resolução é analisar o comportamento econômico dos produtos para que nos oriente quanto à liberação ou não dos grupos subsequentes. A maturidade do processo depende de mais ou menos um ano.
Sempre nos perguntam se a resolução dos MIPs vai ter efeitos para os genéricos. Sempre respondo com bastante cautela, parcimônia e transparência: fizemos essa experiência com os MIPs. Dando certo, vamos olhar para outras categorias dentro do portfólio que a Cmed trabalha.
Haverá alterações no desconto mínimo obrigatório para compras públicas?
O assunto não está no radar. Mas é claro que a Cmed, no estabelecimento de preços e no monitoramento, atende ao público e ao privado. O quanto o SUS (Sistema Único de Saúde) já economizou com as orientações da Cmed? Estamos falando certamente de uma cifra bastante elevada.
Que resultados a Cmed espera obter com a mudança na precificação de medicamentos?
Nunca perdemos de vista em nossas discussões internas o consumidor. Segundo: cofres públicos. Neste momento de austeridade e inteligência financeira, esse é outro ponto que a gente não perde de vista mas que, de novo, esbarra no consumidor. Simples assim. Bolso do consumidor, bolso do cidadão brasileiro.