O uso medicinal de derivados da Cannabis sativa tem aumentado a cada ano, principalmente pela capacidade de proporcionar alívio imediato nos sintomas de problemas de saúde como convulsões, depressão e insônia. Em junho de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu consulta pública para abordar os requisitos técnicos e administrativos para o plantio de Cannabis para fins medicinais por pessoas jurídicas. Entretanto, além das dificuldades advindas de conflitos éticos e sociais e dos requisitos regulatórios para comprovar a qualidade e eficácia dos medicamentos à base da planta, a pesquisa e o desenvolvimento de produtos e processos para saúde baseados em de canabinoides têm sofrido impacto também no patenteamento.
O tema, motivo de grande debate na sociedade brasileira, é analisado pelos presentes autores em artigo submetido à revista Visa em Debate. Segundo o artigo, que ainda será publicado, apesar dos aparentes avanços regulatórios, os pedidos de patentes de tecnologias relacionadas à Cannabis sativa têm sido arquivados definitivamente, sem mesmo ter o exame continuado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O estudo explica o porquê de isso estar acontecendo. A análise de pedidos de patente de produtos e processos farmacêuticos à luz da saúde pública pela agência, determinada pela Orientação de Serviço nº 51/2018, tem parâmetros que devem ser levados em consideração. O risco à saúde pública, avaliado pela Coordenação de Propriedade Intelectual da Anvisa, é caracterizado quando o produto farmacêutico contém substância presente na Lista E (lista de plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas) ou na Lista F (lista das substâncias de uso proscrito no Brasil), da Portaria nº 344/1998, que trata de plantas e substâncias, incluindo seus sais e isômeros, de uso proibido no Brasil.
Através de um mapeamento dos documentos de patentes depositados no Brasil contendo derivados de Cannabis sativa, o artigo evidencia como está ocorrendo a perda do patenteamento desses derivados de fitocanabinoides. A busca realizada apresenta os pedidos de patentes depositados no INPI e encaminhados para anuência prévia da Anvisa, após a Portaria Conjunta entre os dois órgãos, ou seja, no período de janeiro de 2018 até julho de 2019.
No artigo, é defendido que as tecnologias pleiteadas estão entrando em domínio público, uma vez que a Anvisa emite o parecer de não anuência devido ao risco à saúde pública. Os examinadores da autarquia analisam o pedido de patente quanto ao risco à saúde, identificam a presença de substâncias proibidas no Brasil, emitem uma notificação aos depositantes informando que essas substâncias não podem ser englobadas nas reivindicações pleiteadas, mas, na maioria das vezes, os depositantes nem sequer se manifestam. Dessa forma, a Anvisa tem que emitir um parecer de não anuência por conter substâncias proibidas. A não anuência devido ao risco à saúde acarreta o arquivamento definitivo pelo INPI e a entrada em domínio público das tecnologias pleiteadas.
Essa situação de não proteção patentária no Brasil acarreta a perda de informação e de oportunidades de mercado, uma vez que a maioria dos pesquisadores ainda não possui uma mentalidade de prospecção tecnológica que possa usufruir de tecnologias não patenteadas para a geração de futuras inovações.