REVISTA FACTO
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Abr-Jul 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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BRASIL E A DIFÍCIL MISSÃO DE REAQUECER A ECONOMIA
//Matéria Política

BRASIL E A DIFÍCIL MISSÃO DE REAQUECER A ECONOMIA

O reequilíbrio das contas públicas, indispensável e urgente para possibilitar a retomada do crescimento brasileiro, tem sido objeto de acirradas controvérsias entre quem defende a austeridade acima de tudo, e aqueles que, enxergando no aprofundamento das desigualdades sociais um risco para a sustentabilidade de qualquer projeto de recuperação econômica, propõem intervenções diretas na política de juros e uma reforma tributária de caráter distributivo. Nesta reportagem, buscamos ampliar a discussão sobre os efeitos nocivos de políticas públicas que, desconsiderando o crescimento da pobreza no País, tenham como único objetivo zerar o deficit primário do Tesouro.

PREVIDÊNCIA: A “BALA DE PRATA”

O atual governo vem apostando todas as suas fichas na reforma da Previdência, alegando que seria decisiva para o reequilíbrio fiscal. Embora haja consenso acerca da necessidade de alguma reforma nessa área, poucos analistas econômicos lhe atribuem o poder de destravar a economia no curto ou no médio prazo.

Para Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a questão da Previdência virou a “bala de prata” do governo. “Estudos do Ministério da Economia traçam cenários nos quais a reforma mudaria o comportamento de variáveis macroeconômicas. Com ela, melhorariam: o crescimento do PIB, o emprego, a dívida pública, o PIB per capita e a taxa de juros. Sem ela, seria um desastre. É preciso deixar claro que essa ideia de que sem a reforma da Previdência o Brasil quebra não é séria. No meu ponto de vista, isso faz parte do clima de terrorismo econômico em que estamos vivendo”, afirma.

O que precisa de reforma, segundo o professor, não é o regime geral do INSS nem o Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Noventa e dois por cento da economia obtida em 20 anos vem de restrições no INSS rural e urbano e no BPC. O BPC e o INSS rural pagam um salário mínimo. No INSS urbano, a média dos benefícios é de R$ 1.300, e 60% estão na faixa de um salário mínimo. O efeito da reforma pretendida seria uma redução da demanda, porque se tiraria renda de milhões de pessoas. Ou seja, não só essa reforma não contribuiria para o crescimento, como haveria impacto negativo sobre a economia dos municípios”, defende o especialista.

E esse impacto poderia ser devastador. Segundo Fagnani, estudos comprovam que em 80% dos municípios brasileiros os recursos destinados individualmente a pessoas, como pensões e aposentadorias, superam a arrecadação municipal, e em mais de 70% eles superam também os recursos recebidos do governo federal oriundos do fundo de participação dos municípios. “Uma reforma que corte renda dessas pessoas enfraqueceria as economias regionais. E, no entanto, o que estão pretendendo fazer é justamente concentrar nesse contingente 90% da economia de recursos previdenciários”, esclarece.

Para destravar a economia é preciso criar estímulos que ampliem a demanda agregada, explica o professor. “O que acontece hoje? O desemprego atinge 13% da população, 28 milhões de pessoas estão desalentadas ou sem oportunidade e 38 milhões trabalham em empregos precários. Sem renda as pessoas não compram, o comércio corta encomendas para indústrias e demite empregados. As indústrias, frente à redução da demanda, ajustam seus balanços, cortam investimentos e demitem também. A capacidade ociosa de vários setores atinge cerca de 40%. Os bancos deixam de ofertar crédito, ou o fazem a custo elevado ou muito direcionado. Não tem como crescer com uma política monetária restritiva e sem uma política fiscal e de crédito mais ativa”, alerta.

Para o professor David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a questão deve ser analisada no contexto de um balanço dos problemas estruturais e conjunturais da economia brasileira. Em sua opinião, não obstante as mudanças dos últimos anos, o sistema previdenciário brasileiro ainda tem um passivo não equacionado, por exemplo o desajuste em relação às atuais condições demográficas do País, e isso tem relevância na questão fiscal. Porém, “independentemente da qualidade da reforma que se venha a fazer, ela tem uma dimensão estrutural, e o grande problema da economia brasileira neste momento é conjuntural. Mesmo considerando que todo problema estrutural precisa ser atacado no devido tempo, não acredito que o timing da reforma da Previdência possa agir como solução fiscal com a velocidade e a agilidade que a problemática conjuntural requer”, pontua.

“Para o País crescer é preciso aumentar o investimento e o gasto. Sem isso vamos continuar enxugando gelo, como já se faz há muito tempo” – Eduardo Fagnani

Na mesma linha de raciocínio, o professor Nelson Marconi, coordenador do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pondera que a reforma da Previdência é importante do ponto de vista fiscal, diante do crescimento da despesa com benefícios previdenciários. Para ele, “é importante diminuir o ritmo dessa evolução. Entretanto, o fato de aprovar a reforma não significa que no curto prazo ela vai gerar efeitos capazes de destravar a economia. A não aprovação seria muito ruim, pois pioraria as expectativas, mas a aprovação não terá impacto imediato sobre a atividade econômica, porque há outros fatores concorrendo no presente cenário que não estão diretamente ligados à questão fiscal”.

Dentre os entrevistados, o representante do setor empresarial – Marcus Soalheiro Cruz, presidente da Nortec Química S/A – ressalta a aposta do governo na reforma da Previdência como geradora de expectativas positivas. “A aprovação da reforma terá efeito imediato na confiança do investidor, principalmente em se tratando do capital estrangeiro, e será fundamental para decisões de investimentos. Se a reforma for aprovada, é esperado um novo ciclo de investimentos no País. No médio prazo, a principal expectativa é que o reequilíbrio fiscal se concretize, gerando como consequência o aumento da credibilidade do Brasil e um fluxo contínuo de investimentos que fomente a retomada do crescimento econômico”.

O PESO DOS JUROS NA BALANÇA FISCAL

O modelo brasileiro de gestão fiscal é inteiramente focado no resultado primário, deixando-se de lado o problema das altas taxas de juros, que pressionam fortemente a dívida pública. Qual seria, hoje, a margem de manobra do governo para, mediante uma redução da taxa Selic, forçar uma queda nos juros capaz de estimular a retomada do desenvolvimento? A questão é complexa e não deixa espaço para saídas milagrosas.

Nelson Marconi enxerga na redução da Selic, senão propriamente uma solução, uma medida importante. “Temos realmente um deficit primário, mas quando olhamos para o conjunto, que é o deficit nominal, o resultado é bem pior em função do pagamento de juros. Dado o desaquecimento da economia, seria razoável pensar numa redução da Selic, que teria impacto positivo sobre a dívida pública e ajudaria a estimular a retomada do crescimento. Mas isto não seria suficiente, porque, se uma parte da decisão de investimento depende do comportamento da taxa de juros, outra parte depende da perspectiva de se ter um retorno razoável do ponto de vista do investimento produtivo, e essa parte é negativamente afetada por uma demanda desaquecida”, expõe o professor.

Além disso, prossegue Marconi, “uma eventual redução da Selic, ainda que aliviasse o custo de rolagem da dívida pública não provocaria automaticamente uma redução de juros para os setores produtivos. Se os juros de mercado continuarem com um spread muito alto, isto é, uma diferença muito grande entre a taxa básica e a taxa cobrada aos tomadores de financiamento, a queda da Selic não levará a uma redução expressiva do custo de endividamento para o empresário”.

Um estudo recente de pesquisadores da Unicamp (“Austeridade e Retrocesso”, de 2016) mostra que 90% do crescimento da dívida pública bruta se deve ao pagamento de juros e seus impactos nos outros agregados financeiros. “Temos toda uma arquitetura que corta gastos não financeiros e investimentos para sobrar espaço no orçamento para o serviço da dívida e o pagamento de juros”, destaca Eduardo Fagnani. “A taxa de juros, embora tenha baixado, ainda é uma anomalia em relação ao que é praticado no resto do mundo. A Grécia, por exemplo, um país que quebrou e cuja dívida é mais do que o dobro da brasileira, paga menos da metade da taxa de juros cobrada no Brasil”, argumenta.

Os juros altos geram um círculo vicioso nas contas públicas, pois, na medida em que fazem crescer a dívida, obrigam o governo a fazer novos ajustes fiscais. Esses ajustes, por sua vez, ao incidirem sobre as despesas não financeiras, que incluem gastos sociais e investimentos, inibem a retomada do desenvolvimento. “Para o País crescer, é preciso aumentar o investimento e o gasto. Sem isso vamos continuar enxugando gelo, como já se faz há muito tempo”, adverte Fagnani.

David Kupfer chama atenção para a relativa fragilidade das condições de financiamento da dívida, motivo pelo qual “é possível que não se consiga escapar de uma sobredeterminação do resultado primário como objetivo da política fiscal”. Por outro lado, num cenário de inflação contida pelo excesso de capacidade de produção e pelo enfraquecimento da demanda, ele acredita que há espaço para reduzir a taxa Selic e com isso aliviar a pressão financeira sobre o Tesouro. De qualquer forma, em sua opinião, as mudanças mais relevantes na política monetária deveriam modificar características do sistema financeiro brasileiro, particularmente a excessiva competividade – ou atratividade – dos papéis de curto prazo em relação aos de longo prazo. “No meu modo de ver, muito mais do que a taxa de juros, é isso que limita a capacidade de financiamento dos investimentos e, portanto, do nosso crescimento econômico. Os papéis overnight são muito mais atrativos para os investidores do que outras aplicações financeiras”, exemplifica.

Marcus Soalheiro Cruz, em contraste com os demais entrevistados, entende que o ajuste fiscal por meio do ataque ao deficit primário é uma prioridade, e que, enquanto isso não se consumar, a redução da taxa de juros não resolverá por si só o problema das contas públicas. Ele alertou que “estamos há um ano mantendo a menor taxa histórica da Selic e não vemos sinais robustos de desenvolvimento econômico”.

Diante do dilema entre duas necessidades prementes que não se conciliam facilmente – reequilíbrio das contas públicas e estímulo à retomada do crescimento – há quem defenda o uso de parte das reservas cambiais brasileiras, hoje na casa dos US$ 370 bilhões, para reduzir o custo de rolagem da dívida. Essa medida, entretanto, não seria isenta de riscos. De acordo com Nelson Marconi, só faria sentido lançar mão de parte das reservas se o governo a utilizasse para abater a dívida, diminuir despesas com juros e abrir espaço para mais investimentos. “O que não pode ocorrer é, após tomar essa medida, num segundo momento, o governo continuar pressionando a dívida para cima. Seria preciso, também, fazer alguns ajustes do lado da receita, principalmente diminuindo isenções fiscais”, assegura.

David Kupfer considera difícil avaliar prós e contras de uma eventual mobilização das reservas para essa finalidade, e por isso prefere assumir uma posição conservadora. O especialista afirma que “o nível das reservas brasileiras é alto relativamente a vários parâmetros históricos, é caro e custoso de ser mantido, mas não acho que, em valor absoluto, seja tão grande que justifique mexerem nisso. Esse nível de reservas funciona como dispositivo de segurança para uma característica importante que o Brasil tem e conseguiu manter ao longo dos anos, que é uma menor propensão à fuga de capitais do que outros países latinoamericanos que também têm seus sistemas financeiros integrados internacionalmente”.

A única certeza, no que concerne à mobilização das reservas, parece ser a magnitude dos riscos envolvidos. Segundo Marcus Soalheiro Cruz, “é válido direcionar parte desses recursos para atenuar a dívida pública e passar uma mensagem de fortalecimento da economia, mas isso não garante a recuperação da capacidade de investimento do Estado. Um dos receios, por exemplo, é que a utilização dessas reservas fora de períodos de crise possa causar efeito oposto, pois sua venda disponibilizaria mais recursos para investidores que têm como opção comprar novos títulos públicos, acarretando um aumento da dívida pública”.

CONCENTRAÇÃO DE RENDA: UM OBSTÁCULO AO CRESCIMENTO

Se a retomada do crescimento brasileiro depende, dentre outros fatores, do reaquecimento da demanda, e este, por sua vez, dificilmente ocorrerá sem uma recomposição do poder de compra da população, é preciso colocar em pauta o problema da concentração de renda. Recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da FGV avaliou a evolução brasileira pelo Índice de Gini (criado pelo italiano Corrado Gini e que mede a desigualdade de distribuição de renda). O índice foi de 0,601 em março de 2015 para 0,625 em março de 2019, o que situa o Brasil entre os países mais desiguais do mundo.

“Normalmente se espera que a posição de um país populoso no índice de Gini mude lentamente”, afirma David Kupfer. “Se ele sobe 20 milésimos de pontos em alguns anos, como ocorreu no Brasil, é porque a situação da desigualdade se agravou muitíssimo nesse período”, esclarece. Diante desse cenário, muitos analistas econômicos defendem a urgência de uma reforma tributária de caráter distributivo.

Desigualdade social e retração econômica têm uma correlação direta, explica Eduardo Fagnani. “Um dos vetores do crescimento é o consumo das famílias, e as pessoas de renda mais baixa têm o que os economistas chamam de propensão para o consumo: elas recebem dinheiro e têm que consumir rapidamente, comprar artigos de primeira necessidade. Evidentemente uma política econômica recessiva, com altas taxas de desemprego e subemprego, retira renda dessas camadas de menor poder aquisitivo”, ensina.

“A não aprovação da reforma da Previdência seria muito ruim, pois pioraria as expectativas, mas a aprovação não terá impacto imediato sobre a atividade econômica, porque há outros fatores concorrendo no presente cenário que não estão diretamente ligados à questão fiscal” – Nelson Marconi

A reforma tributária de que o Brasil necessita, de acordo com Fagnani, está longe de corresponder à proposta do governo que tramita no Congresso (PEC nº 45), cuja única pretensão é simplificar o sistema de impostos. Para o especialista, “isto é necessário, porém insuficiente. Falta enfrentar o problema essencial: o fato de que a tributação brasileira é uma das mais regressivas do mundo. Um estudo que elaboramos recentemente mostra que, enquanto na média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a tributação sobre consumo gira em torno de 34% do PIB, no Brasil ela alcança 50%. O problema da tributação sobre o consumo é que ela pesa mais sobre os pobres que vão comprar arroz, carne, fralda e remédio”, relata.

Nelson Marconi entende que “a reforma tributária é tão urgente quanto à da Previdência. Dissociar as duas é um erro, porque será necessário alterar a sistemática de financiamento da Previdência. Hoje temos uma tributação muito forte sobre a folha de pagamento, e essa fonte de tributação tende a diminuir ao longo do tempo, porque as relações de trabalho entre pessoas e empresas vão mudar. Isso está no âmbito da reforma tributária, daí a necessidade de realizá-las em conjunto”.

Para Marcus Soalheiro Cruz, ainda não é automática a relação entre distribuição de renda e crescimento da economia. Ele declara que “um reordenamento tributário pode e deve assegurar que as classes de menor renda sejam menos prejudicadas na arrecadação, mas não garante a retomada do poder de compra dos consumidores. Isso necessariamente passa pelo fortalecimento da economia, que direcione os ganhos reais para ajustes dos salários e crie um ambiente favorável à geração de empregos qualificados. É importante destacar também que, no cenário econômico atual, uma reforma que reduza a participação dos impostos indiretos necessariamente deve prever a cobertura dessa lacuna na receita. Há sugestões para o direcionamento desse impacto ao patrimônio e à renda, o que teria relevância no que tange à necessária redução da desigualdade, no entanto, sem saber como o plano da reforma seria desdobrado e executado, não é possível afirmar que esses ajustes favoreceriam verdadeiramente as classes que mais precisam”.

A adoção de um regime tributário progressivo, incidindo sobre a renda e o patrimônio, poderia configurar uma contrapartida viável à desoneração do consumo e da produção. “Tecnicamente é possível aumentar a tributação sobre a renda e o patrimônio em cerca de R$ 350 bilhões”, afirma Eduardo Fagnani. “Desse valor, a maior parte viria da tributação da pessoa física. Em estudo que fizemos recentemente, com mais de 40 especialistas, propomos o fim da isenção sobre lucros e dividendos e uma nova tabela progressiva do imposto de renda, em que praticamente todos que ganham menos de 20 salários mínimos seriam desonerados. Seria mantida a alíquota atual de 27% para quem ganha entre 20 e 40 salários mínimos, subiria para 35% a alíquota para quem ganha entre 40 e 60, e para 40% a alíquota para quem ganha mais de 60 salários. Mesmo assim, é um padrão inferior à média da OCDE. Com isso, só estaríamos penalizando 720 mil pessoas num universo de 30 milhões de contribuintes – ou seja, 2,7% do total de contribuintes”, defende.

Por outro lado, a se manter inalterada a carga tributária, Fagnani propõe como alternativa reduzir na mesma proporção a tributação sobre o consumo e sobre a folha de pagamentos das empresas. “Esse nosso estudo faz uma compensação mostrando que é possível reduzir em R$ 320 bilhões esses tributos. No lado do consumo, pode-se fazer uma simplificação, extinguindo-se mais de oito tributos, que incidem sobre o faturamento das empresas. São medidas que ajudam, simplificam e reduzem a tributação sobre a indústria e as pequenas empresas. Com isto se pode aumentar a competividade da indústria nacional”, exemplifica.

Na avaliação de David Kupfer, a redução dos impostos que oneram a produção é necessária em qualquer circunstância. Ele explicita que “a incidência de impostos indiretos no Brasil é muito alta, e, por questões de técnica de arrecadação, traz muitas distorções. Além disso, tais impostos cobram alto preço à sociedade na forma de baixa produtividade, baixa competividade e retração do emprego, com efeito fortemente negativo sobre PIB. A correção dessas distorções causadas pelos impostos indiretos é crucial e urgente, independentemente do que se possa fazer em termos compensatórios, com novas bases de incidência ou a retomada de incidências que foram suspensas, como a questão dos dividendos, que têm um tamanho relativo menor e que certamente não resolverão os problemas de uma transição tributária no Brasil. De todo jeito, a despeito das dificuldades de se organizar uma fase de transição capaz de compensar adequadamente os que vão perder com uma nova estrutura tributária, essa reforma precisa ser feita, porque não é mais possível deixar nas costas do setor produtivo, particularmente o industrial, o ônus dessa base de tributação indireta tão distorcida que temos no Brasil há muito tempo”.

Na opinião de Nelson Marconi, mais alinhada com a análise de Fagnani, é relevante incluir numa reforma a tributação sobre dividendos. “Não os dividendos que a empresa retém e que irão constituir os lucros a serem reinvestidos, mas sim os dividendos distribuídos, porque isso é renda. Pouquíssimos países no mundo – excluindo- se os subdesenvolvidos, apenas o Brasil e a Estônia – deixam de tributar esses dividendos. O Brasil tributava até 1995, quando abandonou essa prática. Seria muito importante desonerar as empresas e compensar essa perda de receita com uma tributação maior sobre os dividendos distribuídos”, explana.

O VALOR DE UMA POLÍTICA INDUSTRIAL

Para além do reequilíbrio fiscal, é necessário pensar a retomada do crescimento econômico brasileiro em bases sustentáveis, o que não seria possível sem a recuperação da indústria, em especial nos seus segmentos de médio e alto valor agregado. Embora um ambiente macroeconômico favorável seja indispensável para a reversão do processo de desindustrialização, que já dura décadas, há controvérsias sobre se isto seria suficiente para reativar setores de médio e alto conteúdo tecnológico, justamente aqueles que mais agregariam valor à produção industrial.

De acordo com Nelson Marconi, intervenções no plano macroeconômico e fiscal seriam as medidas básicas e mais importantes. “Uma situação fiscal equilibrada, taxa de juros mais baixa e câmbio competitivo são fundamentais para a indústria. Com o câmbio bem calibrado, algumas alíquotas de importação para setores que usam muitos insumos importados deveriam ser baixadas provisoriamente, para compensar o rápido aumento de custo. Uma vez adaptadas as empresas à nova situação cambial, as tarifas aduaneiras seriam novamente ajustadas segundo cronogramas previamente negociados”, afirma.

Sem política macroeconômica estruturada não adianta fazer política industrial, salienta Marconi. Ele alerta que “seria como enxugar gelo. Mas a partir do momento em que os parâmetros macroeconômicos estão equilibrados passa a ser importante uma política industrial, dado o atraso tecnológico brasileiro em relação a outras economias. Será preciso focar em setores com maior conteúdo tecnológico, que não são aqueles para onde o investimento naturalmente iria, por não terem grande margem de lucro no Brasil. Os setores com maior taxa de lucro são aqueles associados às commodities e/ou que não enfrentam concorrência externa, e de forma geral, os setores de média e alta tecnologia não se enquadram nesses casos, além de enfrentarem desvantagens competitivas em logística, burocracia etc”.

Dentre as medidas complementares que poderiam dar suporte a esses setores, Marconi recomenda políticas de inovação no setor público as quais as universidades e institutos de pesquisa sejam motivados a realizar projetos conjuntos com as empresas, e políticas de inovação para estimular as empresas em seus projetos específicos com financiamento do BNDES. “É importante o papel do BNDES no incentivo financeiro a programas que vinculem inovação tecnológica à expansão das exportações”, pontua.

Eduardo Fagnani considera que política industrial é fundamental para setores de alta tecnologia. O especialista explica que “para setores de ponta, por exemplo, como o Complexo Industrial da Saúde, no qual o SUS é o maior consumidor de insumos, fármacos e equipamentos. Estudos da Fiocruz mostram que, se tivéssemos uma política industrial que incentivasse a substituição da importação desses insumos, seria uma forma de o próprio SUS alavancar setores importantes da indústria. É uma forma de estimular as diversas cadeias produtivas relacionadas ao setor da saúde, que está entre os de média e alta tecnologia”.

“O fortalecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), comuns nos segmentos farmoquímico e farmacêutico, é ação fundamental para dar continuidade à estratégia de transferência de tecnologia, como também para fomentar investimentos que visem à ampliação do nosso parque industrial” 

Marcus Soalheiro Cruz

Assim como Marconi, Fagnani destaca a importância do BNDES como agente de política industrial. “É preciso oferecer crédito com algum subsídio, porque os investimentos têm um prazo de maturação e os resultados somente serão colhidos um tempo depois. Este é o típico papel que o BNDES tem cumprido ao longo da história. No entanto, o que está acontecendo hoje é uma restrição ao crédito. O BNDES quase não tem atuado; pelo contrário, está antecipando pagamentos para o Tesouro fazer caixa. A situação é muito difícil”, disse.

Já Marcus Soalheiro Cruz entende que uma política voltada para a agregação de valor na produção industrial deve sustentar-se em três pilares: educação, tecnologia e inovação. “É necessário ampliar a oferta de cursos que mantenham convergência com as atividades desenvolvidas pelos setores de média e alta tecnologia. Da mesma forma, o incentivo à inovação desperta a competitividade desses setores e fomenta ações visando a um posicionamento estratégico da indústria nacional. O fortalecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), comuns nos segmentos farmoquímico e farmacêutico, é ação fundamental para dar continuidade à estratégia de internalização de tecnologia, como também para fomentar investimentos que visem à ampliação do nosso parque industrial. A consolidação dessas frentes não só dará a certeza de estarmos no rumo correto, como também promoverá ganhos de produtividade nos setores tecnológicos”, finaliza.

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